text
stringlengths 0
465k
|
---|
Brilho de filme político, em plenos anos 2000, com a marca do grego Costa-Gavras. Um coronel reformado do Exército francês, DuPlan, é assassinado em sua casa, uns 20 e tantos anos depois da guerra da Argélia. O assassinato acontece pouco depois que DuPlan (Olivier Gourmet) deu uma entrevista na TV criticando o governo francês. As investigações – da polícia e do próprio Exército – levarão ao exame de sua participação na repressão na Argélia, pouco antes da eclosão da guerra que levou à libertação da então colônia francesa na África. As investigações do Exército – a cargo de uma jovem tenente, Galois (Cécile de France, essa gracinha, muito bem no papel), são facilitadas, ou talvez também complicadas, por uma série de cartas que chegam em pacotes aos investigadores, enviadas por alguém que fica no anonimato. As cartas foram escritas durante o conflito na Argélia por um tenente, Guy Rossi (Robinson Stévenin), que serviu sob o comando do coronel DuPlan. À medida em que a tenente Galois vai lendo as cartas do tenente Rossi, o filme vai mostrando os relatos dele em flashbacks. As cartas, e os flashbacks, mostram o coronel como, mais do que um oficial dedicado e patriota, um fascista, um facínora, tamanha a brutalidade com que trata os rebeldes argelinos; para o coronel DuPlan, assim como para a administração George W. Bush, os fins justificam qualquer tipo de meio: tortura, assassinato, violação dos direitos básicos e de todos os códigos de decência. No final do filme, o veteraníssimo Charles Aznavour, em uma de suas muitas atuações no cinema, aparecerá num papel pequeno mas fortíssimo, marcante, como o pai do tenente que sofreu nas mãos do coronel na Argélia. O grego cineasta do mundo Costa-Gavras, este sinônimo de cinema político desde os anos 60, fez o roteiro do filme juntamente com Jean-Claude Grumberg, assim como havia feito em seus dois últimos filmes, Amém/Amen, de 2002, e O Corte/Le Couperet, de 2005, mas a direção ficou a cargo desse Laurent Herbiet, em sua estréia na função – nascido em 1961, Herbiet tinha longa carreira como assistente de direção e diretor de segunda unidade. |
Tem um certo humor amargo que deve ser bem característica dos judeus americanos – e é interessante que, em seu primeiro-longa metragem como diretora, Diane Keaton, depois de anos de convivência com Woody Allen, tenha feito um filme tão profundamente, arraigadamente judeu. O roteiro se baseia num livro de Franz Lidz (que aparece, nos letreiros finais, também como co-produtor executivo). Franz Lidz é o garoto que no filme tem 12 anos, o protagonista da história. A ação se passa no comecinho dos anos 60; o garoto, portanto, é do início dos anos 50, estará hoje com 47, por aí. Vemos cenas de filmes domésticos, em PB, é claro, feitos pelo pai do garoto, um inventor (John Turturro, ótimo, excelente), testando inventos e usando o filho como cobaia. Logo depois que termina a apresentação há uma seqüência para mostrar que aquela é uma família feliz, de pais apaixonados e apaixonados pelos filhos. Com dez minutos de filme, já temos que o garoto se sente mal por ter um pai como aquele – judeu, e estranho, diferente demais do padrão classe média americana, que fala o tempo todo sobre a importância da ciência e sobre as frases e as descobertas dos cientistas. Ele diz pra mãe (Andie MacDowell, no começo do filme linda como sempre, depois maquiada para mostrar sua lenta derrota para um câncer no ovário) que os garotos na escola dizem que o pai dele não é deste planeta. Por isso o horror do choque que ele sente ao saber que a mãe está doente, e depois – através de uma frase que a empregada solta sem pensar – que está morrendo. A notícia da doença faz mudar completamente, é claro, o comportamento do pai. Antes alegre, expansivo, transforma-se em sombrio, calado, fechado, tentando maniacamente lutar contra o diagnóstico, depois se entregando à evidência. O peso da tristeza que paira na casa, e o mau humor constante do pai, ajudam para que o garoto opte por se refugiar na casa dos dois tios, irmãos do pai. Os tios, Danny (Michael Richards) e Arthur (Maury Chaykin), são doidos de pedra. Se os colegas de escola do menino Steven Lidz já consideram o pai dele maluco, imagine-se o que pensariam dos tios. Judeu de esquerda, alimenta uma total teoria conspiratória da história; diz que só existem oito pessoas na humanidade em que se pode confiar; todos os demais são suspeitos, ou então são abertamente fascistas. Os dois tios vivem em um imenso apartamento para onde levam todos os jornais, bolas de brinquedo e todo o tipo de quinquilharia que encontram nas ruas. Vivem às turras com o síndico do prédio, que lá pelas tantas consegue fazer vir um fiscal da Prefeitura para constatar a loucura da quantidade de lixo que eles guardam no apartamento. O garoto Steven passa a idolatrar os tios, a absorver os valores malucos deles, a loucura deles, para contrariedade total dos pais e surpresa do espectador. É aí que resolve, por sugestão dos tios, trocar o nome, de Steven para Franz. O distanciamento entre o garoto e o pai vai aumentando, até o ponto de ruptura. |
O tema de Circuito Fechado – fascinante drama politico inglês lançado em 2013 – é um ataque terrorista ocorrido em Londres, obra, segundo todos os indícios, de radicais muçulmanos. Mas o filme é, todo ele, uma crítica virulenta não aos terroristas, aos radicais muçulmanos, mas às próprias autoridades britânicas. É preciso ser uma democracia consolidada, avançada, estável, tranquila, para que haja um filme como este Closed Circuit, escrito por Steven Knight e dirigido por John Crowley, com um elenco que inclui o australiano Eric Bana, os ingleses Rebecca Hall e Jim Broadbent, o irlandês do Ulster Ciarán Hinds e a americana Julia Stiles. Não é um filme fácil, que agrade a todas as platéias, de forma alguma. Falcões de todos os matizes, defensores da Lei do Talião, do olho por olho dente por dente, do combate aos radicais e terroristas com todas as armas possíveis e imagináveis, à la George W. Bush, Dick Chenney, por exemplo, devem passer bem longe dele – ou vão se expor ao risco de um choque anafilático. O roteirista e o diretor não procuram facilitar muito a vida do espectador, em especial os não britânicos. O roteiro faz questão de não ficar explicitando fatos – muitas vezes, prefere deixar as coisas subentendidas, como, por exemplo, como e quando foi o relacionamento afetivo entre os dois protagonistas, Martin Rose e Claudia Simmons-Howe, os papéis de Eric Bana e dessa fascinante Rebecca Hall, a cada filme mais impressionante. Tampouco há qualquer cuidado em esclarecer coisas básicas do funcionamento do complexo sistema judicial britânico. Não vai aí, nessas afirmações, qualquer crítica – são apenas constatações. O ministro da Justiça é duramente questionado em entrevista na TV Na abertura do filme – nada menos que brilhante –, há uma absurda concentração de informações, capaz de deixar o espectador um tanto zonzo. O espectador percebe de imediato que são imagens de câmaras de segurança colocadas em diversos pontos de um mercado londrino, Borough Market. Não são apenas as imagens – há também a reprodução das vozes das pessoas focalizadas em cada uma das câmaras. O espaço da tela vai sendo dividido em fatias cada vez menores. Um furgão estaciona em uma das várias imagens, uma voz alerta que ali é proibido estacionar. Logo são 12 imagens, captadas por 12 câmaras de segurança diferentes. Uma explosão – todas as 15 câmaras agora mostram apenas poeira. Vemos e ouvimos noticiários de TV informando que há muitos feridos, que já se fala em ataque terrorista, que o número de mortos é alto. Os créditos iniciais continuam rolando, enquanto vemos tropas especiais da polícia – tipo tropa de choque, tipo SWAT – invadindo uma casa simples, um depósito. Repórteres de TV informam que um suspeito foi levado preso pela polícia, assim como sua mulher e filho – ele se chama Farroukh Erdogan (Denis Moschitto), de origem turca. Um advogado é nomeado para a defesa de Erdogan – Simon Fellowes (James Lowe). O Attorney General (interpretado pelo grande Jim Broadbent) está sendo entrevistado na TV, e o entrevistador é incisivo, duro, cortante. Quem faz o entrevistador é de fato um jornalista da TV britânica, John Humphreys, embora, naturalmente, nós não tenhamos como saber disso a não ser vendo depois a relação de atores. O Attorney General está na defensiva ao falar do julgamento de Farroukh Erdogan, o único suspeito vivo do atentado que matou mais de cem pessoas: – “Em casos de terrorismo, há circunstâncias em que revelar provas em julgamento aberto prejudicaria ações presentes e futuras (das investigações).” John Humphreys, o entrevistador: – “Mas provas cruciais da promotoria serão escondidas da defesa. Se isso acontecesse em qualquer outro país, diríamos que é um processo viciado.” O Attorney General: – “Na audiência aberta, diante do júri, ele terá seu próprio advogado. O Attorney General: – “O processo judicial neste país é, e continuará sendo, justo e transparente.” Na verdade, na Grã-Bretanha, o Attorney General é o ministro da Justiça. E é apenas quando o ministro da Justiça interpretado por Jim Broadbent diz com a maior firmeza do mundo a frase “O processo judicial neste país é, e continuará sendo, justo e transparente” é que terminam os créditos iniciais do filme. Os dois protagonistas vão fazer a defesa do turco acusado pelo atentado Soterrado por tanta informação num período de tempo exíguo – não mais que os primeiros 5 dos 96 minutos de bom cinema –, o espectador poderá respirar rapidamente enquanto vê uma tomada aérea de Londres, o Tâmisa recortando aquela paisagem maravilhosa, a Tower Bridge na parte de baixo da tela, as pontes a montante, a Oeste, situadas mais para cima da tela. Uma tomada em plongée radical, a câmara bem no alto, o Tâmisa visto como se fosse de um satélite – um pequeno barco de corrida de remo no meio do rio. Uma tomada em que vemos o remador – Eric Bana – e, acima dele, a Ponte de Westminster, e, atrás dele, o prédio monumental do Parlamento inglês. O personagem interpretado por Eric Bana pára para respirar exatamente ao lado das Houses of Parliament. Corta, e Martin Rose está numa igreja em que se celebra a homenagem fúnebre a Simon Fellowes, o advogado de defesa do acusado do ataque terrorista, Farroukh Erdogan. Fellowes – é o que se diz – se matou, provavelmente abalado psicologicamente pela pressão de estar no centro de um caso que está sendo tratado como o julgamento do século. À saída da cerimônia religiosa, o ministro da Justiça, que também estava presente, procura Martin Rose para uma conversa; Martin será o substituto do falecido Fellowes na defesa do turco acusado de promover o atentado que matou mais de cem inocentes. Ele fará a defesa no julgamento aberto, com júri e público presentes. A advogada escolhida como defensora especial de Erdogan, nas sessões fechadas do tribunal, sem imprensa, sem júri, sem populares, é Claudia Simmons-Howe (o papel de Rebecca Hall). O espectador é informado de cara de que Martin e Claudia tiveram um caso no passado. Martin separou-se da mulher algum tempo atrás, e as relações entre os dois não são nada cordiais – ela estabelece horários rígidos para que ele fique com o filho adolescente do casal. Isso não é ditto hora alguma, mas dá para inferir que Claudia pode ter sido o motivo do divórcio não amigável de Martin e da mãe de seu filho. O complexo sistema jurídico britânico exige, naquele caso específico, que o advogado de defesa de Erdogan – Martin – e sua defensora especial – Claudia – não troquem informações sobre o caso. A rigor, o fato de eles terem tido um caso deveria levar um dos dois a se declarer impedido da tarefa – mas não é o que acontece. Não é dito claramente, mas dá para inferir (o espectador tem o direito de inferir muito, ao ver Circuito Fechado) que os dois, profissionais sérios, dignos, honestos, acham que o fato de terem tido um caso não impedirá que exerçam seus deveres com toda a isenção e o profissionalismo necessários. Quem não viu o filme não deve ler o que vem abaixo Por essa descrição acima, o eventual leitor que não tiver visto ainda o filme poderá imaginar que Circuito Fechado de fato despeja muita informação sobre o espectador já nos primeiros 15, 20 minutos. Porém, quando o filme está aí com 25, 30, 35 minutos, há uma grande reviravolta. Muito provavelmente todas as sinopses do filme abrem as informações que virão a seguir, mas eu tenho estado cada vez mais paranóico com essa coisa de spoiler. Acho que as informações que virão agora atrapalham a vida de quem não viu ainda o filme. As informações vão se somando, Martin Rose vai juntando os pontos da trama – e conclui que, na verdade, Farroukh Erdogan trabalhava para o MI6, o serviço secreto britânico, a CIA do Reino Unido. Cometeu um erro, e fez explodir no Borough Market um furgão com uma potência destruidora inimaginável. Condenar o uso de métodos sujos na guerra contra o terrorismo já é, em si, uma posição controvertida. Muita gente teria argumentos para justificar ações radicais contra radicais assassinos de inocentes. No próprio filme, quando a narrativa já se aproxima do fim, um agente da MI6 diz para Claudia, enquanto tenta sufocá-la: “Você tem todas as vantagens da nossa sociedade, mas não as defende, não é? Eu luto contra os homens que querem botar uma máscara em você apenas porque você é mulher”. É extremamente difícil, mesmo numa sociedade avançada, civilizada, defender a postura – moralmente correta, juridicamente, humanamente, todos os mente possíveis correta – de que o crime, mesmo o terrorismo, tem que ser combatido dentro das normas do Direito, da Justiça, ou então o Estado que o combate passará, ele mesmo, a ser fora da lei. Tem ficado cada vez mais difícil, após cada golpe aplicado pelos radicais, pelos fundamentalistas muçulmanos. Circuito Fechado defende essa postura, contra a opinião de provavelmente a maioria das pessoas hoje em dia. Claro que se trata de uma história de ficção – mas investe contra o Estado britânico cujos agentes fizeram uma besteira imensa, e cuja máquina foi posta em ação para evitar que a verdade sobre o atentado fosse conhecida pelo público. Rebecca Hall é a prova de que o talento não precisa necessariamente de vir acompanhado de imensa beleza. A rigor, a rigor, pelos padrões mais comuns, Rebecca Hall não é uma mulher bonita. Mas ela usa com maestria todos os traços de seu rosto – traços fortes, marcantes – para transmitir as emoções dos personagens que interpreta. É uma mulher evidentemente bem nascida (o próprio sobrenome duplo indica), bem criada, bem educada. Tem princípios firmes, é profissional dedicada, competente, e parece ter muita segurança – mas a segurança vai pelo ralo quando se vê defrontando a força das instituições do Estado. Roteirista e diretor souberam muito bem manter a tensão crescente entre os dois protagonistas, Claudia e Martin – a tensão diante de toda o caso jurídico e político complexo, difícil, apavorante, em que mergulham, e diante do reencontro após uma paixão que visivelmente ainda não se apagou. John Crowley, o diretor, é um garotão que deve estar beirando os 40 anos. Circuito Fechado é seu quinto longa-metragem; não tenho referência alguma sobre os anteriores. Steven Knight, o roteirista, é mais veterano, nasceu em 1959, e tem 26 títulos como roteirista. É o autor do roteiro do excelente Coisas Belas e Sujas/Dirty Pretty Things (2002), de Stephen Frears, sobre imigração, miséria material e moral na Inglaterra de hoje. Mais um bom filme do cinema inglês, o que hoje, na minha opinião, é o melhor do mundo. […] Ilhas Britânicas, todos os três – o veterano Alan Rickman, um londrino, a jovem e maravilhosa Rebecca Hall, igualmente londrina, e mais o garotão Richard Madden, escocês de uma cidadezinha chamada […] |
Já lá se vão 20 anos que a ditadura comunista comandada por Nikolai Ceauscescu caiu de podre, mas a Romênia vai mal, bastante mal. Não conseguiu se livrar da atmosfera claustrofóbica, castradora, do estado policial; a burocracia paquidérmica e anti-meritocracia herdada do Estado todo-poderoso emperra o funcionamento das instituições, e a vida dos cidadãos é vigiada constantemente. Isto é o que diz Polícia, Adjetivo, filme de Corneliu Porumboiu, o mesmo autor do fascinante A Leste de Bucareste. Ou, no mínimo, se não foi essa exatamente a intenção do diretor, é uma das formas pelas quais pode ser visto seu filme. É um filme em tudo por tudo extraordinário, nas acepções fundamentais da palavra – fora do comum, excepcional, raro, singular, notável. Porumbopiu constrói sua narrativa de uma forma enervante, perturbadora, desagradável mesmo, de uma certa maneira. É como se ele quisesse reproduzir, na forma do filme, o seu conteúdo, o que ele quer mostrar: como é exasperante a vida do cidadão que tenta ser correto e cumprir direito os seus deveres dentro daquele tipo de Estado. São várias as características básicas com que ele conta sua história. As gerações acostumadas aos planos curtinhos, à montagem rápida, à la linguagem da MTV de meados dos anos 80, e de todos os filmes de ação feitos depois disso, seguramente ficarão bastante nervosas com os planos tão longos. Terceiro: como nos filmes do Dogma 95 dos dinamarqueses, não há música. Ouvimos os ruídos naturais, as vozes – quando há vozes, porque na maior parte das seqüências não se fala nada – e ouvimos o silêncio. Jamais vemos de perto o rosto dos atores, ou qualquer objeto. São sempre tomadas amplas – planos gerais, ou no máximo de conjunto. Há, que eu tenha reparado, apenas um plano entre o de conjunto e o americano, uma longa tomada sem cortes do jantar do protagonista e sua mulher. Mas minto: em duas seqüências, bem no final do filme, no ápice do drama, haverá dois close-ups. Dois, apenas, para realçar a importância do que está sendo mostrado, depois de toda uma narrativa em que a câmara está mais longe das pessoas e dos objetos. Um, de um dicionário de romeno, na página em que se mostram os significados da palavra romena equivalente à nossa “policial”; e outro, de um quadro-negro, onde se desenha o assalto final do estado policialesco à vida de um grupo de cidadãos. Esta é a trama básica deste filme estranho e fascinante, às vezes exasperante: Um jovem policial de uma pequena cidade romena, Cristi (Dragos Bucur), é encarregado de fazer a vigilância de um estudante, Victor, que havia sido denunciado como usuário e traficante de droga. Ao longo de dias, Cristi segue os passos de Victor; vê que ele, uma vez por dia, fuma um baseado, junto com uma colega e um amigo, Alex – exatamente o sujeito que fez a denúncia. Mas, fora isso, fora o fato de que Victor fuma o baseado (e junto com o próprio denunciante), Cristi não observa mais nada. O traficante pode ser um irmão de Victor, ou até um irmão de Alex, o denunciante. Quando o filme está ali com dez minutos, Cristi faz uma manobra arriscada: passa por cima de seu chefe e vai falar com o procurador que cuida do caso. Acredita que será mais fácil convencê-lo de seu ponto de vista; sabe muito bem que, se for falar com o chefe – o qual, aliás, anda exigindo uma conversa com ele –, o chefe exigirá que seja feito logo o flagrante, “para resolver nos interrogatórios”. A velha fórmula de toda polícia incompetente, de todo Estado policial, que todos nós, no mundo inteiro, conhecemos tão bem – certo? Prende-se o suspeito, e resolve-se no interrogatório – num bom interrogatório (segundo o ponto de vista do policial incompetente, do Estado policial), ah, o suspeito confessa, sim, senhor. Pois então o jovem policial Cristi vai ao procurador, quando o filme está aí com uns dez minutos. Chega a contar para ele que, na sua recentíssima lua-de-mel, esteve em Praga, e lá viu o que acontece em todos os países da Europa, menos na Romênia: consumir droga não é crime, crime é traficar. O procurador não quer saber: sugere a Cristi que faça o flagrante. Cristi tenta argumentar: se fizer o flagrante, o garoto Victor passará sete anos na cadeia; ele não quer ter esse peso em sua consciência. O procurador contra-argumenta que não serão sete anos: depois de três anos e meio, o garoto será libertado: Então é isso: além de fazer um panfletaço firme, forte, violento, contra o Estado policial, contra a burocracia infernal, contra o serviço público que – na falta de promoções por mérito e de demissões por incompetência ou corpo mole – incentiva a letargia dos funcionários, o diretor Corneliu Porumboiu faz uma crítica virulenta à forma como muitos governos tentam combater a praga das drogas. Uma forma que vitimiza o usuário, não derrota o traficante e só serve para inflar a corrupção e a criminalidade. Dois outros filmes fascinantes feitos em países que emergiram das cinzas após o desmoronamento do império soviético me impressionaram por seu clima anti-naturalista, selvagemente surreal. Em Os 27 Beijos Perdidos, feito em 2000 na Geórgia, a terra natal de Stálin, há um navio que passeia pelas ruas da pequena cidade e pelos campos ao seu redor, um marinheiro que perdeu o mar, um oficial que manda a artilharia disparar seus canhões em direção ao local em que sua mulher o trai com outro homem, um sujeito que amarra rolamentos no pauzão de 27 centímetros e depois não consegue tirá-los de lá e a cidade inteira tem que acudi-lo; e, numa seqüência antológica, um camarada que está comendo uma mulher de pé, encostando-a numa mesa, usa, para ficar mais alto e facilitar o trabalho, dois livrões de Karl Marx sob os pés – livros que em seguida vão pegar fogo. Em Casamento Silencioso/Nunta Muta, feito em 2008 na própria Romênia, a narrativa do diretor Horatiu Malaele passeia pelo paranormal, vê fantasmas, bota os atores para atuar como em um teatro farsesco, faz um surrealismo que deixaria Fellini humilhado de inveja. Esses dois filmes me deixaram com a sensação de que, depois de muitas décadas de realismo socialista, aquela coisa horrorosa imposta pela ditadura comunista para enaltecer a pátria, o patriotismo, o valor do operariado, blábláblá, os diretores Nana Djordjadze e Horatiu Malaele resolveram se vingar, partindo para o realismo fantástico mais absurdo que se pudesse imaginar. Como numa repartição, esperando que o funcionário se digne a nos atender Ele também vai na contramão do didático realismo socialista, e vai também raivosamente – só que vai direção contrária: opta assim por uma espécie de hiper-realismo, de um quase naturalismo. Há momentos do filme em que não acontece absolutamente nada – exatamente como na vida real. É extraordinária, chocante, por exemplo, a seqüência em que um exaurido Cristi chega em casa, após um duro dia de trabalho, e sua jovem mulher, Anca (Irina Saulescu), está na ínfima salinha do apartamento ouvindo música no YouTube. Tão jovens, tão recém-casados – e Cristi e Anca parecem distantes um do outro, milhas e milhas de distância, mais ou menos como Ben Braddock e Elaine Robinson – os personagens de Dustin Hoffman e Katharine Ross – na seqüência final de A Primeira Noite de um Homem/The Graduate. Cristi sequer vai até Anca para dar um beijo de boa noite. Plano de conjunto, câmara paradona, estática – Cristi se serve, abre a geladeira, pega uma cerveja, vai comendo, vai bebendo, e vai ouvindo, junto com o espectador, uma canção pop romena tão brega quanto um Waldick Soriano (brega é brega em qualquer lugar do mundo). Cristi pede para Anca baixar o som, mas Anca não ouve o que ele diz, e assim Cristi e o espectador continuam ouvindo a canção brega, enquanto a câmara continua paradona e Cristi continua comendo. Cristi e o espectador respiram aliviados – mas lá vem de novo a música, desde o início: Anca, como alguns doidos (eu, por exemplo), tem a mania de ouvir dez vezes em seguida a mesma canção. Epa, mas então há um erro aqui: lá mais pra trás tinha sido dito que o filme não tem música. Tem uma ou duas canções que tocam lá dentro da história, que são ouvidas pelos personagens, e portanto o espectador ouve também. Um detalhezinho: a Waldick Soriano romena que inferniza o jantar do pobre Cristi chama-se Mirabela Dauer. Pelo menos isso é o que Anca contará mais tarde para Cristi. Mas haverá ainda uma outra tomada mais longa e mais exasperante do que essa que descrevi. Cristi e seu colega Nelu (Ion Stoica) estão na ante-sala do chefe, à espera de que ele os mande entrar. Plano de conjunto, câmara paradona, estática: a secretária do chefe trabalha num computador pré-antigo, com um monitor daqueles de um metro de profundidade, que se usava uns 20 anos atrás, e, ao lado dela, Cristi espera. Exatamente como se estivéssemos – como todos já estivemos, e ainda vamos estar – numa repartição pública, à espera de que um funcionário finalmente se digne a nos atender. Evidentemente, não dá para deixar de falar das proximidades óbvias entre o que filme mostra e o que nós, brasileiros, vivemos. Mal saídos de duas décadas de ditadura militar de direita, em que imperava essa mesma atmosfera claustrofóbica, castradora, do estado policial mostrada em Polícia, Adjetivo, vivemos agora, em 2010, esse mesmo clima de Estado forte – quanto mais forte o Estado, mais frágil o cidadão –, essa mesma coisa da máquina goliática, leviatânica, paquidérmica, em que o servidor público deixa de servir ao público para servir a si próprio, aos seus companheiros mais próximos, ao seu clubinho, ao seu partido político. Nunca antes, em 510 anos de história, nem mesmo durante a ditadura militar, o Estado brasileiro tinha sido tão privatizado pelos interesses de um grupelho, uma casta, uma quadrilha, que se arvora em dona da verdade e do povo e não admite qualquer tipo de crítica ou contestação. Uma quadrilha que usa os instrumentos do Estado para espezinhar os cidadãos, violar seu sigilo, acabar com suas liberdades mais ínfimas. |
Imitação da Vida, de 1959, foi o último filme da carreira de Douglas Sirk, o diretor que passou para a história como o rei do melodrama. Ao rever o filme agora, meio século depois que ele foi feito, é impossível deixar de constatar: Tinha visto o filme quando bem garoto, aos 13 anos (foi no dia 4 de setembro de 1963, no Cine Candelária, na Praça Raul Soares, em Belo Horizonte, segundo conta meu primeiro caderninho de cinema), e ele me impressionou demais. Pelo que tenho anotado, depois daquela vez só vi um pedaço dele, na TV, zapeando, em 2000 – e, no entanto, me lembrava muito bem de quase tudo, da maioria dos pequenos detalhes. É tão absolutamente datado quanto os penteados e os vestidos de Lana Turner. O estilo, a narrativa, a forma de apresentar as seqüências, a estrutura de cada seqüência, a forma de ligar uma à outra, as atuações, os diálogos – tudo, absolutamente tudo me pareceu envelhecido, datado. Há diversos momentos do filme que fazem lembrar novela de TV, ou seriado ruim de TV. A BBC faz séries e filmes impecáveis, assim como a HBO. Imitação da Vida me pareceu hoje o exemplo de uma fórmula velha de fazer novela de TV. Talvez a responsabilidade maior seja de Fannie Hurst, do romance de Fannie Hurst no qual o filme se baseia. Acho que seria importante falar de Fannie Hurst, mas, para que esta anotação fique um pouquinho mais compreensível, é preciso falar primeiro da trama, da história. Imitação da Vida (o filme; não li o livro) conta a história de duas mulheres, duas mães sem marido que criam sozinhas suas filhas, na Nova York dos anos 40 e 50. É daquelas narrativas que não se apegam a um momento específico – ao contrário, acompanham a vida dos protagonistas ao longo de uma década inteira. Momentos específicos, momentos decisivos, momentos cruciais costumam dar boas narrativas, bons filmes. Douglas Sirk fez um filme magistral pegando um momento específico da vida de uma mulher viúva, bem de vida, que acontece de ter um caso de amor com uma pessoa de classe social inferior, um jardineiro – Tudo o Que o Céu Permite/All that Heaven Allows, de 1955, é um belíssimo melodrama. Tão belo, tão triste, tão chocante, que inspirou o talentoso Todd Haynes a fazer uma homenagem a ele, em Longe do Paraíso/Far From Heaven, de 2002. Narrativas sobre muitos anos ao longo da vida de personagens que não são especialmente fascinantes, especiais, em geral precisam de autores mais próximos do genial, do brilho. E Fanny Hurst não é propriamente um Tostói, um Dostoiéviski, um Machado, um García Márquez, um Fitzgerald. Então, Imitação da Vida acompanha as trajetórias de Lora (Lana Turner) e de Annie (Juanita Moore), desde o momento em que elas se conhecem, numa praia de Conney Island, em 1947, até 1958, ou ainda além. As duas haviam chegado a Nova York pouco tempo antes do momento em que se conhecem, as duas são viúvas, cada uma das duas tem uma filha. Lora tinha trabalhado como atriz em sua cidadezinha do interior, e sonha em se firmar na cidade mais competitiva do mundo; Annie não tem onde cair morta. Conhecem-se por acaso – suas filhas estão brincando na praia, Lora se desencontrou de Susie, e quando finalmente a acha ela está perto da garotinha Sarah Jane e de sua mãe, Annie. Annie se oferece para trabalhar para Lora em troca de um teto, o quartinho de empregada, e de comida, mais nada; Lora a princípio não quer, não tem dinheiro para comprar comida direito nem para ela mesma e para Susie, mas acabam vivendo as quatro juntas no pequeno apartamento do Brooklyn. Os anos vão se passar; eventualmente Lora vai se transformar numa famosa atriz de teatro e depois de cinema. Não há propriamente um grande drama, uma grande história – ou quase. São histórias de vidas não especialmente fascinantes, em que cada passo acontece de virar um pequeno drama. “Tudo vira um drama”, exclamou do meu lado a Mary, que, ao contrário de mim, não tinha visto Imitação da Vida quando era criança ou adolescente. É uma narrativa em que tudo, cada pequena coisa, vira um grande drama. Personagens que não são especiais em absolutamente nada – a não ser pela fantástica capacidade de transformar tudo, cada pequena ou grande adversidade, em drama. Quando tudo é drama, é difícil realçar do que é de fato terrível Na verdade, de fato, a rigor, existe, sim, um grande drama, em Imitação da Vida. Era a razão pela qual o filme havia me impressionado tanto, quando era garoto, o motivo pelo qual o guardei na memória por mais de quatro décadas. O grande drama de Imitação da Vida é que Sarah Jane, a garotinha filha de Annie, tem a pele branca, mas Annie é negra, e, pela lógica perversa da sociedade americana do passado, quem tem uma gota de sangue negro é negro, mesmo que sua pele seja branca. É a mesma lógica perversa usada hoje no Brasil racialista do lulo-petismo para definir as pessoas: quem tem uma gota de sangue negro e se declarar negro merece uma ajudazinha, um descontinho na hora de fazer o vestibular, na hora de arranjar um emprego. A pele de Sarah Jane é branca, mas ela tem vergonha de ser negra, de sua mãe ser negra. Susie, dois anos mais nova que ela, oferece para ela uma boneca novinha que acabou de ganhar da mãe que não tem dinheiro para nada, mas Sarah Jane detesta aquela boneca, porque ela tem a pele negra. Quando tiver 18 anos, e então intrepetada por Susan Kohner, a Susie de 16 aparecendo na pele de Sandra Dee, tudo será muito pior. Imitação da Vida me pareceu hoje um filme menor, envelhecido, datado, em grande parte porque ele não se define claramente. Não é um filme sobre racismo – é um filme sobre vidas normais de gente que transforma tudo em drama, inclusive o drama imenso que é o racismo. Quando tudo, absolutamente tudo, é drama, não se consegue realçar o que é realmente dramático. A denúncia do racismo, essa doença infernal, das piores que a humanidade teve o talento de inventar, se perde entre tanto drama dos personagens do filme – gente que não consegue viver sem transformar tudo em drama. Uma das cenas mais violentas, mais fortes, mais impressionantes de Imitação da Vida, da qual eu me lembrava perfeitamente, que tinha me marcado para sempre, agora me pareceu improvável. Se fosse em qualquer Estado do Sul, até mesmo no final dos anos 60, ou até dos 70, seria crível. Meu, o Village, em 1958, era a coisa mais avançada, mais progressista, mais anti-racista que existia naquele país maluco. Uma curiosidade: nessa seqüência impressionante a que me refiro, o agressor, o brutamontes racista, idiota, é interpretado por Troy Donahue. Nos anos seguintes, esse ator de talento tão limitado quanto boa pinta seria o protagonista de vários filmes de sucesso na época, o mais conhecido dos quais é o açucaradíssimo Candelabro Italiano. É um filme pró-mulher, e por isso até avançado para a época Sim, Imitação da Vida é um filme pró-mulher, um filme feminista, um filme até avançado, se considerarmos a época em que foi feito e a época que ele retrata. Tanto Lora quanto Annie são mulheres que levam suas vidas com coragem, brio, força – sozinhas para criar suas filhas, num mundo machista. Cada uma escolhe seu caminho, mas nenhuma delas depende de um homem para viver, para sobreviver. E, quando Steve (John Gavin, aquele ator bonitinho e fraquinho), o jovem fotógrafo boa pinta que as duas conhecem na seqüência inicial, na praia de Conney Island, tenta se arvorar em dono do destino de Lora, ela dá-lhe um chute na bunda, muitíssimo bem dado. Avançado, progressista, pra frente no desenho da vida independente dos machos de Lora, o filme no entanto se mostra atônito e atonitamente perdido ao discutir o racismo, a questão mais importante que ele mesmo levanta. É aquilo que falei numa boa frase: quando tudo, absolutamente tudo, é drama, não se consegue realçar o que é realmente dramático. Na distantérrima adolescência, vi dois filmes baseados em livros de Fannie Hurst que me impressionaram demais – este aqui e também Esquina do Pecado/Back Street. Os dois filmes têm várias coisas em comum, além de se basearem em livros de Fannie Hurst. São, os dois, refilmagens – Imitação da Vida havia sido feito em 1934, por John M. Stahl, com Claudette Colbert no papel principal, e Back Street havia virado filme em 1932, também dirigido por John M. Stahl, com Irene Dunne no papel principal, e de novo em 1941, dirigido por um tal de Robert Stevenson, mas com grandes nomes no elenco – Margaret Sullavan e Charles Boyer. A versão que vi garoto em Belo Horizonte foi a de 1961, dirigida por David Miller, com Susan Hayward no papel central e exatamente o mesmo John Gavin como o seu amante. Imitação da Vida 1959 e Esquina do Pecado 1961 tiveram, além do mesmo bonitinho e ruinzinho John Gavin no principal papel masculino, o mesmo produtor, Ross Hunter, no mesmo estúdio, a Universal. Imitação da Vida trata de mãe quase solteira criando filha sozinha, homens avançando em cima dela, ela tendo que agüentar a barra. Esquina do Pecado trata de uma coisa mais comum ainda – a outra, a mulher da vida do cara, mas que chegou depois que ele já havia pronunciado ao pé da altar as juras eternas. Nos dois, as mulheres trabalham, trabalham, e sobem, e ascendem, e ficam ricas – e era muito bom mostrar isso, naqueles tempos pré-históricos, pré-Betty Friedan, pré-explosão do feminismo. Imitação da Vida tem Lana Turner, Esquina do Pecado tem Susan Hayward – duas grandes atrizes da época de ouro de Hollywood, do cinema dos estúdios. Gostaria de rever Esquina do Pecado – deve ser uma gigantesca droga, mas gostaria. O diretor David Miller, que fez Esquina do Pecado, é quase um joão-ninguém, um nada, acho. Douglas Sirk é um grande cineasta – tenho o maior respeito por ele, e, muito mais que isso, ele tem o respeito generalizado da crítica –, mas a verdade é que este Imitação da Vida, embora seja um dos mais conhecidos, não é um de seus melhores filmes. Um autor voltado para a família, que é onde acontecem as maiores tragédias Douglas Sirk na verdade era Hans Detlef Sierck, filho de pais dinamarqueses nascido em Hamburgo em 1900. Saiu da Alemanha nos anos 30, durante a ascensão do nazismo; filmou na França, na Holanda, e foi parar na Meca, no centro gravitacional do cinema, onde em 1941 fez O Capanga de Hitler. Mas sua praia não era a política – era a família, onde as tragédias maiores ocorrem. Não sei por que parou de filmar em 1959, depois de fazer este filme aqui, mas vejo que, em 1967, em entrevista ao Cahiers du Cinéma, disse: “Meu ideal é a tragédia grega, em que tudo se passa em família, num mesmo lugar. E essa família é idêntica ao mundo, é o símbolo deste mundo.” Fico aqui achando com meus botões que, de alguma maneira, o dinamarquês-alemão-americano Douglas Sirk deve ter procurado o seu colega Luchino Visconti – italiano e homossexual, conde e marxista – para discutir sobre família e decadência moral. Voltou para a Europa, mas não fez mais filmes lá, a não ser uns três curta-metragens. Morreu em 1987, quase 20 anos depois de ter feito Imitação da Vida. Espero que tenha curtido bem sua aposentadoria, esse período da vida em que a gente já chutou todos os baldes e pode fazer o que bem entender. Sobre a escritora Fannie Hurst, 1889-1968, vejo agora uma frase atribuída a F. Scott Fitzgerald, 1896-1940 – e as datas são chocantes. Nasceram na mesma época; o cara viveu 44 anos, a moça viveu 79. Não sei se o grande, maravilhoso, fraco, bêbado, auto-destrutivo, genial, brilhante, tão apaixonado pelos ricos e por todo o glamour besta da vida vã, tão grande e tão bobo Francis Scott de fato falou a frase, mas que ela é boa, é. Francis Scott, o brilho que foi tão imbecil que morreu de tanto beber aos 44 anos de idade, teria dito que Fannie Hurst era um dos vários autores americanos que “não estavam produzindo um conto ou romance que vai durar dez anos.” Eu sou fã, fã de filmes com um leve odor de naftalina. Assim, confesso que gosto (não tanto quanto de todos os noirs, nem de todos os faroestes, nem de todos os musicais) dos melodramas. E eles tendem a me entreter e encantar mais que avatares e titanics. Um filme está inserido num contexto e é neste contexto que deve ser entendido! Como é bom ler um bom livro, assistir um bom filme… uma ficçao, que momentâneamente nos envolve em sua magia e depois… o mundo real! Filmes são feitos para serem apreciados,não importa se feitos em 2012 ou em 1939, 1959… a máxima é “aprecie” Cara Marilza, “Datado”, segundo meu Dicionário Unesp de Português Contemporâneo, significa “com data”, “com data específica”, “marcado com a data de fabricação”. Na minha opinião, “Imitação da Vida” ficou um filme datado – ao contrário de muitas obras até bem mais antigas, mas que não ficaram tão marcadas pela época em que foram feitas. Ao longo do meu comentário sobre o filme, usei diversos outros adjetivos – “poderoso”, cenas “violentas, fortes, impressionantes”, um filme “pró-mulher”, “feminista”, até “avançado”, se considerarmos a época em que foi feito e a época que ele retrata. Acho estranho que você tenha se fixado em apenas uma delas. O “Imitação da Vida” que vi nesta madrugada foi o original de 1934 de J.Stahl,com a Claudette Colbert.Pôxa!Como foi bom rever esta atriz,fazia anos e anos que não via um filme com ela.Gostei muito e,não sei se iría gostar o mesmo desse de 1959 porque não vou assisti-lo. Não sei se para ti,Sergio,este aqui com a Claudette,tbm classificarías como um filme datado.Para mim,não é.Ao contrário,achei um grande filme.A Claudette e a Louise Beavers estão ótimas.Tanto é que este foi indicado ao Oscar de melhor filme perdendo para o filme “Aconteceu naquela noite” que tbm foi protagonizado pela Claudette e,no qual ela ganhou o Oscar de melhor atriz. Uma curiosidade:li que Constance Bennet e Myrna Loy,recusaram o papel de Ellie Andrews e que a Claudette só o aceitou porque o diretor Frank Capra dobraría seu salário. E,que a Claudette disse não ter gostado do filme e não ía participar da cerimônia da entrega do Oscar pois ía viajar.No entanto quando soube que havia ganho o Oscar,foi à festa com a roupa que iría viajar. Finalizando,gostei muito deste Imitação da Vida,com a Claudette,para mim um grande filme. revendo matérias ecritas sobre esse filme e revendo também o filme, me deparo com uma bobagem tão grande escrita aqui. Datado, envelhecido é a mente de certas pessoas que não entendem nada de nada e acabam escrevendo uma bobagem como esse texto…afff. É um bonito filme, com interpretações muito boas e outras nem tanto. Quanto a forma que o tema do racismo é tratado no filme, acho que é interessante de analisar e atual, pois demonstra como a sociedade naquela época tinha dificuldade em discutir o preconceito. Assunto que tantas décadas depois não parece perto de ser compreendido. […] Ao lado do prédio onde moram os Prestons, há uma obra – um prédio novo está sendo construído. Numa tarde em que Kit está voltando para casa, carregada de compras, há um acidente, uma viga se desprende, cai no chão, bem perto dela – Kit é salva pelo empreiteiro que está tocando a obra, um tal Brian Younger (interpretado pelo galã da Universal na época, John Gavin). […] […] fosse assinado por uma Fannie Hurst, que teve vários de seus livros transformados em filmes – Imitação da Vida, feito em 1934 com Claudette Colbert e refeito em 1959 com Lana Turner no papel central, Acordes do […] |
Há a solteirona problemática, nervosa, muito bonita mas que a vida deixou feia, nada atraente, totalmente dominada pela mãe castradora, puritana, cheia de preconceitos sociais (é o papel de Deborah Kerr, mas tive dificuldade em reconhecê-la, de tanto que ela ficou feia para o papel). Há o major inglês que vive contando histórias da Segunda Guerra, e que, descobre-se no fim, é um impostor (David Niven); o escritor americano levemente alcoólatra, meio perdido (Burt Lancaster), que corteja a severa dona do hotel inglês à beira mar (Wendy Hiller), mas é alcançado lá pela ex-mulher, de beleza esplendorosa mas já começando a fenecer, rica e chantagista (Rita Hayworth). Vi depois que David Niven e Wendy Hiller ganharam o Oscar – e isso apenas três anos depois de Delbert Mann ter ganho vários por Marty. Muitos dos preconceitos sociais e morais que retrata deixaram de existir, ou passaram a ser profundamente antigos, ao longo destes quase 40 anos. Mas é um bom filme, um bom teatrão bem filmado, com atmosfera, talento. Teve refilmagem com elenco inglês nos anos 80, com o mesmo título original, informam Nick Martin e Marsha Porter. “Este gratificante drama recebeu indicações da Academia como melhor filme (perdeu para Gigi), melhor atriz (Deborah Kerr, que perdeu para Susan Hayward em Quero Viver!), melhor roteiro adaptado, melhor fotografia (preto-e-branco) e melhor trilha sonora. Venceu os Oscars para David Niven como melhor ator e Wendy Hiller como melhor atriz coadjuvante”. Wendy Hiller (1912-2003), respeitadíssima atriz do teatro inglês, fez o papel de Eliza Doolittle em Pigmaleão, de 1938, e trabalhou em mais 50 outros filmes. Personagens esquemáticas e com problemas que hoje não seriam grandes problemas. mesmo assim, o filme é interessante de se assistir para se poder ver e pensar como as coisas funcionavam na altura em que o filme foi feito. Burt Lancaster é fantástico e o elenco de apoio de primeira. Rita Hayworth prova que é uma atriz competente, embora não esteja a altura de Lancaster ou Deborah Kerr (formidável). A beleza de Rita não está esplendorosa, não apenas por os seus anos de juventude terem já passado as também porque o seu penteado não a favorece. |
Não tem qualquer truque ou brilho especial de narrativa; ao contrário, a narrativa é convencional, quase acadêmica. Todos os atores estão ótimos, os personagens são claros, nítidos, bem desenhados. É profundamente anti-racista e anti-sexista, embora os temas racismo e sexismo sejam secundários. Mary achou o filme na 2001 pelos atores e pelo fato de que Martin Scorsese é o produtor executivo. Eu nunca tinha ouvido falar nem da diretora Allison Anders nem dessa atriz Illeana Douglas. É a história de uma compositora e cantora pop, uma singer-songwriter que mistura elementos de Carole King e de Joni Mittchell; os personagens são fictícios, mas todas as situações são familiares para quem acompanha alguma coisa da música pop americana entre 1957 e 1970. E o filme cita pessoas e grupos reais, como os Beatles, Byrds, Phil Spector, etc. A trilha, excepcional, mistura canções que fizeram sucesso com outras compostas especialmente para o filme. A ação começa em 1957, quando ela, ao final do colégio, na Pensilvânia, participa de um concurso de novos talentos, contra a vontade da mãe, uma milionária – a família é dona de uma empresa siderúrgica. Embora uma negra de voz maravilhosa participe do concurso (e as duas trocam de vestidos, Edna entregando para a concorrente o vestido branco caríssimo que a mãe dominadora havia comprado para ela), Edna sai vencedora, cantando uma canção de sua própria autoria. Há um corte, e estamos em Nova York 18 meses mais tarde. Ela percorre diversas gravadoras, para ouvir sempre que cada uma já tem a sua cantora à la Peggy Lee, e na verdade estão todas querendo se livrar das Peggy Lees, pois acabou a época das cantoras de voz doce e o tempo é de conjuntos vocais. Eventualmente, o demo que ela grava com sua primeira composição chega às mãos de um empresário judeu (bem interpretado por John Turturro, com uma barbicha ridícula e um sotaque que me pareceu perfeito). O empresário saca que ela é uma compositora de grande potencial para fazer hits atrás de hits; ela quer gravar ela própria suas músicas, mas ele insiste em que ela deve apenas compor. Edna passa a se chamar Denise Waverly, filha de operários da Pensilvânia. Ela de fato compõe diversos hits, alguns deles para a negra de bela voz do início do filme, que forma um trio vocal bem típico daquele final dos anos 50. Também eventualmente, ela vai conhecer um outro compositor (Eric Stoltz), um personagem interessante, comunista ferrenho, que se propõe a formar uma dupla com ela; vivem juntos, até ela engravidar e eles se casarem; sabemos todos, espectadores e personagens, que ela tem mais talento do que ele. Eles trabalham no Brill Building, o prédio da Tin Pal Alley, o lugar onde, no final dos anos 50 e começo dos anos 60, diversos empresários alugavam salas onde compositores se dedicavam a criar sucessos. Há uma tomada da fachada do prédio, no número 1650 da Broadway. Também eventualmente, ela o descobrirá na cama com outra mulher, e eles se separarão. Passam por todas as loucuras dos anos 60; ela se casa de novo, com o líder de conjunto de música de surfe da Califórnia (bem Beach Boys, em alguns pontos), interpretado por Matt Dillon. Ele tenta produzir um disco dela, chega a fazer um compacto, mas é um fracasso; acabará se matando. A narrativa vai até 1970, quando finalmente ela consegue gravar o seu primeiro LP, produzido pelo seu primeiro empresário; na cena final, a mãe dela – de quem não se voltou a falar ao longo do filme inteiro – recebe o disco, e chora. Para mim, desde o início pareceu uma trajetória muito semelhante à de Carole King; como essa Denise Waverly, Carole King trabalhou no Brill Building, casou-se com o parceiro Gerry Goffin; escreveu muitos sucessos para conjuntos vocais com nomes parecidos com The Sheirelles; e exatamente em 1970 conseguiu gravar seu primeiro LP como autora (Writer; Tapestry veio um ano depois, e é um dos álbuns mais vendidos da história). O filme é fascinante nessa coisa de criar personagem fictício a partir de dados da realidade da música pop. As composições feitas para o filme são boas, são exatamente como eram as músicas pop da Tin Pal Alley, gostosinhas mas sem profundidade, sem revelar a verdade de quem compunha – realidade que só seria mudada a partir de Dylan, dos Beatles e dos singer-songwriters como Joni Mitchell e James Taylor. Fiquei profundamente impressionado com isso: foram compostas, para o filme, pelo menos 12 canções, que seguramente teriam sido sucesso se tivessem sido lançadas naquela época. O autor de várias delas assina a trilha sonora – Larry Klein. (Coincidência, ou não, Carole King nasceu Carole Klein.) Veja só quem assina pelo menos duas outras: Outra é uma parceria estranha de Burt Bacharach e Elvis Costello; a versão tocada no final é cantada por Costello. Mas é também, mesmo para quem, ao contrário de mim, não tem tanta ligação com a música pop, um belo filme sobre a trajetória sofrida de uma mulher determinada, que enfrenta diversas barras pesadas até finalmente conseguir realizar o que pretendia. Tem também aquela densidade de filme que passa em revista décadas na vida de uma pessoa, e pode ao final fazer um balanço da trajetória do personagem; a coleção de fotos dos vários momentos da vida da personagem que vai sendo apresentada na seqüência final é absolutamente emocionante. Allison Anders, nascida em 1955 no interiorzão bravo, acho que Kentucky, teve uma vida de cão; foi estuprada aos 12 anos, abusada sexualmente na adolescência por um padrasto, teve colapso nervoso aos 17 e pouco depois tinha o primeiro filho. Fez cinema na UCLA e começou a trabalhar, de tanta insistência, como assistente de alguma coisa em Paris, Texas (fã do Wenders, escreveu dezenas de cartas pra ele pedindo um emprego). Illeana Douglas (nada a ver com Kirk e Michael), essa moça talentosa, de beleza estranha e olhos gigantescos, nasceu em 1964; é de alguma forma apadrinhada pelo Scorsese, produtor executivo deste filme; fez ponta em Última Tentação de Cristo, tem uma pequena parte em Cabo do Medo (é a funcionária que é seduzida, violentada e morta pelo personagem de Robert De Niro). Fez ponta também no filme com De Niro sobre a lista negra, Culpado por Suspeita/Guilty by Suspicion, de Irwin Winkler. A participação especial, não creditada na apresentação, de Bridget Fonda é fantástica.(Nem Mary nem eu percebemos que era ela; só no final, na apresentação da lista do elenco, foi que vimos.) Prova, mais uma vez, que essa moça tem tantas caras quantas ela quiser. Ela faz a cantorazinha ingênua, um tipo assim que faz lembrar Sandra Dee ou Debbie Reynolds, que surpreende a personagem central por ser gay quase abertamente assumida. E o pai de Bridget, Peter, participa dando a voz ao guru a quem Denise procura quando perde o marido. Ileanna Douglas, como disse lá em cima, eu veria depois deste filme em diversos outros; a diretora Allison Anders aparentemente não teve uma carreira à altura do talento que demonstrava aqui; ficou mais voltada para a TV; dirigiu, por exemplo, entre 1999 e 2000, quatro episódios da série Sex and the City. Com Illeana Douglas, John Turturro, Matt Dillon, Eric Stoltz e, em participação especial só creditada no final, Bridget Fonda |
Uma grande bobagem sem qualquer tipo de lógica, que nem a beleza estonteante da Charlize Theron consegue salvar. É assim uma mistura de O Bebê de Rosemary com Alien, sem qualquer das qualidades de nenhum dos dois. Há atrizes que deveriam trabalhar mais; parecem tão exigentes que acabam trabalhando pouco e nos privando de vê-las mais. É o caso de Debra Winger, de Bridget Fonda, até mesmo de Jennifer Jason Leigh (Jennifer até que trabalha bastante, mas tem diminuído o ritmo nos últimos anos.). Charlize Theron, ao contrário, trabalha demais – parece que ela não sabe dizer não. Então mistura na sua carreira filmes bons com outros sem qualquer valor ou sentido. Fez 24 filmes e episódios de TV no período de 13 anos, desde a estréia em 1995 até 2008. O astronauta Spencer Armacoust estava em uma missão quando de repente perdeu contato. Quando volta para casa, parecia o mesmo de sempre para os amigos, mas para sua mulher ele estava diferente. Ela fica grávida, mas enquanto as semanas vão passando ela começa a achar que a vida dentro dela não é deste mundo. Esse sujeito que dirigiu o filme em 1999 não voltou a cometer esse tipo de crime. |
Diabo, onde é que está o erro do ótimo, competente Cacá Diegues neste filme de boa fotografia, bom elenco, boa câmara, boa direção de arte, música excelente? Acho que foi na história, frouxa, talvez por ser pretensiosa demais, querendo tratar de diversos temas fortes, pesados, ao mesmo tempo. José Wilker, voltando a trabalhar com Cacá 27 anos depois do excepcional Bye Bye Brasil, faz o papel de Antônio, um respeitado astrofísico que trabalha nos Estados Unidos e viaja ao Rio para receber uma homenagem. (Mais uma citação de Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, como em A Força das Palavras/Emile, do canadenseCarl Bessai,e em Desconstruindo Harry, de Woody Allen.) Antônio chega de volta a seu país logo após saber que tem um tumor no cérebro e pouco tempo de vida. Ficará sabendo da verdadeira identidade de seus pais, conhecerá a estranha história de amor entre eles, terá uma improvável amizade com uma jovem lindíssima num subúrbio (Taís Araújo) e empreenderá uma jornada para dentro de si mesmo e ao mesmo tempo para dentro da miséria da miséria da miséria da periferia do Rio de Janeiro. Numa entrevista à Folha de S. Paulo na época do lançamento do filme, Cacá Diegues disse: O Brasil era identificado sempre pelo carnaval, pelo samba, pelo futebol. Quer dizer, os vencidos socialmente é que fizeram uma cultura que representou o Brasil não só para nós mesmos, mas mundialmente.” Cacá diz ainda que tentou demonstrar, com este filme – o 16º de uma carreira respeitável, sólida, uma das melhores do cinema brasileiro -, que, “num estado social de esgarçamento das relações a um ponto de extrema miséria, a ética é outra. (…) Reconheço que O Maior Amor do Mundo não está muito no mainstream do cinema brasileiro. Não está nem na ponta das comédias românticas de grande sucesso nem na outra ponta, dos filmes pessimistas. Sim, porque Cacá diz que seu filme quis dizer duas coisas simultaneamente: “Ao mesmo tempo em que estamos dizendo ‘Olha a situação de miséria assombrosa em que essas pessoas vivem no seu cotidiano’, também dizemos: ‘Olha como existem virtudes e qualidades que você pode encontrar aí’.” Caro Walter, estas são as músicas da trilha sonora do filme. Estrela, com Gilberto Gil; Águas de Moloch, com Afroreggae; Memórias, com Pitty; Vida da gente, com Zeca Pagodinho; Casa da minha comadre, com Mart’nália; Funk Dennis DJ, com Dennis DJ; Não identificado, com Caetano Veloso; Sempre, com Chico Buarque; Braço de Mar, com Quito Ribeiro; Coisa de Negão, com Afroreggae; Férias, com Leléo; Confidências, com Itamar Assiere; Volta, com Orlando Silva; Bachianas Brasileiras no. |
O cinema mexicano homenageou o mais popular de seus atores com uma superprodução cara, luxuosa, com um jeitão hollywoodiano – e que dá uma imensa importância a Hollywood. A cinebiografia Cantinflas, dirigida por Sebastian del Amo, ele também um dos dois autores do roteiro, lançada em 2014, mostra diversos episódios da vida de Mario Moreno (1911-1993), o criador da persona Cantinflas, adorada por gerações e gerações não apenas de mexicanos, mas de todos os países de língua espanhola, desde sua juventude, em 1931, em Veracruz, até o auge do sucesso e da fama. Mas dedica boa parte de seus 102 minutos aos episódios envolvendo o produtor americano Mike Todd e sua batalha para criar A Volta ao Mundo em 80 Dias, o filme que deu a Cantinflas fama planetária e o Globo de Ouro de melhor ator em musical ou comédia – batendo Marlon Brando, Glenn Ford, Yul Brynner e Danny Kaye. O filme começa com um programa da TV mexicana em que os apresentadores falam sobre os filmes que parecem sérios candidatos aos Oscars na cerimônia a ser realizada em 1957 – os filmes, portanto, lançados em 1956. São citados Assim Caminha a Humanidade/Giant, O Rei e Eu, Os Dez Mandamentos – todos os três seriam, de fato, indicados em várias categorias, inclusive na de melhor filme. E a apresentadora fala que a United Artists, a empresa fundada por Charlie Chaplin, Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D.W. Griffith, ainda não tinha seu candidato aos prêmios – as filmagens de seu grande projeto, A Volta ao Mundo em 80 Dias, não haviam sequer começado. E então surge um letreiro informando que estamos em Los Angeles, 1955. Mike Todd, celebrado produtor da Broadway, milionário, está chegando de Nova York a Hollywood para produzir seu primeiro filme, A Volta ao Mundo em 80 Dias, baseado na obra de Jules Verne. O projeto era ambiciosíssimo: não só as filmagens seriam nos mais diferentes países – Inglaterra, França, Espanha, Tailândia, Índia, China, Japão –, como Todd pretendia usar umas duas dezenas de grandes nomes do cinema mundial em participações especiais, ou cameo roles, como se diz lá. Esses grandes astros e estrelas não receberiam pagamento pela participação – na cabeça de Todd, participar daquele que seria o maior sucesso de toda a história do cinema já era um pagamento mais do que suficiente. Vemos Mike Todd (interpretado por Michael Imperioli) visitando o escritório do agente de ninguém menos que Elizabeth Taylor (interpretada pela uruguaia de nascimento radicada no México desde criança Bárbara Mori, uma moça de beleza espantosa, na foto). Todd explica seus planos, e o agente faz a pergunta fundamental: e por que o senhor acha que Elizabeth Taylor, a maior estrela do cinema mundial, aceitaria trabalhar de graça no seu filme? Não se pode negar que Mike Todd sabia fazer as coisas. Taylor não receberia – mas ganharia uma limousine de presente, para chegar com ela na estréia mundial do filme. E complementa: – “Posso mandar forrar o interior de violeta, para combinar com seus olhos”. Ao sair do encontro e entrar no carro que o esperava, Todd comenta com seu secretário particular que achava que Liz Taylor tinha topado – mas eles teriam que arranjar uma limousine. O secretário diz que Todd precisa se lembrar de falar com Mario Moreno – e fica claro que o produtor não tinha, então, a menor idéia de quem era Mario Moreno. Ele diz algo como: mande para ele uma passagem de burro aéreo para ele vir falar comigo. O ator que faz Cantinflas de fato tem uma semelhança incrível com o astro E aí corta, e um letreiro informa que estamos em Veracruz, México, em 1931. O jovem Mario Moreno está chegando à cidade, à procura de um trabalho, um bico – qualquer coisa,. Ele tinha tido alguma experiência como boxeador, mas vê uma placa de precisa-se de ajudante junto de um teatrinho bem mambembe, montado numa pequena tenda como de um circo, e se apresenta ao dono. Veremos então que, por acaso, por pura sorte, por causa de um acontecimento fortuito, Mario Moreno, contratado como faz-tudo da tenda – varredor, faxineiro, expulsador de bêbado inconveniente, tomador de conta da filha do patrão para evitar assédio dos frequentadores – terá uma oportunidade de aparecer no palco. Fala umas coisas, alguns espectadores riem – e começa ali sua carreira de comediante. Entre os espectadores estava um rapaz chamado Estanislao Shilinsky (Luis Gerardo Méndez, à esquerda na foto), ele mesmo um ator em uma tenda – bem maior e melhor do que aquela – na Cidade do México. Namorava uma das duas filhas do proprietário da tenda, e escrevia uns esquetes cômicos que ele e as duas moças apresentavam na tenda. Como viu que aquele sujeito tinha algum talento, Shilinsky o procura, se apresenta, deixa um cartão com ele. Algum tempo depois, Mario Moreno está na Cidade do México, e resolve procurar Shilinsky. Acaba não só contratado como também virando namorado da outra filha do patrão, Valentina Ivanova (Ilse Salas). O roteiro do diretor Sebastian del Amo e Edui Tijerina alterna, ao longo de toda a narrativa, as duas épocas e os dois assuntos diferentes: as andanças de Mike Todd em Los Angeles para conseguir dar início à produção de A Volta ao Mundo em 80 Dias, e a carreira de Mario Moreno ao longos dos anos, até chegar exatamente aos contatos com o produtor americano e as filmagens da grande aventura. Uma das grandes qualidades do filme, uma sorte imensa que os realizadores tiveram, é o ator que interpreta Mario Moreno, Óscar Jaenada. É impressionante a semelhança física que ele tem do Mario Moreno real (na foto) – e o ator parece ter visto vários filmes de Cantinflas, e estudado cuidadosamente seu jeito de falar, de vestir, de gesticular. O personagem criado por Mario Moreno tem muito do Carlitos de Chaplin Pelo que o filme mostra, foi ainda no teatrinho mambembe em que trabalhava ao lado da namorada Valentina, da irmã dela, Olga (Gabriela de la Garza), e de Estanislao Shilinsky, que Mario Moreno teve a idéia de criar Cantinflas, a persona que o catapultou para a fama. Cantinflas tem muito a ver com o Vagabundo criado por Charlie Chaplin. O filme não mostra isso, mas é bem provável que Mario Moreno tenha visto os filmes de Chaplin e se inspirado um pouco em Carlitos para criar Cantinflas. Cantinflas é um homem do povo, muito pobre e muito boa pessoa, um tanto enrolado, um tanto enrolador – algo como o Carlitos de Chaplin com uma boa dose de malandragem latina. Como Carlitos depois de passar por um período de intensa imersão na malandragem carioca dos anos 30 e 40. Tem aquele bigodinho ridículo, cortado ao meio, usa umas roupas velhas, andrajosas, e – o detalhe fundamental, a marca registrada – tem a mania de usar as calças bem abaixo da cintura. Fala depressa, usa muita gíria, e consegue enrolar quem está diante dele com toda aquela interminável torrente de palavras. Ao meu lado, Mary fez uma definição fantástica: o Cantinflas inventado por Mario Moreno foi um dos primeiros artistas da stand up comedy! Cantinflas me faz lembrar… Posso estar absolutamente errado ao fazer essa comparação, mas é o que eu acho: Criaram tipos, personas, e se identificaram tanto com suas criações que criador e criatura passaram a ser vistos como uma pessoa só. Os dois passaram de apenas atores, comediantes, a diretores, donos de suas produtoras, e tiveram imensa fama, tornaram-se ídolos de gerações. A diferença – a favor de Mario Moreno – é que Mazzaropi falava português, e então sua popularidade ficou restrita apenas ao Brasil, enquanto Cantinflas foi adorado em toda a América Latina e também na Espanha. Nos anos 50, Mario Moreno ganhava uma vez e meia o salário de Liz Taylor O filme se detém bastante no início da carreira, para em seguida mostrar, em pinceladas um tanto rápidas, a ascensão meteórica de Mario Moreno, primeiro via teatro, e logo em seguida pelo cinema. Pelo que o filme mostra seguidas vezes (e isso seguramente deve ser verdade), Mario Moreno não era de decorar falas, de seguir o que estava escrito no roteiro. O negócio dele era improvisar, em tudo, mas em especial na falação sem fim – e essa é a característica fundamental de Cantinflas, a coisa de falar demais e depressa, com muita gíria e de um jeito enrolado e enrolador. Essa característica explica por que passou muito rapidamente a dirigir a si mesmo – os diretores de seus filmes cuidavam de todo o resto, menos do astro, que fazia o que bem entendia. Nos anos 50, no auge da carreira, ganhava o equivalente a US$ 1,5 milhão por ano – uma vez e meia o salário de Liz Taylor por Cleópatra (1963), então o maior salário pago a uma atriz no mundo. Cantinflas, o filme, mostra bem como ele foi enriquecendo, e tornando-se uma figura fundamental no cinema mexicano. Mostra também que ele teve participação importante nas organizações ligadas ao cinema e à cultura mexicana como um todo – sindicatos de atores, associações de classe, organismos dos produtores, lobbies junto ao governo. Ao mostrar o desgaste do casamento com Valentina (na foto, Ilse Salas, que a interpreta), à medida em que ele ficava mais rico, mais famoso, mais influente e mais cercado por belas mulheres, como a atriz Miroslava Stern (Ana Layevska), o filme tem momentos de novelão mexicano – e aí, nada melhor que um bom bolero de Agustín Lara ao fundo. Agustín Lara, aliás, aparece no filme, assim como o pintor Diego Rivera e diversos dos grandes atores mexicanos da época, como Pedro Armendáriz e Dolores Del Rio. A Charlie Chaplin, os roteiristas Edui Tijerina e Sebastian del Amo deram uma participação importante na história. É ele que acaba dando ao atarantado Mike Todd uma dica fundamental para convencer Mario Moreno a, afinal de contas, aceitar o convite para trabalhar em A Volta ao Mundo em 80 dias. Só não faz sentido algum o fato de Todd não ter reconhecido que aquele senhor sentado perto dele em um restaurante de Los Angeles era Charlie Chaplin. Ora, pessoa alguma do mundo deixaria de reconhecer Charlie Chaplin, mesmo velhinho. Uma figura, esse Mike Todd, que o filme mostra como um sujeito de vontade férrea, porém um tanto inocente, um tanto bobo. Ele conseguiu fazer com que umas duas dezenas de grandes astros internacionais aparecessem em participações especiais em seu filme – que foi um absoluto sucesso de público e crítica, teve oito indicações ao Oscar e levou cinco, inclusive o de melhor filme. Liz Taylor não participou do filme, afinal de contas – mas casou-se com Mike Todd. Casaram-se no dia 2 de fevereiro de 1957, em Acapulco, no México. A informação está naqueles letreiros usuais nos filmes baseados em fatos reais, que contam para o espectador o que aconteceu com os personagens depois do que foi mostrado na última cena. Cantinflas foi escolhido pela Academia Mexicana para representar o país na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. Acabaria não sendo indicado, mas foi um tremendo sucesso de público. Em seu próprio país, foi a segunda maior bilheteria de uma produção nacional, e a sexta maior bilheteria incluindo os blockbusters feitos acima do Rio Grande. E teve ótima bilheteria também na Bolívia, Equador, Colômbia e Chile. Então, em suma, é assim: não é um grande filme, este Cantinflas. Tem defeitinhos: alguns atores são muito ruins, a direção de atores é claramente bem fraca. Há aquele erro comum a produções de TV: todas as roupas dos personagens são novíssimas, acabadas de serem produzidas – porque são mesmo, é claro, mas a produção se esqueceu de cuidar para que algumas delas parecessem já usadas, em especiais as roupas dos pobres. O mesmo vale para todos os ambientes internos mostrados ao longo do filme – é tudo limpíssimo, não há uma poeira em lugar algum, o que dá uma sensação danada de artificialidade. Como fala de um artista talentoso, importante, de vida cheia de emoções, e revela muito sobre o cinema e a própria história do México, é um filme que deve ser visto. Não é o tipo de filme que me animo a ver, principalmente pelos detalhes que você falou das roupas todas novas (a gente percebe até pelas fotos que é tudo limpo, bonito e arrumado demais, uma coisa que eu critico sempre no cinema americano), da superprodução pendendo para uma coisa hollywoodiana etc. |
Os shopping centers sempre foram vistos como grandes centros de compras, um verdadeiro cenário da vida dos brasileiros. Além disso, os shopping centers têm um grande poder de marketing que muitas vezes passava despercebido de uma análise estratégica. Acontece que poucos refletiam sobre sua importância no processo de marketing, através das relações de trocas, mercado, e também seu papel como varejista. Com a grande concorrência de empresas e organizações, o marketing tem um papel fundamental para melhor orientar os estabelecimentos no seu planejamento e influenciar os consumidores a adquirirem suas marcas e produtos ao invés dos concorrentes. Para isso é necessário criar um valor superior, que é a relação percebida entre o que é pago por um produto ou serviço e aquilo que é recebido, mantendo os clientes atuais e atraindo novos clientes. E quando as pessoas resolvem obter o que necessita e deseja e estão dispostas a dar algo em troca ocorre o marketing. O marketing atua nas áreas referentes às relações de trocas e o conceito de troca está diretamente ligado ao conceito de mercado, onde um possível grupo de compradores com necessidades e desejos estão determinados a realizá-los. Entretanto, é preciso encaminhar de uma maneira eficiente os produtos até os compradores finais através dos canais de distribuição, escolhendo aqueles que possam vender seus produtos nos locais corretos e no tempo certo. Todos os meses, 329 milhões de pessoas passam pelos 408 shopping centers em operação atualmente no Brasil. O que mais chamou a atenção foi a grande virada dos shoppings, que deixaram de ser simples centros de compras para se tornarem centros de inovação, entretenimento, tecnologia e construção de reputação de marca. O espaço do shopping virou mídia, com enorme potencial de contato a ser explorado e que é pouco conhecido. Nos domingos à noite, as lojas estão fechadas e, mesmo assim, os shoppings permanecem lotados. Nas conversas com os executivos e administradores desses espaços, nos surpreendemos ao ouvir histórias curiosas sobre a relação que os frequentadores passaram a ter com os shoppings, que viraram um local de convivência, como se fosse a praça de uma pequena cidade do interior. Nesse sentido, estudamos 3 dimensões da comercialização de lojas e produtos em um centro de compras: |
Já vi este filme várias vezes, e cada vez que revejo gosto mais. (Anotei que o vi em março de 1992 e janeiro de 1993, mas na primeira anotação já há um R de revisto.) Foi este filme que me fez me apaixonar pela Debra Winger, essa atriz talentosíssima que deveria ter feito muito mais filmes. Exigente, preciosista, parece que ela recusou vários papéis, e depois simplemente sumiu de cena – não fez nenhum filme entre 1995, o ano de Esqueça Paris/Forget Paris, e 2001, quando fez um filme chamado Bad Love; de lá para cá fez apenas três filmes, em papéis secundários. Debra Winger está absolutamente extraordinária como Alex, uma agente do FBI workaholic, sem vida pessoal, desleixada com sua própria aparência, solitária, obcecada em comprovar que têm conexão casos de milionários mortos – que eles na verdade foram assassinados pela mesma mulher, a viúva negra do título, interpretada pela bela e sensual Theresa Russell. A obsessão vira inveja e ao mesmo tempo quase uma paixão pela assassina, quando as duas se encontram, no Havaí, e acabam disputando o mesmo homem, o milionário que seria a vítima seguinte (Sami Frey). O filme já valeria única e exclusivamente pela interpretação de Debra Winger. As cenas no Havaí são ótimas, num cenário deslumbrante, belíssimo, e variado (o filme mostra muito a vegetação exuberante do interior das ilhas, e também a região vulcânica da maior das ilhas, a do Havaí propriamente dito, além das praias maravilhosas). E é brilhante ao mostrar a complexidade da relação entre as duas mulheres, cheia de diferentes climas, várias sensações díspares. E é sensacional a transformação visual de Alex depois que ela se aproxima de Catherine Petersen, a viúva negra; incentivada pela assassina que ao mesmo tempo persegue, odeia, inveja e deseja, a policial desleixada de antes vira uma mulher linda, chiquérrima, atraente. Outra qualidade é a escolha do tipo de narrativa, que é o anti-Agatha Christie, o anti-quem-foi-que matou, o anti-whodunit. O diretor Ralph Rafelson e o roteirista Ronald Bass optaram pelo estilo que Hitchcock usou muitas vezes, de mostrar tudo para o espectador; sabemos desde o início do filme que Catherine Petersen é mesmo a assassina. O que mantém o espectador atento, preso à trama, é exatamente a vontade da agente Alex de descobrir a verdade, de conseguir provar a culpa da assassina. Muitos filmes não são mantidos em catálogo pelas empresas; a tiragem acaba, e pronto. Deve ser o caso deste “O Mistério da Viúva Negra”; dei uma olhada nos sites de venda, e de fato o filme não aparece. |
O tema – forte, duro, apresentado com maestria – é nada menos que o seguinte: como é fácil, mesmo em um país rico, desenvolvido, criar as condições para um grupo grande de pessoas aderir a práticas fascistas. A ação se passa ao longo de uma semana apenas, nos dias de hoje, em um cidade da Alemanha – o filme não explicita qual é, ou seja, pode ser qualquer uma. Temos um professor de ciências sociais (e também de educação física), Rainer Wenger (Jürgen Vogel, excelente ator), sujeito jovem, aí entre os 35 e 40 anos, informal, fã de rock, sempre vestido com camisetas com nomes de bandas, que evidentemente é benquisto pelos seus alunos, na faixa dos 17 anos – uma turma que seria o correspondente aqui ao nosso terceiro ano do ensino médio, o antigo colegial. É uma boa escola, com belíssimas instalações, coisa de Primeiro Mundo mesmo; a turma é mista em todos os sentidos – há homens e mulheres, garotos bem ricos, outros que já trabalham para se sustentar, gente de veio da antiga Alemanha Oriental, um filho de imigrantes turcos. Haverá uma semana dedicada a um trabalho especial, temático, e Rainer Wenger quer pegar o estudo sobre anarquia, que ele conhece bem. Um professor bem mais velho e mais formal, careta, no entanto, passa à sua frente, e assume o tema. Alguns prefeririam estudar anarquia, mas acabam indo para a turma da autocracia porque Wenger é um professor melhor do que o outro, mais aberto, mais acessível. No primeiro dia, a segunda-feira, há diferentes reações quando Wenger apresenta para a classe a definição do que é autocracia. (Vamos lá: governo exercido por um único grupo, com poderes ilimitados e absolutos.) Alguns reclamam que aquele trabalho será a repetição de outros já feitos anteriormente sobre o nazismo, e eles já estão cansados de saber dos males do nazismo. Um deles faz a afirmação: não existem hoje condições para haver de novo uma ditadura na Alemanha. Wenger acha aí um mote para o curso que vai dar. Passa a adotar um estilo autocrático dentro da sala de aula, para surpresa dos alunos, acostumados a tê-lo como o professor jovem, próximo, a quem todos chamam pelo primeiro nome. Exige que o aluno que desejar falar peça licença e fique de pé na hora de falar. E passa a incitar a turma a se sentir e agir como um grupo unido, coeso. Pede que a turma escolha um nome para o grupo – vence o nome A Onda. Pede que todos passem a usar um uniforme, para tornar mais fácil a identificação, a identidade do grupo – jeans, camisa branca. Na quarta-feira as coisas já estarão totalmente fora do controle de Wenger. Os diálogos todos – dos alunos fora da classe, entre eles, com os pais, em suas casas, mas sobretudo, os diálogos na sala de aula – são bem feitíssimos, sensacionais. As coisas não são apresentadas de maneira simples, de um lado o preto, de outro lado o branco; muito ao contrário, é tudo matizado, tudo multifacetado. Em alguns momentos, o filme lembra, e muito, o extraordinário e também recente Entre os Muros da Escola – a recriação do clima da sala de aula, os diferentes tipos dos alunos, tudo é uma riqueza fascinante, como no filme do francês Laurent Cantet. Mas, enquanto o filme francês se concentra mais na questão da disciplina dentro da sala de aula, numa sociedade complexa, com alunos de diversas classes sociais, diversas origens culturais, este aqui vai fundo na questão política mesmo, a atitude de cada um resultando num comportamento político do grupo que vai chegando cada vez mais perto do fascimo. Paralelamente, o filme vai nos mostrando as personalidades de alguns dos alunos da turma, de uns seis ou oito. Karo (Jennifer Ulrich), aluna séria, estudiosa, compenetrada, de família bem de vida e na vida, é um tanto dominadora na relação com o namorado Marco (Max Riemelt), solitário, sem família. Mona (Amelie Kiefer) tem opiniões fortes demais para admitir aquela lição prática de autocracia dentro da sala de aula, e casca fora. Lisa (Cristina Do Rego), um tanto insegura, ela também solitária, vai aproveitar os crescentes desentendimentos entre Karo e Marco para se aproximar do rapaz. Tim (Frederick Lau), solitário, perdido, sem ligação com nada, vai se aferrar à Onda como a melhor coisa que já havia surgido em sua vida. E, à medida que os acontecimentos vão se precipitando, criando uma dinâmica própria, até mesmo a ótima relação do professor Wenger com sua mulher grávida, Anke (Christiane Paul), ela também professora da mesma escola, vai ser abalada. Com brilho, o roteirista Peter Thorwarth e o diretor Dennis Gansel vão traçando e trançando as histórias pessoais de alunos e professores com a história do grupo A Onda. É de tirar o fôlego, de assustar, de levantar questões, de pôr o espectador para pensar sobre todo aquele turbilhão de informações importantes sobre um tema da maior relevância. Todo o elenco está sensacional – os garotos são fantasticamente bem dirigidos, e esse Jürgen Vogel dá um show. Há momentos em que o ritmo do filme se acelera, e a música, como os rocks que o professor Wenger ouve, fica muito alta – mas faz sentido, dentro da história que ele está contando, e não há exageros. A câmara dele – e isso foi Mary que reparou, antes mesmo que eu reparasse – demonstra uma predileção por ficar, em diversos momentos, abaixo do nível dos olhos das pessoas, colocada bem perto do chão, em plongée – mas nem esse pequeno tique nervoso chega a incomodar. Fiquei curiosíssimo, ao longo do filme, para saber se a história se basearia em livro escrito por aquele professor alemão. Uma história bem parecida com a do filme aconteceu na realidade, mas foi em Palo Alto, na Califórnia, na segunda metade dos anos 60. Um professor de História numa high-school daquela cidade americana, frustrado ao perceber que seus alunos não tinham o menor interesse em acompanhar suas aulas sobre a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, decidiu fazer uma dramática experiência: fez os alunos criarem um novo movimento radical chamado A Onda, que daria a eles “uma sensação de que eles passariam a fazer parte de algo que é mais importante do que cada um”. Rapidamente, a experiência saiu de seu controle e A Onda atingiu praticamente toda a escola. A experiência foi retratada numa reportagem de revista e depois em um livro de autoria de Todd Strasser. Em 1981, a rede ABC fez um longa-metragem a partir do livro, chamado A Onda/The Wave, dirigido por Alex Grasshoff, com atores que eu não conheço (o professor é interpretado por Bruce Davison). Em geral, são os americanos que refilmam obras feitas em outros países. Neste caso aqui, temos uma refilmagem de uma obra americana feita na Alemanha. O fato de o filme ser feito na Alemanha, e a ação se passar na Alemanha, a terra onde surgiu o nazismo, dá ainda mais força ao tema – que já era, por si só, fascinante, impressionante, impactante. Toda pessoa que tenha interesse por política e por educação – e por bom cinema – deveria vê-lo. O meu desgraço país é uma democracia jovem e parece que há ventos de mudança no sentido de regressar à ditadura. Algumas músicas que tocam no filme não me agradam por que me lembram drogas,violencia. De certa forma me lembrou outro filme alemão chamado ” A experiência “. Essa experiências quando fogem ao contrôle é trágico. Aquele certo aluno viu que é perfeitamente possível haver uma nova ditadura na Alemanha. Como disse o professor, era exatamente o que estava acontecendo ali. Como bem diz o José Luiz, em alguns momentos assusta de verdade. ” Não há como explicar racionalmente lembranças, e os dois filmes têm pouco em comum, a não ser o fato de que ambos tratam, cada um à sua maneira, de escolhas afetivas.” Dizes isto no início do teu texto de hoje sôbre o filme “Je L’aimais”. Com isso deixas bem explicito o que eu quis dizer ontém, quando falei que este filme de certa forma me lembra ” A Experiência “. São dois filmes diferentes mas que tratam de um mesmo tema. Aqui, no caso, cada um trata, à sua maneira, de “uma experiência perigosa.” Sua filmografia tem 44 títulos, inclusive o excelente A Onda/Die Welle (2008) e o muito provavelmente bobo As Donas da Noite (2010), sobre um trio de jovens vampiras que […] |
Eu de fato não me lembrava de como esse filme é bom – tão bom quanto, ou talvez melhor ainda, se é que isso possível, que Onde Começa o Inferno/Rio Bravo, de 1959, o primeiro dessa trilogia em que o veterano e eclético Howard Hawks conta a mesma história. Me impressionou como é bem contada a história, como é tudo contextualizado, como os conflitos se explicam, e não são gratuitos, fúteis. Como é bem feita a construção dos personagens, embora eles sejam basicamente os mesmos que nos dois outros filmes – o fortão meio solitário mas solidário (John Wayne nos três), o bêbado (Mitchum aqui, Dean Martin no anterior) e o garoto (James Caan aqui, Rick Nelson no anterior). “Continuação de Rio Bravo mostra pistoleiro já envelhecendo Wayne ajudando amigo xerife Mitchum a enfrentar uma guerra contra um bando. Um Hawks tipicamente suave, que mistura comédia e ação, com saboroso roteiro de Leigh Brackett e interpretações exemplares, especialmente de Mitchum, de Caan como o jovem jogador que não consegue atirar, e George como o ultra-tranquilo pistoleiro de aluguel.” “John Wayne e Robert Mitchum fazem paródia deles mesmos, e parecem exaustos. Quando o filme começa, você tem a sensação de estar vendo um episódio de uma série de TV que começou faz tempo”, diz ela – e é só o começo. |
Muito estranho rever este filme uns 40 anos depois da primeira vez. É um filme que tem sua importância; tem a marca do talento de Vincente Minnelli, um visual extremamente bem cuidado, e uma seqüência final muito impressionante. É a mais pura expressão de sua época, dos costumes e modos do final dos anos 50, e do melodrama do cinemão americano do seu tempo. Tem boas atuações no elenco cheio de nomes importantes na época. Frank Sinatra está bem, de novo no papel de um soldado, cinco anos depois de A Um Passo da Eternidade/From Here to Eternity, também baseado em livro do mesmo autor, James Jones. Dean Martin, saído havia pouco da dupla com Jerry Lewis, no primeiro dos muitos filmes que faria com o amigo Sinatra, no início do Rat Pack, como ficaria conhecida a turma do cantor-astro, está ótimo, bem à vontade num papel que parece ter sido feito para ele, um bêbado, jogador, gozador. E Shirley MacLaine, bem, a jovem Shirley MacLaine, apenas três anos depois de sua estréia na deliciosa comédia hitchcockiana O Terceiro Tiro/The Trouble With Harry, simplesmente rouba a cena, o filme. Não é a toa que, 40 anos depois, eu me lembrava bem do personagem dela. Mas porém todavia contudo, o filme tem falhas feias, pesadas, fortes, embaraçosas. Parece que o livro de James Jones é uma trolha gigantesca, um Guerra e Paz, e os roteiristas foram obrigados a resumir passagens. O que acontece então é que há várias ocasiões em que os personagens surpreendem pela rapidez com que tomam decisões inesperadas – um único dia após conhecer Gwen (Martha Hyer), Dave Hirsh (Frank Sinatra) está profundamente apaixonado por ela, quer casar. Horas depois de flagrar o pai em atitude indecente, a jovem, pura e delicada Dawn (Betty Lou Keim) resolve sair se embebedando com o primeiro caixeiro-viajante que encontra pelo caminho – para citar apenas dois exemplos. O personagem do cara de Chicago, Raymond (Steve Peck), é simplesmente incompreensível, absurdo, inverossímil – e, cacilda, numa produção tão cara e bem cuidada, não poderiam ter achado um coadjuvante melhor? Esse tal de Steve Peck é pior do que qualquer ator de quinta categoria da pior novela do SBT. Bem, mas acho que botei um pouco o carro na frente dos bois. O filme começa com a câmara – um belíssimo CinemaScope, nos anos iniciais do formato de tela grande – colocada dentro de um ônibus interestadual; vemos um soldado dormindo esculachadão numa poltrona; o ônibus tem muitas cadeiras vazias. Pelas janelas, vamos vendo diversas paisagens, até que chegamos, ao fim da apresentação, os créditos iniciais, a uma pequena cidade do interior. O soldado – Dave Hirsh, saberemos logo em seguida, o papel de Frank Sinatra – acorda inteiramente desentendido, mas tentando não parecer desentendido. Dave Hirsh desce do ônibus com sua mochila de soldado e uma mala em Parkman, Indiana – uma pequena cidade do interiorzão bravo, interiorzão profundo, algo como Bom Jesus da Lapa, BA, ou Ipameri, GO. Neste momento, vemos pela primeira vez uma moça sentada numa outra poltrona do ônibus, que acorda naquela instante e desce do ônibus. É Ginna (Shirley MacLaine), um tipo que faz lembrar, e muito, a Cabíria de Giulietta Masina, que Fellini havia criado um ano antes em Noites de Cabíria/Le Notti di Cabiria. Um vestido barato, horroroso; uma bolsa em forma de cachorrinho de pelúcia; muita maquiagem, maquiagem pesada; cabelo preto visivelmente tingido de ruivo. Ginna saúda Dave com uma suave reclamação, tipo, pô, Dave, você convida uma garota para viajar com você e já vai logo abandonando ela? Dave não tinha a mínima idéia de que tinha convidado alguém para vir com ele, assim como não tinha a mínima idéia de que viria para Parkman, Indiana. Tinha dito às pessoas com quem enchera a cara em Chicago que essa era a sua cidade natal, e os camaradas o enfiaram no ônibus. Ele pede desculpas a Ginna, diz que foi um grande engano, me desculpa, toma aqui um dinheiro, tem ônibus de volta daqui a pouco. Deixa a moça no meio da rua e segue para um hotel, onde pede o melhor quarto e duas garrafas de uísque – qualquer um. Da bagagem, tira uma garrafa quase vazia, um monte de roupa suja, um livro de Steinbeck, um livro de Faulkner, vários outros livros, e um manuscrito amarfanhado. Estamos com menos de dez minutos de um filme de quase duas horas e vinte minutos. Sim, a clássica história do filho pródigo que volta à sua cidade natal. Doce Pássaro da Juventude/Sweet Bird of Youth, baseado em Tennessee Williams e dirigido por Richard Brooks, quatro anos depois deste filme aqui, para lembrar apenas de um. Com dez minutos de filme, já temos então que Dave Hirsh bebe demais, e é escritor. Em seguida veremos que seu irmão Frank (Arthur Kennedy, muito bom, na medida certa) é um dos homens mais ricos da cidade; tem uma joalheria e é um dos diretores de um dos dois bancos. Quando a mãe deles morreu, Frank, o mais velho, botou Dave num internato, de onde ele saiu assim que pôde para só voltar agora, a época em que se passa a ação. Agnes, a mulher de Frank, tem ódio eterno pelo cunhado Dave, por ter se identificado com a personagem do primeiro dos dois romances que ele havia publicado – nele, Dave descreve a mulher do homem rico como uma bruaca mesquinha, imbecil. O casamento de Frank com Agnes é uma coisa horrorosa, um suplício para os dois e para a filha adolescente Dawn – vivem em uma mansão gigantesca como se ela fosse uma jaula para animais perigosas. Temos então que Minnelli conta a história como se estivesse dando um gigantesco zoom para trás: a partir da história de Dave, e depois de seu irmão Frank, o filme como que puxa a câmara para trás e mostra o quadro mais amplo, as pessoas, a sociedade daquela pequena cidade, onde tudo é pequeno, mesquinho, ganancioso, falso, reprimido, hipócrita, babaca. A essa sociedade careta, conservadora, castradora, que vive de aparências, se contrapõe um mundo meio marginal, à parte, simbolizado por Bama, o jogador e beberrão interpretado por Dean Martin, que fica conhecendo Dave no dia em que ele chega a Parkman. A ele se junta nossa Ginna, a triste putinha que seguiu Dave e resolveu não voltar para Chicago. Atrás dela, veio de Chicago o tal Larry, descrito como gângster, mas que parece um cachorro grande que ladra muito mas não morde. Larry está enfurecidamente (e incompreensivelmente) apaixonado por Ginna, que se apaixona a cada dia mais por Dave. Ainda no primeiro dia da chegada de Dave à sua pobre, mesquinha cidade natal, ele conhecerá Gwen (Martha Hyer), a doce, suave, bela, inteligente professora de redação que admira os livros de seu conterrâneo filho pródigo. Um bom triângulo amoroso: escritor bêbado em crise que não consegue escrever mais, uma doce, suave, bela, inteligente professora de redação, e uma puta. Ou, para citar o título de um filme da época, Entre Deus e o Pecado. Mestre do musical, Vincente Minnelli faz um drama sem canções de quase duas horas e meia com pouquíssimos close-ups. Seus planos são gerais, ou, na maioria, de conjunto – aquele que consegue captar um grupo de pessoas, vistas inteiras, dos pés às cabeças. Aqui e ali, surge um plano americano, aquele em que vemos meio corpo das pessoas, da cintura para cima, mas a predominância é dos planos de conjunto. O diretor queria fazer o melhor uso possível da nova tela comprida, grande, o CinemaScope, a arma recente do cinema para enfrentar a competição com a TV; e o que ele está fazendo, mais que contar a história de Dave, sua família, seu triângulo amoroso, é uma descrição ampla de um tipo de sociedade, a cidadezinha pequena como um microcosmo da América que se enriquece e se brutaliza após a Grande Depressão e a Segunda Guerra. Não demoradamente longos, como os planos-seqüência de Hitchcock, ou, mais exagerados ainda, os de Brian De Palma. Mas são planos longos, adequados aos diálogos, em que as duas partes aparecem juntas, sem necessidade de cortes, de plano e contraplano. A câmara é calma, suave, tranqüila; não há travellings rápidos, zooms frenéticos. Tudo isso muda inteiramente na longa seqüência final, toda em exteriores, Parkman à noite, transformada numa gigantesca feira, num imenso parque de diversões na comemoração do centenário de fundação da cidade. Os planos agora são rápidos, feéricos, com cores superexpostas – vermelho fortíssimo, azul fortíssimo, todas as cores do arco-íris e muitas outras juntas e fortes e aceleradas no fechamento do drama. Então, temos aquelas adversativas todas que eu coloquei lá em cima, falhas, fraquezas brutais. Mas porém todavia contudo este é um filme forte, importante, poderoso. Antes de rever o filme, anotei o que eu me lembrava dele: Shirley MacLaine faz uma puta que se apaixona por ele, mas não entende o que acontece com ele, suas angústias; não entende o que ele escreve, não entende o que quer dizer. Ele tinha uma antiga namorada na cidade, o papel de Martha Hyer, uma mulher rica. Um filme que deixa essa impressão forte na memória por 40 anos não é de se desprezar. |
Belo, sensível filme, feito com extrema competência em todos os quesitos. Um drama sério sobre paternidade, educação, dificuldade de comunicação entre as gerações, tendo como pano de pano as mudanças no Planeta China ao longo das últimas cinco décadas. O narrador é o filho – Xiang Yang nasceu em 1967, conforme nos informa a voz dele em off, na abertura. A câmara do diretor Zhang Yang mostra em close a dor do parto da mãe, Xiu Qing (interpretada pela grande, bela estrela Joan Chen). Xiu Qing dá à luz em parto normal, dentro de casa. Mais de duas horas de bom cinema depois (a versão do filme em DVD tem 133 minutos), veremos outro parto, no ano 2000, e portanto em hospital, com os cuidados da medicina moderna, tudo sendo filmado em câmara de mão pelo pai, como hoje em dia acontece. A narrativa do diretor Zhang Yang é daquelas que gostam voltar ao princípio, fechar o círculo, encerrar o ciclo. Na abertura do filme, a voz em off de um Xiang Yang adulto nos conta então que ele nasceu em 1967. E que, quando era ainda bebê, engatinhando, os pais puseram diante dele diversos objetos, para ver qual o garotinho pegaria primeiro. E o bebê pega um pincel, para imensa satisfação do pai, Gengnian Zhang (Haiying Sun, excelente ator), ele próprio um pintor. Num pequeno canteiro diante de sua casa, Zhang, o pai, havia plantado girassóis, nos conta a voz em off do filho adulto, enquanto a câmara mostra belos girassóis. Não tenho a menor idéia do que significa o título original do filme, que, passando para o alfabeto ocidental, vira Xiang ri kui, mas deve ter a ver com girassóis. O título em inglês do filme é Sunflower, girassol – e os girassóis permeiam a história da família. Não dá muito para entender por que os distribuidores brasileiros acrescentaram o “amanhã” ao título, Flores do Amanhã, mas títulos brasileiros um tanto sem lógica são velha tradição. Depois do rápido intróito, com o nascimento do garoto, em 1967, há um fade out, e temos um grande letreiro anunciando que estamos em 1976. O garoto Xiang Yang está agora com nove anos de idade, e é um moleque travesso: sobe no telhado das casas, e usa, com o maior amigo, o bodoque – epa, bodoque é o termo mineiro; perdão, o estilingue, para atingir as meninas do bairro. Atinge também um adulto que chega ali, bem na testa – danada de boa pontaria tem o moleque Xiang Yang, não erra uma. O adulto que está chegando e acaba de ser atingido na testa é Zhang, o pai do garoto travesso. Zhang está naquele exato momento voltando de um campo de trabalho, onde ficou internado durante seis anos. Mostra a situação dura, duríssima, de um pai que esteve ausente praticamente durante toda a vida do filho, e tem que reassumir a chefia da casa, da educação do moleque. Xiang Yang não reconhece Zhang como seu pai; uma criança de nove anos dificilmente tem lembranças da época em que tinha três, e portanto o garoto a rigor não sabia o que era um pai, que seu pai era aquela pessoa que de repente entra em sua casa, faz sua mãe gemer na cama e dá um monte de ordens a ele. Zhang é um pai severo, rigoroso, até demais – e já parte de um gap, um buraco, uma lacuna gigantesca. O pai cai de pára-quedas na vida do garoto, exigindo dele uma disciplina férrea que ele jamais havia conhecido. É um belo drama familiar, esse que a trama do filme desenha. Haverá, depois, um pulo para o ano de 1987, Xiang Yang portanto com 20 anos, e depois outro salto para 1999, o filho então com 32, e um epílogo em 2000. Um belo retrato de décadas de difícil relação pai e filho Já seria uma obra fascinante apenas e tão somente pelo retrato que faz da relação de várias décadas entre pais e filho. O fato de que tudo se passa no Planeta China, feito por habitantes daquele estranho, obscuro, misterioso lugar, torna tudo mais absolutamente fascinante. “Seus filhos não são seus filhos, são filhos da vida”, escreveu, num momento de especial genialidade, Gibran Khalil Gibran. A grande questão é que mais de 90% dos pais não percebem isso. “Os bebês, na maioria, são coincidências”, diz um texto brilhante em Uma Prova de Amor/My Sister’s Keeper, de Nick Cassavetes. Claro, a gente ouve essas histórias sobre como todos planejam suas famílias perfeitas, mas a verdade é que a maioria dos bebês é produto de noites de bebedeira e falta de controle da natalidade. Só as pessoas que têm problemas para fazer bebês é que de fato planejam tê-los.” Se ter filhos já é uma total loucura, saber como criar os filhos, como educá-los, é uma loucura mais arrematada ainda. Os putos não vêm com bula, com manual de instruções – e mesmo que os pais sejam esforçadíssimos, seriíssimos (embora só as pessoas que têm problema para fazer bebês é que de fato planejam tê-los, e portanto, são a princípio esforçadíssimos, seriíssimos), tudo que eles fizerem pode resultar num bobo, ou num deliqüente, em maior ou menor grau. Os pais de Xiang Yang amam o filho – mas não sabem como criá-lo Zhang e Xiu Qing, os pais de Xiang Yang, se amam, e amam o filho único. Viúva de marido vivo, levado para campo de trabalho, Xiu Qing foi permissiva com o garotinho, que virou um moleque travesso demais, sem medida. Ao voltar para casa depois de seis anos ausente, caindo de pára-quedas na vida do garoto de nove anos, Zhang vai para o extremo oposto, a rigidez absoluta, marcial. Muita gente da minha geração – a de nós que nascemos entre a bomba de Hiroshima e o surgimento do rock’n’ll, os dez anos entre 1945 e 1955, a geração que achava que não só podia mas que de fato iria mudar o mundo – babou com o diálogo entre pai e filho que Cat Stevens compôs quando tinha 22 anos. O artista malucamente precoce fazia as duas vozes, a do pai, grave, séria, e a do filho, aguda, lancinante. O pai propunha calma, reflexão, antes que o filho se decidisse por qualquer coisa; o filho reagia agressivo, dizendo que o pai não sabia nada sobre o que ele, filho, pensava e vivia: “Desde o momento em que aprendi a falar me deram ordem para ouvir”. (Credo: que verso absolutamente fantástico – “From the moment I could talk I was ordered to listen”. O cara tinha 22 anos, e tem gente na face da Terra que acha que Cat Stevens é de segunda categoria.) Muitos pais, em 1970, o ano da canção “Father and Son”, eram tão absolutamente rígidos, donos da verdade absoluta, e pouco afeitos a qualquer tipo de diálogo, que, quando mostrei a tradução da letra para uma amiga mais jovem, ela fez um comentário que jamais esqueci: “Pô, se meu pai conversasse comigo desse jeito, eu não teria o que reclamar dele”. Os pais pecam por ausência, por permissividade ou por rigidez absoluta Em 1987, diante do filho de 20 anos, Zhang era tão autoritário quanto o pai da minha então jovem amiga de 1970. Só a palavra dele importava, só a vontade dele deveria ser atendida. A imensa maioria dos pais, acho eu, peca pela ausência, que é o pecado maior. Mais recentemente, depois de toda a revolução dos costumes a partir dos anos 60 e 70 no Ocidente, os que não pecam pela ausência passaram a pecar pela permissividade total. Ainda haveria muito o que dizer sobre as relações familiares mostradas neste belo filme. Mas é importante, é fundamental lembrar que a história se passa no Planeta China – essa coisa tão distante e misteriosa quanto Plutão, ou a sétima lua de um astro que gire em torno de alguma estrela da Ursa Maior. Teve versão em que os créditos aparecem tanto nos anagramas chineses quanto em inglês. Está aí disponível nas locadoras, e provavelmente também na internet para ser baixado. O eventual espectador ocidental do filme talvez não se lembre, mas em 1966 – um ano antes do nascimento de Xiang Yang – iniciou-se no Planeta China a Revolução Cultural. A Revolução Cultural, que durou de 1966 a 1976, exatamente o ano do segundo período focalizado no filme, foi, a muito grosso modo, algo assim como o AI-5 da ditadura militar brasileira instaurada em 1964, o golpe dentro do golpe, a revolução dentro da revolução, a radicalização do radicalismo. Algo mais ou menos assim: apesar de estarmos no poder há 20 anos, ainda restam entre nós alguns que não aderiram aos nossos ideais; são burgueses incorrigíveis, filocapitalistas, esdrúxulos, exógenos: cacemo-los, ó povo orgulhoso! – e lá foram as hordas de jovens da Guarda Vermelha caçar não-comunistas até embaixo do tapete. Como aliás havia sido feito nos Estados Unidos dos anos 50, na louca caçada aos comunistas ou filocomunistas ou whatever, comandada por Joseph McCarthy. A caça ao “inimigo” – mesmo que ele não exista, mesmo que seja preciso inventá-lo. Velhíssima tática dos regimes de exceção, e até mesmo de períodos sombrios das democracias, como demonstra o macartismo, ou ainda o governo Bush filho, ou a Venezuela sob o tacão do bufão Chávez. Um filme da China de hoje que mostra barbaridades do regime Zhang volta à sua casa em 1976 – o ano em que se encerrou a Revolução Cultural, o ano da morte de Mao Tsé-Tung – após seis anos no que é referido no filme como “campo de trabalho”. No campo de trabalho, Zhang apanhou muito; torturaram-no batendo nas suas mãos, as mãos de pintor, embora ele pedisse para que batessem em qualquer outro lugar, menos nas mãos. (No Estádio Nacional de Santiago do Chile, os sádicos loucos então a mando de Pinochet, muito parecidos com os sádicos loucos de qualquer regime de exceção, diga-se ele “de esquerda” ou “de direita”, cortaram as mãos de Victor Jara, antes de darem o tiro de misericórdia.) Zhang volta para casa sem poder usar as mãos para criar sua arte. Isso é dito com todas as letras no filme no Zhang Yang: que houve tortura – e casos e casos de extrema injustiça – no tempo da Revolução Cultural. Muitas outras faces do regime ditatorial chinês são expostas no filme – e é muito doido, é muito difícil para alguém que, como eu, ou, penso, a imensa maioria de nós que sabemos pouco sobre o Planeta China, entender como a censura da ditadura de partido único deixou que o filme fosse feito, e fosse distribuído pelo mundo, e chegasse ao Ocidente capitalista, decadente, doente. Não dá para saber por que permitiram o filme – mas ainda bem que permitiram Vou tentar ver o que se diz a respeito do filme, na tentativa de entender por que a ditadura chinesa permitiu que esta bela obra – bela, mas que fala demais da realidade – chegasse ao Planeta Terra. (Na foto, Joan Chen, como Xiuqing, e Haiying Sun, como Zhang, já idosos.) Não há informações sobre o diretor Zhang Yang nos meus muitos livros; ele não consta dos meus três dicionários de cineastas, nem está no livro Cinema Now, que fala de 60 cineastas em atividade nos anos 2000. O iMDB informa apenas que ele nasceu em 1967 – exatamente como o seu jovem personagem –, e é autor de seis filmes, que receberam 16 prêmios e cinco outras indicações. Em sites diversos, vejo que Zhang Yang (na foto abaixo) formou-se em Literatura Chinesa em 1988, e depois estudou no Departamento de Direção na Academia Dramática Central de Pequim, onde se formou em 1992, e passou a trabalhar no Estúdio de Cinema de Pequim. Seu filme de 1999, Banhos, também uma história sobre vida em família, ganhou 17 prêmios mundos afora – no Planeta China e no Planeta Terra. Essas informações do parágrafo acima indicam que não é um contestador, um rebelde, um dissidente. O AllMovie traz uma sinopse bastante correta do filme – e mais nada. Leonard Maltin não o inclui entre os 18 mil filmes resenhados no seu Movie Guide de 2009. Luciano Ramos fala sobre o filme em seu livro Os Melhores Filmes Novos (Editora Contexto, 2009). Conta que o filme foi premiado no Festival de San Sebastian, na Espanha, em 2005. “O jovem cineasta demonstra o pulso e a sensibilidade de um veterano, com um estilo neo-realista comparável ao de Ettore Scola.” Eu não chamaria o estilo de Scola de neo-realista, mas de fato há semelhança: como este filme aqui, Scola gosta de mostrar histórias que percorrem décadas e décadas, o panorama político e social da Itália como pano de fundo. “Claramente inspirado no pai do diretor, o protagonista é um pintor que, nos anos 1970, teve as mãos quebradas por ter sido acusado de refratário ao partido. Voltando para casa após uma temporada na prisão, não consegue mais trabalhar, nem se relacionar satisfatoriamente com o filho. O roteiro mostra a evolução desse relacionamento até os dias de hoje. Isso permite admirar a impressionante habilidade dramática do ator Haiying Sun, que até este filme só tinha trabalhado na TV chinesa. Ao contrário da igualmente talentosa Joan Chen, que interpreta a sua esposa e que já fez 49 filmes. Desde 1987, com O Último Imperador, de Bertolucci, ela passou a filmar no Ocidente e ficou famosa com a série Twin Peaks, de David Lynch.” A rigor, a rigor, o mais correto seria dizer que o protagonista não consegue mais trabalhar como pintor; trabalhar, ele trabalha. Mas me parecem muito boas todas as afirmações do crítico, professor e estudioso Luciano Ramos. De fato, o desempenho de Haying Sun como o pai, ao longo de várias décadas – com um trabalho de maquiagem excelente, que o faz envelhecer – é extraordinário. O personagem do filho, Xiang Yang, é interpretado – e bem interpretado – por três diferentes atores, um para cada época focalizada, 1976, 1987 e 1999. Continua para mim sendo misterioso o fato de a censura chinesa ter permitido que o filme fosse exibido. É verdade que o filme mostra, nos trechos passados nos anos mais recentes, como houve grande progresso material na China, e isso é obviamente do interesse dos dirigentes do Partido Comunista. |
Todos nós espectadores poderíamos estar a favor do filme por ele ser a estréia de Christopher Reeve, o Super-Homem dos anos 70 e 80 na direção depois do acidente trágico que o transformou em paralítico. É que o texto é brilhante, corretíssimo, e o filme de fato esbanja sensibilidade. É um filme sobre aids em que a palavra aids não é pronunciada uma única vez, assim como não é pronunciada a palavra soropositivo. Na verdade, é um filme sobre aids que na verdade é um filme sobre relações familiares, a dificuldade de comunicação entre pessoas letradas de uma família muito, muito rica. Gente Como a Gente, do Redford, em que as pessoas não são exatamente como a gente, porque têm muito mais dinheiro, mas ao mesmo tempo são como a gente porque são incapazes de falar as verdades, maiores ou menores, com o filho, o pai, o irmão, a irmã. É belíssimo o encontro da mãe com o filho que vem pra casa pra morrer. É emocionante, é lindo, é extremamente sensível como os laços vão sendo refeitos entre a mãe e o filho, as conversas só agora abertas sobre o namorado dele, e também sobre a relaçào dela com o marido, tão vaga, distante, embora ela seja uma mulher maravilhosa, sensível, rica, inteligente – e o marido possivelmente não perceba muito isso. Tudo é dito por meias palavras, como acontece mesmo na vida real. É uma família típica, igual a todas as outras, com a única redfordiana diferença de que é mais rica que as demais. É entre a mãe que se sente na obrigação de estar perto do filho condenado à morte, mas que mais que isso se sente bem estando perto do filho condenado à morte, e a irmã yuppizinha (a promissora Bridget, a terceira geração dos Fonda) que vem tentar tirá-la de casa, para que ela descanse um pouco do clima pesado. É todo ele em tom menor, sem clareza clara, embora tudo esteja sendo dito implicitamente – como em tantos diálogos da vida real. A mãe (Glenn Close), que é entendida de cinema, está vendo um filme P & B no vídeo, janelas fechadas. A filha yuppinha (Bridget Fonda) chega, vai abrindo todas as janelas. Mãe – Querida, se no passado dei mais atenção ao Danny do que a você ou a seu pai, havia razões. Annie culpa o excesso de atenção da mãe pelo fato de o irmão ser homossexual.) (Annie oferece um tranquilizante, a mãe diz que não precisa, e diz que tem algo a perguntar.) Annie – É engraçado, sempre que sou cuidadosa com o Johnny, me afasto para não cometer o mesmo erro que você. Então você deveria reexaminar suas fontes psicológicas, porque atualmente acham que é genético. O filho pergunta de que filmes ela gosta, ela diz que a cada dia é de um. E aí diz que o de que mais tem gostado ultimamente é E.T. Ele ri, pergunta por quê. “Os melhores filmes são os que nos fazer rir e chorar ao mesmo tempo. (…) Sabe o que é divertido? |
Um filme alemão, de diretor e atores desconhecidos (por mim, pelo menos), sobre três jovens em uma clínica para pessoas com problemas psiquiátricos. Vincent Quer Ver o Mar é uma beleza, um ótimo filme, e até alegre, de bem com a vida. Quando passávamos pelo Max Prime (que ultimamente, aleluia!, tem exibido muitas produções européias recentes), estava anunciando: a seguir, Vincent Quer Ver o Mar. Resolvemos ver o lead, e aí decidir se continuaríamos assistindo ou não. Delícia trombar de repente com um filme do qual não se sabe absolutamente nada – e ser conquistado por ele. A ação começa em uma igreja, onde se realiza um ofício fúnebre. O padre está falando da personalidade da mulher morta, de sua vida dedicada a amar e ajudar os outros, o filho. Na primeira fileira de bancos, vemos um homem de meia idade, obviamente o viúvo, e um jovem aí entre os 25 e os 30 anos (veremos depois que ele está com 27). O jovem começa a apresentar tiques nervosos, no rosto, no corpo. Saem sons de sua boca; ele tenta abafá-los, mas não consegue. As pessoas param de olhar para o padre, olham para o rapaz. Ele se levanta, sai quase correndo ao longo de toda o corredor central, senta-se na escada diante da igreja. Lá dentro, a cerimônia prossegue, mas é impossível não ouvir os ruídos que o rapaz produz – e os ruídos se transformam em palavras, xingamentos, palavrões. Corta, e em seguida o pai, Robert Gellner (Heino Ferch), está levando Vincent (Florian David Fitz, os dois na foto acima) para uma clínica. Uma belíssima clínica, instalações impecáveis – estamos na Alemanha, e Robert, o pai, é homem rico, importante, político, cheio de afazeres, de compromissos. Quem os recebe é uma médica aí na faixa dos 40 e tantos anos, cabelos negros, olhos claros, expressão firme, de profissional dedicada, séria, decidida – a dra. Rose leva o rapaz para o quarto que ele irá ocupar. Não será um quarto só para ele: lá está Alex (Johannes Allmayer), que fica irritadíssimo ao saber que terá que dividir o aposento que até então era só seu. Mais tarde será dito explicitamente que ele tem TOC, transtorno obsessivo compulsivo. Uma garota também na faixa dos 25 anos, Marie (Karoline Herfurth, na foto mais embaixo), vai procurar Vincent: deram a ela a tarefa de mostrar para o recém-chegado os ambientes da clínica. Eles fazem um tour pelo lugar, os internos, sala de TV, refeitório, e os externos – há um belo campo de futebol, um jardim. “Síndrome de Tourette é um distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado por tiques múltiplos, motores ou vocais, que persistem por mais de um ano e geralmente se instalam na infância. Na maioria das vezes, os tiques são de tipos diferentes e variam no decorrer de uma semana ou de um mês para outro. Em geral, eles ocorrem em ondas, com frequência e intensidade variáveis, pioram com o estresse, são independentes dos problemas emocionais e podem estar associados a sintomas obsessivo-compulsivos (TOC) e ao distúrbio de atenção e hiperatividade (TDAH). É possível que existam fatores hereditários comuns a essas três condições. O clima do filme é, repito, até alegre, de bem com a vida. Não que a narrativa vá fugir dos problemas, fingir que eles não existem. Os três personagens centrais, os jovens, têm transtornos psiquiátricos graves, e sua vida não é fácil, não é nada cor-de-rosa. No entanto, com imenso talento e muita maturidade, os realizadores conseguiram criar uma narrativa que chega a ser bem humorada: os próprios jovens irão rir de seus problemas, suas doenças. Tenho feito grande esforço para não revelar fatos que ocorrem depois de uns 15, 20 minutos de ação. Ou então, quando é necessário revelá-los, tomo o cuidado de avisar. Antes de morrer, sua mãe dissera a ele que gostaria que suas cinzas fossem espalhadas no mar, numa praia da Itália, num lugar com o nome de San Vincent. A partir aí de uns 15, 20 minutos, o filme se transforma em um road movie. Um road movie cheio de momentos encantadores, de belíssimas paisagens – a fotografia é esplendorosa –, em que se alternam momentos de muito bom humor com outros inquietantes. Tudo extremamente saboroso, bem feitíssimo – um filme muitíssimo bem realizado, fascinante mesmo. As atuações dos cinco atores principais – que fazem os três jovens, a dra. Assim que o filme acabou, vi, assustado, que o autor do roteiro é de Florian David Fitz, o ator que faz o papel central, de Vincent. É muito impressionante, até assustador, porque é um roteiro que parece ter sido escrito por alguém bastante maduro, experiente. É uma narrativa sóbria, em termos formais, sem nenhuma invenciocine – mas segura, firme, com todo o jeito de resultar do trabalho de um veterano, que domina o ofício. Nascido em Munique, em 1974, Florian David Fitz estudou música no Conservatório de Boston entre 1994 e 1998, segundo informa o IMDb. Fala fluentemente (além do alemão, é claro), inglês, italiano e espanhol. No filme que Florian David Fitz escreveu, Alex, o rapaz que sofre de TOC, é um apaixonado por música erudita, em especial por Johann Sebastian Bach. Uma sequência especialmente bela é quando, no meio de montanhas maravilhosas, Alex, ao som de um Bach que toca no rádio do carro ali perto, finge reger a orquestra. Tinha que ter alguém maduro, experiente, velho de guerra nessa história. É daqueles profissionais que passaram por várias áreas: foi cameramen, passou por iluminação, foi diretor de segunda unidade, assistente de direção, ator, roteirista, depois diretor e produtor. Dou uma olhada na filmografia e, mais uma vez, nada – não reconheço um título sequer. Na Alemanha civilizadíssima de 2010, a personagem de Katharina Müller-Elmau, bela mulher, bela atriz, a dra. Rose – justo uma médica, uma terapeuta competente – fuma compulsivamente, um cigarro após o outro. Robert, o pai de Vincent, se orgulha de ter parado de fumar há três anos. Mas, numa situação de grande tensão, pedirá um cigarro à dra. Eu, que tento diminuir a porra do cigarro mas não consigo – quanto mais parar, que isso ainda nem tentei –, me senti suavemente vingado. Vincent Quer Ver o Mar é uma beleza de filme, carregado de um grande amor pelas pessoas, pela vida, pela amizade, pela solidariedade. Remando contra a maré destes tristes tempos atuais, é um filme que faz lembrar o humanismo de Frank Capra – é caprianamente otimista, acha que alguns problemas, como relações familiares, afetivas, conflituosas, podem, sim, ser resolvidos, ou pelo menos minorados, se houver vontade, persistência, ânimo. Desde que li esta sua resenha, estou obcecado em conseguir uma cópia do filme, tanto porque tenho síndrome de Tourette desde os 8 anos, quanto porque mantenho um blog sobre esta doença e suas comorbidades (TOC, TDAH e transtornos similares). Ontem, assisti dois magníficos filmes “Brilho de uma paixão” sobre o poeta John Keats e sua amada Fanny. Em seguida, comecei a ver Vincent quer ver o mar e não pude mais parar. Recomendei a amigos e continuarei a fazer isso para poder compartilhar essa experiência inesquecível. […] de Lorenzo (ALD, ou adrenoleukodystrophy, em inglês), Decisões Extremas (síndrome de Pompe), Vincent Quer Ver o Mar (Síndrome de Tourette), Uma Prova de Amor (um tipo raro de leucemia), Um Certo Olhar (um tipo de […] |
Alex DeLarge muito certamente adoraria este filme, Lawless, sem lei, no Brasil chamado de Os Infratores. Para quem não se lembra, Alex DeLarge é o protagonista da distopia Laranja Mecânica/A Clockwork Orange, escrita por Anthony Burguess, e filmada por Stanley Kubrick em 1971. Os Infratores é um filme voltado para as pessoas que, como o Alex DeLarge, adoram a ultraviolência. Para quem gosta de violência, de ultraviolência, ulalá, é a perfeição. Que fazem a gente acreditar que a humanidade é uma invenção que deu errado. Por que, meu Deus do céu e também da terra, aceitaram participar dessa idiotice Shia La Beouf, Guy Pearce, Jessica Chastain, Mia Wasikowska? Por que raios um ator tão completo, tão perfeito, tão camaleônico como Garty Oldman aceitou fazer uma quase participação especial neste filme grotesco, horroroso? A história se passa no condado de Franklin, interiorzão da Virginia, nos anos 1920, a época da Lei Seca nos Estados Unidos. Era proibida a venda de toda e qualquer bebida alcoólica – e vendia-se uísque fabricado em destilarias caseiras, clandestinas, como provavelmente nunca se vendeu tanto em qualquer outra época da história. Contam-se as aventuras de três irmãos, os Bondurant, que foram dos maiores produtores e vendedores de uísque da região – uma região onde havia dezenas e dezenas de destilarias clandestinas. O mais velho, Forrest (interpretado pelo inglês Tom Hardy), tinha lutado na Primeira Guerra Mundial e sobrevivido, e por isso se considerava invencível, imortal – e todo mundo no condado de Franklin acreditava na lenda. O irmão do meio, Howard (Jason Clarke), era um gigante fortíssimo. E o caçula, Jack (o papel de Shia LaBeouf), ao contrário dos outros dois, era baixinho, meio fracote – e, também ao contrário dos outros dois, não tinha coragem de atirar para matar sequer um porco. Teremos então que Forrest e Howard vão dar muita porrada nos desafetos – e Jack, o caçula fracote, que é o narrador da história, vai levar muita porrada de todo mundo, dos desafetos e dos próprios irmãos mais velhos. Tudo ia muito bem com a comercialização de uísque clandestino na região – o xerife era um freguês de carteirinha do produto dos irmãos – até que chega ali um assistente do promotor mau como o diabo, chamado Charlie Rakes (interpretado, histrionicamente, exageradamente, caricaturalmente, pelo australiano Guy Pearce). Lawless tem mais porrada que a obra completa de Sylvester Stallone. O diretor fez todos os seus atores atuarem de forma quase caricatural, exageradíssima Se deram ou levaram tanta porrada, não dá para saber, mas a história deles foi contada em um livro chamado The Wettest County in the World, o condado mais molhado do mundo, de autoria de Matt Bondurant. Matt vem a ser neto de Jake, o caçula dos três irmãos. Quem escreveu o roteiro do filme foi Nick Cave, o cantor e compositor australiano, que também assina a trilha sonora do filme. Aliás, a trilha sonora, cheia de canções blue grass e folk, é a melhor coisa do filme, além da beleza estranha e esplendorosa de Jessica Chastain. O diretor John Hillcoat, ele também australiano, como Nick Cave e Guy Pearce, tem 16 filmes no currículo, inclusive A Estrada/The Road, uma ficção-científica sobre o mundo pós-Apocalipse com Viggo Mortensen e Charlize Theron. Esse John Hillcoat fez todos os seus atores atuarem de forma quase caricatural, exageradíssima, falsa como uma moeda de dois guaranis. Na minha opinião, só se salva a atuação das duas atrizes, que representam o tal de female interest, Jessica Chastain e Mia Wasikowska. E pior ainda é saber que a platéia ainda aplaude e ainda pede bis: o filme rendeu US$ 53 milhões. Hum… Mundo inteiro fora EUA, US$ 16 milhões; EUA e Canadá, US$ 37 milhões. Vejo que o filme foi exibido em competição no Festival de Cannes. Não é por nada, não, mas o pessoal de Gilles Jacob já foi mais criterioso na escolha dos concorrentes. Ele tem, sim, alguns problemas de montagem, duração um pouco excessiva, a interpretação equivocada de Guy Pierce (over) mas, quanto à violência, não vejo como gratuita. Ora, retratar a América profunda em pleno anos 30 nos EUA (Grande Depressão, Lei seca) é como retratar a época do cangaço no Nordeste brasileiro. A violência, aqui, não é pitoresca ou cartunesca, como por exemplo, nos filmes do Quentin Tarantino, é factual. Bonnie e Clyde, que tem aquele final violentíssimo (isto porque já estávamos no final dos anos 60) e Vinhas da Ira que, embora não seja explícito, contém uma violência e um retrato da desumanidade daqueles tempos, poucas vezes visto no cinema. Keith (o papel do australiano Guy Pearce) dá aula de música na high school em que estuda a filha única, Lauren (Mackenzie Davis); é […] O nazismo acaba de ser derrotado, os soldados do Exército Vermelho estão tomando o prédio do Parlamento alemão. Alguns soldados sobem até a torre mais alta do prédio para pendurar lá no topo uma grande bandeira vermelha da União Soviética. Um deles usa no pulso diversos relógios, roubados de alemães mortos ou rendidos: chama-se Vassili (Joel Kinnaman), e veremos que, além de ladrão, é um absoluto crápula. Há também no grupo dois soldados muito amigos, Alexei (Fares Fares) e Leo (Tom Hardy). […] |
É uma superprodução de deixar babando de inveja o Cecil B.de Mille. O episódio foi uma revolta, em 1857, contra os colonizadores ingleses, da qual fez parte o personagem do título original, Mangal Pandey (Aamir Khan), um soldado a serviço da Companhia da Índia Oriental – uma das empresas britânicas mais poderosas a operar na colônia, tão poderosa que tinha a sua própria milícia, supervisionada pelo exército de Sua Majestade. Mangal Pandey viraria um herói indiano, um proto-mártir da independência indiana, algo assim como um Tiradentes na história do Brasil. A revolta teve o apoio de um oficial britânico (Toby Stephens), amigo e parceiro de Mangal Pandey. O filme tem belíssimos planos gerais, uma multidão de figurantes de fazer justiça ao absurdo tamanho da população indiana, ótimas seqüência de música e dança de deixar babando de inveja o Gene Kelly e duas atrizes (Rani Mukherjee e Amisha Patel) de beleza extraordinária, exuberante, gostosas como Sonia Braga no auge do auge do auge. Um leitor do iMDB, muito provavelmente indiano, que se assina Hanharan, termina assim sua longa e superlativa resenha: “O filme conta uma história de amigos, amantes e inimigos, exploradores e explorados, e o crescimento e a consciência de um homem e uma nação. É a história de um homem e seu sonho de liberdade. Este épico é baseado em acontecimentos históricos reais, vistos como um gatilho para a independência da Índia”. E é também a) um exemplo do luxo de que é capaz o cinema da Índia, o país que mais produz filmes em todo o mundo; e b) um exemplo de como é uma pena a gente ter tão pouco acesso a essa cinematografia. O filme é lindíssimo, de uma força e uma delicadeza incríveis. As imagens, a música, o colorido mostram uma Índia riquíssima culturalmente, com sua luz e sombra também. Uma história de luta pela liberdade, pela vida, também pelo amor… que encanta e seduz a todos… não consigo imaginar que alguém possa não se comover com a beleza, com a vida, com o êxtase que movem os dramas do filme. Realmente, o filme tem a dimensão de uma obra épica e nos apresenta,de forma extraordinária,toda a vivacidade e os conflitos,ainda pulsantes,de uma Índia “Hindumuçulmana”.As imagens, as músicas,as danças…toda a obra, anestesiaram-me de tal forma que,passados dois anos desde que a assisti pela primeira vez ,ainda guardo a lenbrança de cada cena…o filme é simplesmente fantástico. Sou professor de história e, qundo estou trabalhando o imperialismo no seculo XIX,passo este filme para os alunos.È um excelente filme que nos mostra como se deu a exploraçao dos ingleses na Índia, mas nem por isso devemos deixar de critica-lo.Por exemplo, o filme traz uma leitura muito romantizada da Índia Agora para compensar, um outro comentario menos bobo: alguem sabe se , apos o episódio do Gandhi, a índia realmente é TOTALMENTE independente da inglaterra, ou ainda mantém algum laço ? (como outras nações subordinadas à coroa britânica, como o canadá e australia) A Índia, segundo a Wikipedia, pertence à Commonwealth of Nations, que já foi chamada no passado de British Commonwealth. É, ainda segundo a definição da Wikipedia, uma organização intergovernamental de 54 estados membros independentes – 52 dos quais pertenceram no passado ao Império Britânico. Não há qualquer relação de dependência dos países membros em relação à Grã-Bretanha. É completamente diferente, por exemplo, da situação do Canadá, que é uma monarquia constitucional soberana, mas cuja chefe de Estado é a Rainha Elizabeth II. |
Le Voyou, que Claude Lelouch fez em 1970 e foi lançado no Brasil com o título Um Homem como Poucos, é um policial, mas não um drama. Uma das tramas policiais mais inteligentes, criativas e bem resolvidas das que Lelouch criou, senão a melhor de todas, Le Voyou é uma gostosa aventura, um divertissement. O herói da história, o mocinho, por quem o filme torce abertamente, é um bandido, um fora-da-lei, um escroque. Esse herói bandido é interpretado por Jean-Louis Trintignant, no auge de sua beleza jovem; foi a primeira vez que se reencontraram os dois, Lelouch e o ator que ajudou a garantir o extraordinário sucesso de Um Homem, Uma Mulher, lançado quatro anos antes, em 1966. (Lembrando, bem rapidinho: quando se preparava para filmar Um Homem, Uma Mulher, Lelouch era então um jovem praticamente estreante; Trintignant, que havia começado a carreira em 1956, já era então um astro em ascensão. Aceitou de pronto o convite, e, segundo depoimento do próprio Lelouch, ajudou-o a convencer Anouk Aimée, já grande estrela, a topar a aventura de fazer um filme com realizador iniciante, com baixíssimo orçamento. A aventura é a aventura, e Um Homem, Uma Mulher, Palma de Ouro em Cannes e Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, foi um gigantesco sucesso comercial. Na abertura, um musical com um gângster que atira e canta e mata Le Voyou começa de uma forma um tanto, ou talvez bastante, desconcertante: as primeiras seqüências que vemos são de algo que parece um musical hollywoodiano, algo assim como uma mistura de West Side Story, do iniciozinho de Quanto Mais Quente Melhor e dos filmes de gângsteres dos anos 30 e 40. Em uma garagem, um bando de belas mulheres, em vestidos coloridíssimos que permitem a visão das coxas, dançam ao som de uma melodia do mesmo Francis Lai dos filmes anteriores de Lelouch, em torno de um primeiro bailarino negro que carrega uma metralhadora e atira ao ritmo da música. Já na primeira tomada, antes do canto e dança, quatro homens são mortos. Um letreio informa que “voyou” é a gíria parisiense para “gângster”, “vagabundo”. E, depois do final do número de dança em torno do gângster que canta em inglês, e dos créditos iniciais, vemos um casal entrando num apartamento, que, obviamente, pertence à mulher. O homem é interpretado por Trintignant; a mulher, veremos que se chama Janine (Danièle Delorme, na foto). As expressões dos dois são sérias, pesadas; não parece que estão vindo de uma longa conversa num bar, já íntimos, já se encaminhando para a cama. Assim que Janine desaparece da sala, o homem – Simon Duroc é seu nome – tranca a porta de entrada. Ela diz que vai preparar algo para ele comer – e ele arrebenta o fio do telefone. Não: definitivamente não é o encaminhamento de um fim de noite de um casal de namorados, ou um casal que começa a namorar. Não é hora de preliminares: está claro que Simon está invadindo à força o apartamento de Janine. Pergunta se ela não vai comer, ela diz que comeu antes de ir ao cinema. O filme que está sendo exibido, é claro, é Voyou, o musical que parece ambientado na Chicago de Al Capone. Dois homens entram no cinema, evidentemente policiais, à procura de algum bandido. Voltamos ao apartamento de Janine, após a refeição rápida de Simon. Ela quer saber quanto tempo ele pretende ficar ali, ele faz planos para o dia seguinte: ela não irá trabalhar, mandará recado de que está doente. Ela diz que tem um carro, pode levá-lo até onde ele quiser. Janine se mostra mais calma do que seria de se esperar de qualquer pessoa que está sendo mantida refém dentro de sua própria casa por um bandido. O diálogo termina com uma frase do bandido: – “É melhor você ser gentil comigo, porque tive um dia bastante carregado”. Vai até uma daquelas cabines de fotografias 3 x 4 automáticas, faz uma série de fotos – com bigode falso, sem bigode, com óculos, sem óculos. Pega um táxi, chega a um parque, senta-se ao lado de uma mulher, que está diante de uma área para crianças. Ele diz, olhando para a garotinha que brinca diante do banco em que estão sentados: A mulher, Martine (interpretada por Christine Lelouch, na foto abaixo), não hesita um segundo, e chama a filha, Françoise, para que chegue perto dos dois, no banco do parque. Pelos diálogos entre Simon e Martine, o espectador fica sabendo que Martine foi mulher de Simon, e Françoise, que está aí com quase cinco anos, é filha dos dois. Logo depois do nascimento de Françoise, Martine se casou com um sujeito rico, industrial, dono de uma fábrica de iogurtes; vive bem, e o marido trata muito bem a filha dela. Martine pergunta onde ele está se escondendo, e Simon diz que há 15 dias está na casa de uma amiga. Martine comenta que ele não emagreceu muito, e ele responde que a amiga cozinha muito bem. Ele quer saber se ela contou sobre os dois para seu marido, e Maetine responde que, durante o julgamento dele, o país todo ficou sabendo a respeito dos dois. Estamos aí com uns 16 minutos de filme, e o roteiro já nos produziu alguns truques, alguns joguinhos com a ordem cronológica. Tudo bem: que aquelas primeiras imagens – o musical com as dançarinas, o gângster, os tiros – eram um filme dentro do filme, isso fica bem claro. Era o filme que estava passando quando Simon se sentou ao lado de Janine e, para não ser visto pelos policiais que faziam a busca, a beijou, enquanto exigia silêncio com a faca. E em seguida, na saída do cinema, foram para a casa dela. Primeiro vimos o filme dentro do filme, depois a chegada do casal à casa de Janine, e em seguida, num rápido flashback, vimos o que havia acontecido logo antes de os dois irem para o apartamento dela – o encontro no cinema. Mas o diálogo entre os dois termina com Simon dizendo que teve um dia muito carregado – e em seguida há as seqüências em que Simon se encontra com a ex-mulher, Martine, e a filha que jamais havia visto antes. Não é obrigatório, é claro, mas, como já tinha havido um rápido flashback antes, com a cena do encontro do bandido com a moça inocente no cinema, o espectador pode achar que aquilo que está vendo quando o filme está aí com 15, 16 minutos – o encontro do bandido com sua ex-mulher – é outro flashback, explicando como tinha sido o dia muito carregado de Simon. A rigor, acho que foi isso que os roteiristas pretenderam: eles quiseram induzir o espectador a crer que o encontro de Simon com a ex-mulher era um novo flashback. Um cineasta que diz e repete que partiu da imagem para as histórias Lelouch é o autor da história, da trama, do argumento da imensa maioria de seus filmes. Segundo o próprio Lelouch diz e repete, uma das diferenças entre ele e os cineastas da nouvelle vague é que eles partiram da literatura para o cinema, enquanto ele partiu da própria imagem, para só muito mais tarde fazer adaptações de obras literárias. (Ele fez a afirmação pessoalmente para este reles anotador sobre filmes aqui, quando o reles anotador sobre filmes sentiu-se obrigado a – na falta de outro profissional mais qualificado e competente – entrevistá-lo durante sua visita ao Brasil para divulgar Um Homem, Uma Mulher Vinte Anos Depois, em 1986. Eu era editor de Cultura da revista Afinal, a época era de vacas magras, muitos dos profissionais que tinham lançado a revista haviam saído; não havia ninguém que eu pudesse escalar para a entrevista, e então lá fui eu.) Vão aí, nessa afirmação que Lelouch faz repetidas vezes, uma dose de verdade, outra de ironia, outra de amargura, outra de desafio. Lelouch quer dizer com isso – entre outras coisas – que sua origem foi mais humilde que as dos seus conterrâneos e praticamente contemporâneos Godard, Truffaut, Rohmer, Chabrol. Que esses, os grandes nomes da nouvelle vague, cujos primeiros filmes foram lançados a partir de 1958, 1959, 1960, são mais letrados do que ele, iniciaram as carreiras na crítica de cinema – e que, em muitos de seus filmes, fizeram adaptações de obras literárias, enquanto ele, filho de imigrante africano, começou a vida como operador de câmara em documentários. Se os argumentos de boa parte de seus filmes são de sua autoria, na tarefa de escrever os roteiros Lelouch tem a humildade de pedir ajuda a outros. O roteiro de Le Voyou é assinado por Lelouch, Uytterhoeven e mais Claude Pinoteau. O próprio realizador, cuja humildade não chega a ser muito grande, de forma alguma, assina os diálogos – no cinema francês, o crédito dos diálogos é muito importante – e também o trabalho de câmara. (Talvez porque tivesse começado como cameraman, talvez por saber que é extraordinariamente competente nesse ofício, Lelouch continuou carregando a câmara durante muitos de seus filmes, mesmo depois que ficou rico, dono de uma produtora rentável.) Até mesmo por esses truquezinhos iniciais de sugerir que pode estar havendo um flashback quando na verdade não se está. Revelei até aqui sobre a trama o que rola até aí uns 16 minutos dos 120 da duração do filme. Virão a seguir muitos acontecimentos completamente inesperados, fascinantes, engraçados, inteligentes, bem sacados. Quando estamos já bem perto do desenlace da história, o espectador perceberá que – epa! teve algo aí que me escapou. Quase ao fim da narrativa, cai a ficha de que houve algo, anteriormente, que não ficou exatamente claro. E checamos: os roteiristas Lelouch, Uytterhoeven e Pinoteau dão um chapéu no espectador quando o filme está aí por volta de 45 minutos. Na minha opinião, esse pequeno jogo não é uma sacanagem contra o espectador. E aí fico me perguntando se eu não sou um sujeito profundamente incoerente. Ao falar de alguns filmes recentes do cinemão comercial, reclamo do que chamo de “Essa regra cada vez mais comum segundo a qual Podendo-Complicar-a-Narrativa,-Por-que-Simplificar?” No entanto, como este é um filme de Claude Lelouch, um dos cineastas que mais admiro, digo que o que ele faz é apenas um pequeno jogo com o espectador. Um dos motivos de minha admiração absoluta por Lelouch é o fato de que seus filmes são autorais, pessoais, intransferíveis feito dor de dente. OK: admito que outro dos motivos pelos quais Lelouch me fascina é o fato de que 99,99% dos críticos de cinema, do pessoalzinho de nariz empinado que se diz amante dos “filmes de arte”, que tem como projeto de vida poder dizer que detesta o “cinema americano” (uma entidade de resto mais inexistente que Papai Noel), detestam Lelouch. Mas o principal motivo de minha admiração por esse realizador detestado por 99,99% dos “entendidos em cinema” é mesmo pelo fato de que, desde sempre, ele faz filmes pessoais. E é esquisito pensar que os “entendidos em cinema” veneram todos os autores, de D.H.Griffith até Quentin Tarantino, passando pelos grandes todos, Bergman, Buñuel, Ford, Eisenstein – mas detestam Lelouch. Parece o criminoso da frase velha, sempre querendo voltar ao local do crime. Seu crime maior, Um Homem, Uma Mulher, ele não pára de revisitar. Em La Bonne Année, no Brasil A Dama e o Gângster, de 1973, exibe-se para os presos – entre os quais o protagonista, interpretado por Lino Ventura – Um Homem, Uma Mulher. Em Robert e Robert, de 1978, os pobres corações solitários que precisam recorrer à agência de encontros para encontrar um(a) possível companheiro(a) cantarolam numa festinha o tema que Francis Lai criou para Um Homem, Uma Mulher e ficou mundialmente conhecido. E até mesmo com o sobrenome de seu protagonista, Simon Duroc. Duroc era o sobrenome do personagem central de Um Homem, Uma Mulher, Jean-Louis Duroc. (E Simon é o prenome do filho que o realizador teve com Christine Lelouch, sua mulher na época, que interpreta Martine, a ex-mulher do protagonista do filme.) Lá pelas tantas, quase perto do final da narrativa, o comissário de polícia, interpretado por Yves Robert, diz a Simon Duroc que foi visto um casal, “um homem, uma mulher” – e então Simon Duroc-Jean Louis Trintignant assobia os primeiros acordes da canção tema que Francis Lai criou para Um Homem, Uma Mulher. O grande Yves Robert aceitou fazer um pequeno papel no filme Vejo agora, enquanto estou escrevendo esta anotação, que o comissário de polícia – beleza de atuação, mas, também, quem não atua bem dirigido por Lelouch? – é interpretado por Yves Robert! Fui checar se não seria um homônimo, mas não, é Yves Robert mesmo. O realizador que fez A Guerra dos Botões, de 1962, um filme fetiche, um filme maior, dos mais fascinantes que já foram feitos sobre crianças, comparável apenas a algumas poucas obras maiores, como Na Idade da Inocência/L’Argent de Poche, de Truffaut, de 1976. E mais Alexandre, o Felizardo, um dos filmes que Regina mais amava, e ainda o esplêndido díptico A Glória de Meu Pai e O Castelo da Minha Mãe. Em sua autobiografia, Lelouch dá a entender que o único colega seu de metier, o único cineasta francês que era seu amigo, que o tratava bem, era Jean-Pierre Melville. Vai aqui portanto uma prova de que há inverdade no livro de Lelouch. Ele conseguiu fazer com que Yves Robert trabalhasse em seu filme – e Yves Robert está extraordinário, maravilhoso, como o comissário de polícia. Mas volto então às coisas do autor Lelouch, sua mania de botar sempre as mesmas coisas em suas histórias. O Olympia aparece em Toda Uma Vida, o filme de 1975. O Olympia aparece em Robert e Robert – o encerramento da narrativa é lá, naquele teatro centenário por onde passaram todos, todos, exatamente todos os grandes músicos franceses do século XX. O Olympia tem uma importância grande na trama de Le Voyou. Ele só aparece neste Le Voyou quando estamos aí pela metade do filme. Faz o pai do garoto que será sequestrado à entrada do Olympia. Deve ser engraçado ser ator francês e trabalhar ora com um realizador incensado, ora com um realizador odiado. Com Truffaut, fez um dos homens procurados pela noiva que estava de preto, no maravilhoso filme de 1968; esteve em Uma Garota Tão Bela Quanto Eu, de 1972; mais tarde, em 1977, seria o protagonista do excepcional, maravilhoso O Homem que Amava as Mulheres. Em Le Voyou, fazia um papel relativamente pequeno (afinal, só surge no meio do filme), mas importantíssimo. Participou de Uma Aventura é uma Aventura, de 1972; em Toda uma Vida, fez três papéis, de avô, pai e filho de um dos personagens centrais – uma interpretação maravilhosa. Voltou a trabalhar com Lelouch em Se Tivesse que Refazer Tudo/Si c’était a refaire, de 1976, e seria um dos protagonistas de Robert e Robert, de 1978. Fico pensando aqui: será que Charles Denner levava confidências de um lado para outro, todos os grandes cineastas franceses de um lado versus esse outro aí execrado por toda a crítica mundial? Com Truffaut, certamente, ele não teria feito intriga, mesmo que quisesse – e não acho que ele tenha querido. Lelouch é como sua personagem Anne Gauthier: quanto mais a crítica malha, mais ele faz filmes Euzinho o ouvi prezar diversas vezes la generosité, e babei com isso, fã eterno que sou dele, e da generosidade. Talvez por ser filho de imigrantes, talvez por ter sido tão combatido, tão malhado, tão espezinhado por 99,99% dos 1,432 milhões de críticos de cinema do mundo, Lelouch tenha reagido virando um casca grossa, uma tartaruga gigante, fingindo-se imune às críticas – ao mesmo tempo em que reage a elas com agressividade. Joe Giddeon, o alter ego de Bob Fosse em All That Jazz, aquele gênio que fez apenas cinco filmes, não tinha forças para aguentar um pau da crítica. Quando, recém-operado do coração, vê a crítica de plantão na TV (seria ela inspirada em Dame Pauline Kael?) destruir seu novo filme, Joe Giddeon tem novo piripaque cardíaco. Anne Gauthier, a personagem de Um Homem, Uma Mulher, que na continuação do filme, Um Homem, Uma Mulher 20 Anos Depois, é uma grande produtora de cinema, não se deixa abater nem mesmo quando seu namorado mete o pau em sua mais recente produção. Joe Giddeon é Bob Fosse escarrado – um gênio cheio de medo, de pavor, com o que a crítica vai dizer sobre sua obra. Lelouch finge ser tão seguro demais que cria, em Le Voyou, uma situação que ele não tinha nenhuma necessidade de criar. Quando Simon foge da polícia, há dois cinemas, lado a lado, nos quais ele poderia entrar. Era 1970, e então num cinema estava passando A Confissão/L’Aveu, filme extraordinário, sério, profundíssimo, feito pelo mestre do cinema político, Costa-Gavras, estrelado por Yves Montand (que havia trabalhado com Lelouch em Viver por Viver, o filme que ele realizou logo depois de Um Homem, Uma Mulher). No cinema ao lado, estava passando Voyou, filme inexistente, filme dentro de filme, invenção de Lelouch. No rádio, o locutor diz que é interessante o fato de que o bandido perseguidíssimo pela polícia tenha podido escolher se se escondia em um cinema que passava A Confissão e outro que passava Voyou. – “Eu teria indicado A Confissão, mas meu gosto cinematográfico não é o que importa…” A Confissão/]L’Aveu, de Costa-Gravras, digo euzinho agora, é um filme importante, importantíssimo, maior. Ao mostrar a tortura executada pela polícia política da Checoslováquia, marcou o rompimento definitivo de Jorge Semprum e de Yves Montand com o comunismo stalinista. A simpatia do cinema pelos bandidos, pelos foras-da-lei-, vem desde que o cinema existe. Quando surgiu, no final do século XIX, já havia uma centenária, quase milenar tradição de a arte admirar o fora-da-lei. E então, no frigir dos ovos, devo dizer que Le Voyou é bem realizado, gostoso, divertido – mas é moralmente errado. Não é admirando ladrões, achacadores, sequestradores, que vamos poder ir em frente. Se for mesmo para falar sério, assim como os mestres Akira Kurosawa e Satyajit Ray, não dá para compactuar com o crime, a corrupção. |
No finalzinho dos anos 70, inicio dos 80, Fernando Brant fez um verso de uma tristeza abolutamente profunda: “Como é miúda e quase sem brilho a vida do povo que mora no vale”. A imagem fortíssima da canção “Itamarandiba” me veio à mente a propósito de Johanna Parry, a protagonista de Loveship Hateship, no Brasil Amores Inversos. Johanna (interpretada por Kristen Wiig) tem uma vida duríssima, só de trabalho e nada, ou quase absolutamente nada de prazer, contentamento, satisfação. Nasceu pobre, no interiorzão do distante estado de Iowa; aos 15 anos, começou a trabalhar como empregada doméstica na casa de uma senhora da região, Mrs. Willets (Lauren Swinney). Na primeira sequência do filme – uma obra absolutamente feminina, dirigida por Liza Johnson e baseada em conto da escritora canadense Alice Munro –, a sra. Willetts, muito idosa e doente, na cama com toda certeza há muito, muito tempo, diz que quer usar seu vestido azul. Daí a pouco, quando Johanna volta ao quarto, a velha senhora está morta. A câmara de Liza Johnson e do seu diretor de fotografia Kasper Tuxen mostra então Johanna tendo aquele trabalho insano, pavoroso, de vestir o corpo inanimado de sua agora ex-patroa com o vestido azul que ela havia pedido. O tom pesado, duro, cru, cruel, dessa primeira sequência estará presente em quase todos os longos – porque dolorosos – 104 minutos de duração do filme. Uma garota peçonhenta arma uma cilada, e a pobre Johanna cai como um patinho O pastor da igreja de Johanna irá arrumar um novo emprego para ela. Passará a trabalhar na casa de Bill McCauley (o papel de Nick Nolte, num desempenho inesperadamente contrito, sem os gestos largos e o abuso do vozeirão que em geral acompanham o ator), um senhor aposentado, que vive com a neta, Sabitha (interpretada Hailee Steinfeld, na foto abaixo, a garotinha indicada ao Oscar por sua interpretação na refilmagem de Bravura Indômita). Quando Johanna chega à casa de McCauley, estão lá também, além do dono da casa e de sua neta, Ken (Guy Pearce) e Edith (Sami Gayle). Edith é a grande amiga da garota Sabitha, colega dela de escola, unha e carne. Johanna ficará sabendo rapidamente – assim como o espectador – que Marcella, a mãe de Sabitha, está morta. Com o tempo, saberá que ela morreu em um acidente em uma lancha dirigida por Ken – e Ken estava entupido de cachaça e cocaína no momento da tragédia. Na verdade, McCauley acha o genro um absoluto irresponsável – e não é só ele. A mãe de Edith não permite que a filha ande num carro dirigido por Ken. E Ken é de fato – conforme o filme mostrará exaustivamente – um sujeito fraco, sem força de vontade, sem capacidade de trabalho, preguiçoso, indolente. Não chega propriamente a ser um bandido, um mau caráter, um filho da mãe, que se compraz em fazer mal aos outros. Não, não chega a ser isso – é apenas um fraco, um zero à esquerda, um pustema. Ao voltar para Chicago, onde está morando – e onde comprou um motel caindo aos pedaços, que tenta aprumar para com ele ganhar a vida –, Ken deixa um bilhete simpático para Johanna, agradecendo a ela porque a partir de então ela passaria a cuidar de Sabitha. Johanna escreve de volta para ele um bilhete – algo normal, formal. Sabitha e Edith – sobretudo a última – se oferecem para botar o bilhete no correio. Sabitha, um pouco como o pai, não chega a ser uma má pessoa – mas é facilmente influenciável, manipulável por Edith, e esta, sim, é uma figurinha já peçonhenta, embora tão jovem. As duas, lideradas por Edith, escrevem para Johanna uma carta como se fosse de Ken, sugerindo que eles passem a trocar mensagens via e-mail, que é mais rápido. Começa a troca de e-mails – e as garotas falseiam que Ken está vivamente interessado em Johanna. A moça – uma pessoa humilde, de pouco estudo, que não tinha tido oportunidade alguma na vida – cai como um patinho no conto das vigaristas, e acredita que Ken está apaixonado por ela. Quando o filme chegou nesse ponto, aí com uns 20, talvez 25 minutos de narrativa, Mary e eu pensamos seriamente em parar de ver. Os bons atores estão bem dirigidos, os personagens são bem construídos, a narrativa flui de maneira quase normal, sem invencionices, fogos de artifício. Digo quase normal porque na verdade a diretora Liza Johnson, propositadissimamente, ralenta cada pequeno episódio mostrado. Faz a coisa andar lentamente, penosamente – para realçar que a vida de Johanna anda lentamente, penosamente. Pensamos em parar exatamente por isso – porque é uma vida penosa demais. É uma vida por demais miúda e sem brilho – para usar as palavras do poeta. E, quando essa pobre Johana se vê vítima da maldade extrema das duas adolescentes, algo assim como Madame de Tourvel se vê vítima da vileza combinada do visconde de Valmont e da marquesa de Meurteil em Ligações Perigosas, o clássico de Chardelos de Laclos que Stephen Frears transformou em filme soberbo, achamos que era sofrimento demais para ver numa tarde de feriado (era a quinta-feira da Semana Santa). Acabamos – depois de uma paradinha para parlamentar – indo em frente. Deu, literalmente, um drible à la Garrincha – ele indicava que ia para um lado, de repente foi para o lado oposto. Mas, ao contrário do que imaginávamos – que ele mostraria uma história cada vez mais cruel, desencantada, desenganada –, o roteiro assinado por Mark Jude Poirier, com base no conto “Hateship, Friendship, Courtship, Loveship, Marriage”, de Alice Munro, dá uma reviravolta inesperada. Quem não viu o filme deve pular para o próximo intertítulo Não vou revelar detalhes, é claro, mas de qualquer forma os próximos parágrafos contêm spoiler. O ótimo colunista Ancelmo Gois, de O Globo, costuma dizer, citando o Barão de Itararé, que de onde menos se espera é dali que de fato não sai coisa alguma. É uma grande verdade – mas toda verdade tem uma ou outra exceção a contradizê-la, e aqui temos uma exceção. De onde menos se espera de repente, uma vez na vida e outra na morte, sai alguma coisa boa. As chanches de sair alguma coisa boa dessa história da pobre coitada dessa Johanna, que parecia condenada à miséria eterna e total, até a morte, com esse infeliz pustema desse Ken eram, como dizia Bob Dylan em uma canção do seu segundo disco, a million to one. Pois às vezes os dados, as cartas, a roleta dão o que é uma chance em um milhão. Johanna parece condenada a uma vida sombria, sem brilho, quase sem vida – mas tem força, tem vontade, tem determinação. Ao fim e ao cabo, a trama deste Loveship Hateship, tão árdua, tão dolorosa, faz uma bela defesa da capacidade de trabalho. Nestes tempos de lulo-petismo, roubo-petralhismo, de cotas de todos os tipos e todos os tipos de execração do mérito pessoal, este filme é uma bênção. É como diz a frase monumental de Graciliano Ramos, comunista dos bons: “Certos escritores se desculpam de não haverem forjado coisas excelentes por falta de liberdade – talvez ingênuo recurso de justificar inépcia ou preguiça. Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda podemos nos mexer.” Nos estreitíssimos limites a que sua vida sem brilho, quase sem vida, a condenava, Johanna consegue, com brilhantismo, se mexer. E a diretora Liza Johnson acaba, depois de expor tanta crueza, tanta crueldade, tanta tristeza, inoculando no espectador o virus da esperança. Por que, entre tantos milhares e milhares de filmes à disposição, escolhi ver este Hateship Loveship? Essa é uma questão que só interessa a mim mesmo – mas falo um pouquinho aqui sobre isso. Pois é: por que raios um sujeito que tem um site de filmes, com cerca de 2.250 filmes comentados, escolhe para ver Hateship Loveship, em vez de rever para comentar obras absolutamente fundamentais que ainda não estão no site, como, por exemplo, só para ser bem rápido, curto e grosso, Encouraçado Potemkim, Ivan, o Terrível, Intolerância, Nascimento de uma Nação, Jules et Jim, Bye, Bye, Brasil, A Noviça Rebelde, West Side Story, Lugares Comuns, O Regate do Soldado Ryan, A Lista de Schindler, O Bebê de Rosemary, Acossado, O Leopardo? Vejo os filmes que simplesmente me dá na telha ver – não apenas porque são importantes e precisam estar no site. O site é uma brincadeira, uma diversão – não pretende ter todos os maiores filmes, os mais importantes, de forma alguma. E agora respondo especificamente à pergunta que ninguém me fez, mas eu mesmo me faço – sim, mas por que ver exatamente este filme aqui, e não qualquer outro? Peguei para ver este Loveship Hateship porque a atriz principal era Kristen Wiig. A quantidade de atrizes e atores de grande talento que aparecem a cada ano é algo muito assustador, e então muitas vezes a gente se perde. Vi essa atriz numa comédia louca, aloprada, Paul – O Alien Fugitivo (2011), e depois num fantástico filme de ação/considerações sobre a condição humana, A Vida Secreta de Walter Mitty (2013). No primeiro, ela faz uma cristã xiita bobona, quase debilóide – e, diacho, tem a cara de uma pessoa bobona, quase debilóide. No segundo, ela faz o papel da mulher ideal do protagonista, interpretado por Ben Stiller – uma nova-iorquina esperta, moderna, lindérrima. O rosto que ela exibe num filme não tem absolutamente nada a ver com o rosto que ela expõe no outro – é como se fossem duas pessoas absolutamente diferentes. Em Walter Mitty, ela tem todo o jeito e a cara de uma mulher descolada, moderna, que vive em metrópole – e lindérrima. Uma jovem fadada ao insucesso que ousa brigar com os fados – e derrotá-los Há grandes atores que têm sempre a mesma cara, embora interpretando personagens diferentes: James Stewart, por exemplo, é o mesmo velho e bom James Stewart de sempre, esteja num western de Anthony Mann como Winchester ’73, numa comédia deliciosa de Frank Capra como A Felicidade Não se Compra, ou num suspense de Alfred Hitchcock como Um Corpo Que Cai/Vertigo. Há grandes atores que têm quase a mesma cara em diversos filmes, mas têm interpretações totalmente diferentes entre uns e outros, como Robert de Niro e Al Pacino – preguiçosos às vezes, geniais em outras. Essa moça Kristen Wiig é camaleônica camaleônica mesmo – em cada filme ela tem uma cara, como Meryl Streep, para dar o exemplo mais exemplar, como a maravilhosa Bridget Fonda, que trabalha menos do que deveria. Neste filme aqui, Kristen Wiig está uma jovem mulher triste, desafortunada. Tem uma expressão séria que não sai do seu rosto quase absolutamente nunca. E é mais que séria – é triste, é sem esperança, é quase trágica de tão sem esperança. Quando Paul McCartney e todos os outros autores de belas canções que falam de ordinary people criam suas músicas, seguramente pensam em pessoas comuns, não geniais, não excepcionais, mas não tão tristes, tão marcadamente infelizes quanto essa Johanna Parry de Kristen Wiig. Este Loveship Hateship não chega a ser um grande filme, mas é bom. E a melhor coisa que ele tem, disparado, disparado, é a interpretação dessa fantástica, camaleônica Kristen Wiig como a personagem central. Só uma atriz com as características dessa moça poderia interpretar essa jovem fadada ao insucesso que ousa brigar com os fados – e derrotá-los. Nasceu em 1973, no interior do Estado de Nova York, descendente de ingleses, escoceses e irlandeses. Passou pelo famosérrimo programa humorístico da TV Saturday Night Live em 2008 e 2009 e naquele ano foi colocada na lista das 25 mulheres mais engraçadas de Hollywood feita pela Entertainment Weekly. Também por sua participação no Saturday Night Live, teve nada menos de seis indicações ao Primetime Emmy – o Oscar da TV. O que é outra prova de sua versatilidade – já que está maravilhosa neste drama pesadíssimo, sombrio. O primeiro filme em que teve um papel de alguma importância foi Ligeiramente Grávidos (2007). Em 2012, foi uma das roteiristas e uma das atrizes de Missão Madrinha de Casamento/Bridesmaids – e foi indicada tanto ao Oscar de melhor roteiro original quanto ao Globo de Ouro de melhor atriz em comédia ou musical. É necessário registrar que uma atriz extraordinária, das melhores que já houve em Hollywood, faz um pequeno papel neste filme. A fantástica – e também camaleônica – Jennifer Jason Leigh interpreta Chloe, a mulher com quem Ken está tendo um caso em Chicago. Chloe é uma drogada que ajuda Ken a se afundar mais e mais na apatia, na inação. Então, para encerrar: este Amores Inversos é um filme pesado demais – mas que, surpreendentemente, revela ao final uma radiosa esperança na capacidade do ser humano de melhorar. Apesar disso, não é um filme que deva ser visto em momentos em que o eventual espectador está triste, pra baixo. Ler sobre os filmes aqui em geral é muito melhor do que vê-los. E vc tem esse jeito de ir contando e informando ao mesmo tempo que é o que há!!! Mas quero te sugerir um desafio, quem sabe te diverte também: criar uma sessão aqui que conte a história dos filmes em uma frase só. Psicose: secretária dá golpe no patrão, foge com o dinheiro e vai parar numa espelunca de beira de estrada onde acaba morta por fulano, louco de pedra que mantém o esqueleto da mãe no sótão há anos. Mas eu jamais conseguiria resumir em uma frase a história de um filme. Eu sou o contrário disso, da capacidade de síntese… Mas você poderia assumir esse desafio, e, sempre que entrasse aqui um filme que você viu, escreveria uma sinopse. Mas sem contar o final das histórias, que aí é sacanagem, ne? |
Não é dos melhores da nova safra do cinema argentino, mas, como essa nova safra é excelente, mesmo este filme menor dela tem qualidades. É bem feito, como tudo que los hermanos têm feito ultimamente, com boas atuações. E, como a maioria dos demais filmes argentinos dos últimos anos, consegue falar ao mesmo tempo do macro e do micro, mistura a história pessoal de seus personagens com o pano de fundo da grande História, a situação sempre difícil de um país eternamente à beira de uma crise econômica, ou saindo de uma, ou entrando em outra. O personagem central é um motoqueiro que trabalha numa loja de entregas, a do título; depois que o irmão emigra para a Espanha, em busca de vida melhor, fica sozinho na sua casa da periferia de Buenos Aires. Generoso, oferece um quarto para uma bela moça que trabalha como frentista num posto de gasolina vizinho; a moça acaba trazendo para a casa a filhinha, a mãe e o pai – um golpista que vai tomando conta da casa e instala ali uma fabriqueta de churros. Impotente, sem saber direito o que fazer, o rapaz vai engolindo os sapos, um atrás de outro. Aparentemente, foi o primeiro filme do diretor e co-roteirista Leonardo Di Cesare, um rapaz nascido em 1968. |
É uma pena que o diretor erre a mão, exagere demais ao criar cenas da mais abjeta violência. Tirando isso, no entanto, é um daqueles assustadores panoramas de como é imbecil a vida numa pequena cidade do maior Império do planeta. O retrato que o cara faz do absurdo de parte da sociedade americana chega a parecer com Caçada Humana/The Chase, do grande Arthur Penn. Todas as pessoas são loucas ou profundamente infelizes ou vazias ou tudo isso junto; não há absolutamente ninguém que não seja ruim da cabeça e doente do pé; a violência está presente em tudo, a todo momento. A inventividade do roteiro é descrever sob várias diferentes perspectivas – em cinco histórias que aparentemente não têm nada uma a ver com a outra, mas que de alguma maneira se entrelaçam – um acidente de carro acontecido exatamente às 11h14 da noite, o motivo do título. As histórias são assim: um motorista bêbado (Henry Thomas, que no passado foi o garotinho de E.T., de Spielberg) bate em alguma coisa sob uma ponte, numa estrada; um garoto rouba uma loja, com a ajuda de uma amiga que trabalha ali (o papel de Hilary Swank); uma garota (Rachel Leigh Cook) que só pensa em sexo e dá mais que chuchu na cerca diz que está grávida e tenta conseguir dinheiro para fazer um aborto; um homem (Patrick Swayze) acha um cadáver jogado em um cemitério e tenta sumir com ele; três rapazes dirigindo uma caminhonete atropelam uma mulher, e, na batida, um deles perde um pedaço de seu pau, que cai na rua. Foi o primeiro longa-metragem do diretor e roteirista Greg Marcks, que tinha então apenas 27 anos; antes deste filme, que é de 2003, ele havia feito um curta-metragem, Lector, em 2000, que ganhou dez prêmios. Parece que o filme foi produzido graças a Hilary Swank, essa boa atriz feia mas que ultimamente tem se achado bonita e gostosa. (Em Dália Negra, de Brian De Palma, por exemplo, ela está toda vamp.) Ela já havia ganho o Oscar de melhor atriz por Meninos Não Choram/Boys Don’t Cry, em 1999, e era portanto um nome bom de bilheteria; leu o roteiro, gostou muito de um personagem e topou trabalhar no filme; a partir daí o garoto conseguiu atrair outros atores de nome, e grana para filmar. Só em 2008 Greg Marcks voltaria a dirigir: fez um thriller chamado The Gift, com Edward Burns, Ving Rhames e Martin Sheen. |
Raras vezes na história tanta gente de talento e respeito se reuniu para fazer um filme tão absolutamente idiota. O diretor é o irlandês Neil Jordan, que eu pessoalmente acho bastante irregular, mas é celebradíssimo, vencedor de um Oscar (pelo roteiro original de Traídos pelo Desejo/The Crying Game, de 1992) e de 31 outros prêmios, fora 29 outras indicações. O roteiro se baseia numa peça francesa, La Cuisine des Anges, a cozinha dos anjos, de Albert Husson, que já havia sido a origem de um filme homônimo, Não Somos Anjos/We’re no Angels, dirigido em 1955 pelo grande Michael Curtiz, o autor de Casablanca, e estrelado por Humphrey Bogart, Peter Ustinov, Aldo Ray, Leo G. Carroll e Joan Bennett. No original e no filme de Michael Curtiz, três prisioneiros conseguem escapar da Ilha do Diabo, junto da Guiana Francesa, às vésperas do Natal, acabam invadindo a casa de uma família e – surpresa! – se tomam de amores por ela. Para criar uma nova trama a partir da idéia básica da peça, os produtores chamaram nada menos que David Mamet, grande, brilhante dramaturgo, roteirista e diretor. Se de Neil Jordan eu, pessoalmente, desconfio um pouco, de David Mamet sou fã de carteirinha. Como se não bastassem todos esses nomes já mencionados, ainda tem mais um: George Fenton, um dos grandes compositores do cinema nas últimas décadas, autor de lindíssimas trilhas para diversos filmes importantes (Ligações Perigosas, O Pescador de Ilusões, Terra de Sombras, Terra e Liberdade), compôs a música. Com uns 15 minutos de filme, já dava para ter certeza plena: o filme é uma absoluta porcaria. Nada funciona, é tudo ruim, grotesco, imbecil – é um insulto ao currículo de tanta gente boa envolvida na produção, e, em especial, um insulto à inteligência do espectador. Poderíamos perfeitamente ter parado de ver, com a tranqüila certeza de que não estaríamos perdendo nada que prestasse. Acabamos vendo até o fim – e tudo só vai ficando mais bobo, a mesma piada sem graça se repetindo de novo e de novo e de novo. Não sei como, mas ele conseguiu criar uma trama idiota, babaca: dois dos três fugitivos, os interpretados por De Niro e Penn, acabam sendo confundidos por padres famosos, autores de importante livro, e são recebidos como heróis num mosteiro numa cidadezinha americana junto da fronteira do Canadá, nos anos 30, no fundo da Grande Depressão. A piada – os bandidos fugitivos são instados a fazer alguma declaração ou oração, não sabem o que dizer, acabam dizendo uma asneira qualquer e todos os religiosos babam como se aquilo fosse expressão de grande sabedoria – não tem graça alguma, devido à total falta de sentido, de lógica, de verossimilhança. A personagem da mulher interpretada por Demi Moore não tem qualquer sentido, não se sustenta, é uma caricatura. Mas a caricatura mais grotesca de todas é a que De Niro cria. De Niro passa o filme inteiro com uma careta babaca esculpida no rosto. Como é possível que um ator com o talento de De Niro, o cara que fez Taxi Driver, O Touro Indomável, A Missão, Coração Satânico, tenha se permitido ser tão ridículo? Como é possível que o diretor Neil Jordan, que afinal de contas é experiente, testado, tenha permitido aquilo? Mistério neste mundo de mistérios – embora o maior mistério seja haver mistérios, como diz Renato Teixeira. Algum fanático anti-religioso pode até enxergar no filme uma saudável gozação das crenças católicas. Para fazer crítica é preciso alguma inteligência – coisa de que o filme passa muito longe. Leonard Maltin dá 1.5 estrela em 4, e usa uns adjetivos que vou ter que catar no dicionário. Lumbering, dimwitted (essa até que dá pra sacar – wit é inteligência, dim deve funcionar como sem, não possuidor), lugubrious. Olhe, é isso aí – mesmo antes de ver exatamente a acepção dos adjetivos, já concordo: eta filmezinho lumbering, dimwitted e lugubrious. “Desajeitada comédia sobre uma dupla de condenados estúpidos que inadvertidamente escapam da prisão e encontram refúgio fazendo-se passar por padres em visita a um santuário próximo. De Niro, que também foi produtor executivo, faz caretas como nunca antes. Bela direção de arte não consegue compensar o roteiro lúgubre de David Mamet, ‘sugerido’ pela peça que já havia sido filmada em 1955.” Não é sempre que concordo com as opiniões de Leonard Maltin, mas acho que desta vez ele acertou em cheio. E lugubrious, obviamente, é lúgubre – belo adjetivo para este que é certamente o pior texto que Mamet já cometeu em toda a sua vida. Dá 3 estrelas em 4, e elogia as caretas dos dos grandes atores. Diz que na verdade os dois personagens centrais estão fugindo é de um filme dos anos 30 sobre prisões. Como deu empate, recorro ao Guide des Films de Jean Tulard. Hêhê: ele mata em uma frase só, depois de uma rápida sinopse. “Jordan + Mamet + De Niro – um filme consternador, apesar de tais créditos e Demi Moore no auge”. O que é verdade: o personagem que ela interpreta não faz sentido, e a câmara do diretor Neil Jordan não pára muito sobre ela, mas Demi Moore está no auge da beleza. […] Barbican Centre, em Londres), jamais me esqueci da frase dita por Harry para o grande amigo Jess (Bruno Kirby), que está para se casar com a grande amiga de Sally, Marie (Carrie Fisher): – “Anotem seu […] |
Não é, de jeito nenhum, um filme gostoso nem fácil de ver, este Days of Wine and Roses, no Brasil Vício Maldito, que Blake Edwards dirigiu em 1962. É um grande filme, um filmaço – mas não é, repito, prazeroso de se ver. É uma angustiante viagem ao fundo do poço do alcoolismo – e o espectador é obrigado a entrar nela, pela maestria da direção, pelo estilo realista, cru, e pelas interpretações extraordinárias de Jack Lemmon e Lee Remick. Como na vida real, não se chega ao fundo do poço do alcoolismo de maneira rápida, abrupta. Os créditos iniciais mostram rosas ao fundo, enquanto vamos vendo os nomes dos atores, da equipe, ao som da canção criada para o filme por Henry Mancini, com letra de Johnny Mercer, que viraria um clássico e teria vida independente do filme. Seria gravada por Frank Sinatra, Tony Bennett, Andy Williams, Perry Como, mais tarde Cassandra Wilson; viria a ser, como diz a Wikipédia, “a jazz standard”, um clássico da Grande Música Americana, como uma obra dos irmãos Gershwin, de Cole Porter ou de Irving Berlin. Nos créditos iniciais, a canção vem com a orquestra de Henry Mancini e afinadíssimas vozes femininas, que cantam os versos bem construídos de Mercer – “The days of wine and roses laugh and run away like a child at play / Through a meadow land toward a closing door”. Uma linda moça de faiscantes olhos azuis – e o homem se irrita com ela A primeira sequência se passa em um belo e amplo bar, superpovoado por homens de terno e gravata. Joe Clay (o personagem interpretado por Jack Lemmon) tem um copo na mão, mas ainda está trabalhando. Um amigo deu a ele o telefone de uma moça, e ele liga para ela, convida-a a ir, no final da tarde seguinte, a uma festa no iate de um príncipe árabe. Às 18h30, no cais número tal, uma lancha estará esperando para levá-la até o iate. Enquanto fala ao telefone, tampando o outro ouvido por causa do vozerio do bar, Joe pede outra dose ao barman. Veremos que a cidade é San Francisco, e que Joe trabalha numa grande agência como relações públicas. The public relations man, como será definido num diálogo logo adiante. Seu trabalho inclui recrutar moças bonitas, atraentes, que saibam se vestir bem, e levá-las a festas promovidas por ou para alguns de seus clientes. Às 18h30 do dia seguinte, ele está numa lancha num dos cais de San Francisco em meio a seis belas mulheres, vestidas para festa noturna, embora ainda seja dia. Chega então de táxi uma moça loura, de faiscantes olhos azuis. (Os olhos de Lee Remick são tão faiscamente azuis que a gente vê a cor deles mesmo no preto-e-branco deste filme, e também no de dois outros grandes da mesma época, Escravas do Medo/Experiment in Terror, do mesmo Blake Edwards, do ano seguinte, 1963, e Anatomia de um Crime, de Otto Preminger, de 1959.) É linda, mas não está vestida para festa para agradar aos amigos de um príncipe árabe. Usa roupas elegantes, mas formais, do tipo que se usa em escritórios. Irritado, em voz alta, Joe dá bronca nela: – “Você está atrasada. Kirsten Arnesen – veremos que esse é o nome da personagem interpretada por Lee Remick – não dá a mínima bola para aquele sujeito. Quando a lancha encosta no belo iate, ele ainda tenta dar uma bronca nela. Ela embarca primeiro no iate, e entrega alguns papéis ao homem que está ali para receber as moças. Trayner (Jack Albertson), que vem a ser o cliente de sua agência, o homem de negócios que, por algum motivo, quer agradar o príncipe árabe levando para seu iate meia dúzia de louras elegantes, gostosas – e que topam um programa. Trayner cumprimenta o homem de relações públicas, e comenta que ele então já havia conhecido sua secretária, Kirsten. A primeira fala de Kirsten-Lee Remick é: – “Bem, não oficialmente. Mas Trayner já nem estava prestando atenção: olhava para as moças que Joe havia trazido. Joe tinha dado um tremendo fora com a secretária de seu cliente, mas seu cliente parecia satisfeito com o material que ele trouxera para o iate. Solitária, Kirsten aceita o convite de Joe e saem para jantar No dia seguinte, um arrependido Joe vai ao imenso escritório da empresa de Trayner, levando um presentinho para a secretária que ele havia confundido com uma das acompanhantes, escort girls, call girls, party girls. O termo exato – puta – não será usado em momento algum, embora Joe mais tarde vá usar a palavra pimp, cafetão, para descrever a si próprio. O segundo encontro entre Joe e Kirsten é tão desastrado quanto o primeiro. Kirsten mantém-se fria, distante – e, além de tudo, detesta biscoitos de amendoim, o presentinho escolhido por Joe como uma oferta de paz. Depois de alguns momentos extremamente embaraçosos, no entanto, de repente Kirsten muda completamente de atitude e resolve aceitar o convite para jantar com aquele sujeito que havia sido grosseiro, mal educado. É uma mudança de atitude sem dúvida brusca demais, exageradamente brusca, e até um tanto inverossímil. Veremos depois que Kirsten – apesar de sua beleza espantosa – é uma jovem muito solitária; chegou há pouco a San Francisco, ainda não tem amigos, mora sozinha num apartamento que segundo ela é cheio de baratas. Havia sido criada ali mesmo, na região da Baía de San Francisco, mas na área rural. Seus pais, imigrantes noruegueses, sempre viveram de vender flores, plantas e pequenas árvores que cultivam no seu sítio. Poucos meses antes, ela havia se cansado de viver na área rural e se mudado para a cidade. Vão jantar juntos, aqueles dois seres solitários, depois de terem sido extremamente ríspidos um com o outro. Joe levanta-se, vai até o barman e encomenda sem que ela ouça um Brandy Alexander – conhaque e chocolate. A princípio, Kirsten não quer, mas Joe insiste: é especial, tem chocolate. É difícil ver Days of Wine and Roses e não lembrar de The Lost Weekend, que Billy Wilder lançou em 1945, 17 anos antes, portanto, do filme de Blake Edwards. No Brasil, The Lost Weekend recebeu o título de Farrapo Humano. Os exibidores brasileiros gostavam de títulos dramáticos, exagerados, com um gosto de tango argentino ou bolero mexicano. O personagem de Ray Milland na obra-prima de 1945 é, sim, um farrapo humano, e o vício é mesmo maldito. “Lost Weekend moderno passado em San Francisco, com Lemmon se casando com Remick e a levando ao alcoolismo”, define Leonard Maltin em sua resenha, que vem acompanhada da cotação de 3.5 estrelas em 4. “Direção realista e texto sem meios-termos se combinam para dar excelente resultado.” O CineBooks’ Motion Picture Guide – que dá ao filme 4 estrelas em 5 – diz: “De tempos em tempos Hollywood decide fazer um filme sobre alcoolismo. Ray Milland em The Lost Weekend (1945) foi um, Jimmy Cagney em Come Fill the Cup (1951) foi outro, e o retrato de Lemmon como um cachaceiro deve figurar junto com os citados anteriormente.” (O termo que o CineBooks’ usa é boozer, de booze, o substantivo para designar bebida de uma maneira geral, com um tom depreciativo. Gosto de usar cachaça como sinônimo de booze; mais que aguardante de cana, pinga, o substantivo cachaça é a designação genérica de qualquer bebida forte.) Me deixou indignado essa forma com que o CineBooks’ se refere ao filme. Como se fosse um absurdo que houvesse mais de um filme sobre alcoolismo. A cada ano são feitas centenas de filmes sobre assassinos, ladrões, bandidos das mais variadas espécies. Há mais filmes sobre bandidos do que sobre gente como a gente, gente comum – e não há no mundo mais bandidos do que gente como a gente. E seguramente há muito mais bêbados no mundo do que assassinos. Na minha opinião, este é um dos dois melhores filmes sobre alcoolismo jamais feitos Nunca vi esse filme de 1951 com James Cagney, e na verdade jamais tinha ouvido falar dele. Degradação Humana, chamou-se no Brasil, confirmando o que eu disse sobre a escolha de títulos que parecem nomes de tango. Foi dirigido por Gordon Douglas – um realizador mediano, não mais que isso. Na minha opinião, The Lost Weekend e este Days of Wine and Roses são os dois melhores filmes já feitos sobre alcoolismo. E na verdade todos eles têm qualidades intrínsecas, são bons filmes fora o fato de abordar esse tema fundamental. O inferno do alcoolismo a dois consegue ser pior do que o de um único cônjuge Days of Wine and Roses tem uma importância especial: é o único desses filmes citados acima que trata do alcoolismo quando ele se transforma numa doença do casal, uma espécie, bastante deletéria, de folie à deux. Em The Lost Weekend, o personagem de Ray Milland enfrenta o inferno sozinho. Dos filmes sobre alcoolismo que conheço, este aqui é o único que mostra um casal em que um alimenta o vício do outro. O inferno do alcoolismo a dois, mostrado no filme de Blake Edwards, consegue ser pior do que o de um único cônjuge. Regina Lemos dizia que os encontros não são uma pessoa + uma pessoa. Um casal não é uma simples soma – o que uma pessoa mais outra juntas formam depende de diversos fatores. Cada relação se constrói de acordo com a forma com que se combinam as características individuais. Podem ser duas pessoas positivas mas que, juntas, formam uma união que rola escada abaixo; e às vezes pode haver um encontro de uma pessoa que tende mais para a tristeza com outra, que, com a união, forma um casal que vê a vida com a tendência de ir morro acima. O que o filme de Blake Edwards mostra é exatamente isso. Quando dois viciados se unem, a tendência é que ajam como náufragos: o mais desesperado vai sempre puxar o outro para baixo. A seqüência da recaída, dos dois desesperados que puxam um ao outro primeiro para a rápida euforia que a cachaça dá, e em seguida para o fundo do poço, e que acontece quando o filme está bem no meio, é uma das coisas mais pavorosas que já vi no cinema – e talvez até na vida real. Pensei seriamente em parar de rever o filme – ou em dar um fast forward para não enfrentar tanta dureza, tanta angústia, tamanho desespero. Se na vida fosse possível dar fast forward como se dá nos filmes, que maravilha seria a vida. No momento em que estamos em algum dos muitos fundos de poço com que a vida nos brinda, simples – apertamos uma tecla, vamos para o capítulo seguinte. Aquela sequência em que Joe-Jack Lemmon vai até a estufa à procura da terceira garrafa é uma das mais tristes, desesperadas, angustiantes, dolorosas, doloridas que há no cinema. E aí talvez o espectador pense que já chegou ao fundo do poço. A seqüência do motel, bem mais tarde, é ainda mais furiosamente angustiante, desesperante. O filme realça, sem meios-termos, para usar a expressão de Leonard Maltin, como é impossível a convivência de um viciado com um viciado que tenta ficar limpo. Para quem está bêbado, é uma afronta, um acinte, uma agressão o fato de o ex-companheiro de bebedeira não estar bebendo. Essas duas sequências – a da primeira recaída, que prossegue na estufa, e a do motel – são de doer, de doer feio, fundo. São extraordinariamente belas, em termos de arte – e extraordinariamente cruéis, dolorosas. Eu pessoalmente conheço alguns casos de gente bem próxima de mim, e digo a eles todas as aleluias que podem ser ditas. Billy Wilder, um artista que era tudo menos um otimista, um believer, evidentemente não tinha interesse algum em arranjar um happy ending para o bêbado interpretado por Ray Milland em The Lost Weekend. No entanto, foi forçado pelo estúdio, pelos produtores, pelos distribuidores, a inventar um final feliz – uma coisa que não combina em nada com todo o resto do filme. Pode ter sido uma questão de tempo: em 1962 as coisas talvez fossem um pouco melhores do que eram em 1945 entre criador de um lado e, de outro, os produtores, a maior ou menor rigidez da censura, as normas de comportamento da própria sociedade. Não chega a não ser o horror dos horrores, como foi, por exemplo, o fim de À Procura de Mr. Goodbar/Looking for Mr. Goodbar, maravilha de filme que Richard Brooks fez em 1977. Mas, ao contrário do filme de Billy Wilder, e exatamente como Billy Wilder gostaria de ter feito, Days of Wine and Roses passa longe do final feliz. E aí repito: a possibilidade de happy ending para os viciados é pequena. Melhor, muito melhor seria sair fora antes que a queda no inferno fosse inevitável. Depois da submissão total ao vício, é difícil imaginar enfrentar a vida sem a droga. Days of Wine and Roses mostra isso com todas as letras. Jack Lemmon e Lee Remick foram indicados ao Oscar, mas não levaram A frase ‘dias de vinho e rosas” vem – como a personagem interpretada por Lee Remick mostra – de um poema. Out of a misty dream Our path emerges for a while, then closes Within a dream.” Segundo a Wikipedia, são versos do poema “Vitae Summa Brevis”, de autoria de Ernest Dowson (1867–1900). O filme teve cinco indicações ao Oscar: ator para Jack Lemmon, atriz para Lee Remick, direção de arte em preto-e-branco, figurinos em preto-e-branco, canção. Muitas canções vencem o Oscar e desaparecem na poeira da história. “Days of Wine and Roses”, como já se falou lá acima, virou um clássico, um standard; poderia não ter levado o Oscar, viraria standard do mesmo jeito. Teve quatro indicações ao Globo de Ouro – filme na categoria drama, direção, atriz, ator. Jack Lemmon concorria com Peter O’Toole em Lawrence da Arábia, Burt Lancaster em O Homem de Alcatraz, Marcello Mastroianni em Divórcio à Italiana e Gregory Peck em O Sol é para Todos. Gregory Peck, interpretando Atticus Finch, um dos personagens mais extraordinários já mostrados em um filme, levou o prêmio. A disputa pela estatueta de melhor atriz era tão dura quanto a pela de melhor atriz. Lee Remick disputava com Katharine Hepburn em Longa Jornada Noite Adentro, Bette Davis em O que Aconteceu com Baby Jane?, Geraldine Page em Doce Pássaro da Juventude, e Anne Bancroft em O Milagre de Annie Sullivan. Anne Bancroft, em um desempenho extraordinário, um tour-de-force absurdo, levou o prêmio. Ao ver o nome desses atores e desses filmes que concorriam aos Oscars de 1962, é difícil não pensar aquela coisa: como o cinema já foi melhor. Mas isso pode ser só bobagem de velhinho nostálgico – embora eu não seja nostálgico. Sou velhinho, mas nunca fui e não sou nostálgico, de forma alguma. Para encerrar, gostaria de situar cronologicamente Days of Wine and Roses na obra desse realizador talentosíssimo que não tem o devido reconhecimento. Blake Edwards tem uma filmografia ampla que passa pelos mais diversos gêneros. É autor ou co-autor de 66 roteiros, e dirigiu 47 filmes. Acabou tendo seu nome associado mais aos filmes da série A Pantera Cor-de-Rosa, mas, da mesma maneira com que fez comédias engraçadíssimas, soube fazer belíssimos dramas. Em 1961 fez Bonequinha de Luxo/Breakfast at Tiffany’s, aquele luxo absoluto. Em 1962, fez dois dramas em preto-e-branco, ambos com Lee Remick – este Days of Wine and Roses e o ótimo Escravas do Medo/Experiment in Terror. Ela, além de ótima atriz, era também uma mulher muito linda. Mas, “Farrapo Humano” já assisti tres vezes; duas na TV e uma em filmes online. “Days of Wine and Roses” nem é preciso dizer o quanto esta música é linda , lindíssima. Tenho esta musica em LP – é, ainda os guardo – com ele ( Mancini ) e também com Ray Conniff, para mim, o maior de todos. Aliás , me desculpe Sergio mas , as vozes femininas maravilhosas que voce cita nos créditos iniciais não seriam das ” meninas ” do coral de Ray Conniff ? Me desculpe , por favor mas, é só curiosidade e confirmação ou não. Como eu disse, ainda não vi o filme mas existe um clipe no Youtube que mostra esse trecho da abertura do filme e a musica com o Conniff. Ainda tenho esperanças de ver este filme via online ou no TCM ou no CULT, quem sabe ? As letras de Mercer foram muito bem colocadas, como apontado por você, Sérgio. Na continuidade, da sua citação, “towards an open door, that wasn’t there before”, tem-se uma fantástica descrição da evolução da drogadição: ela parece “abrir uma nova porta para a vida”, uma porta que não estava lá; porém, ultrapassados seus umbrais, ela fecha-se miseravelmente e o indivíduo vê-se aprisionado. O poema é maravilhoso, porque diz muito mais do que aquilo que está escrito! […] ao longo da narrativa, tanto quanto bebe o casal interpretado por Jack Lemmon e Lee Remick em Vício Maldito/Days of Wine and Roses (1962), tanto quanto bebe o personagem feito por Ray Milland em Farrapo Humano/The Lost Weekend […] |
A caixinha do filme diz que o filme ganhou o Urso de Ouro em Berlim, 1995. Acho muito incenso, desproporcional ao que o filme é – mais um filme francês mostrando as barreiras sociais e como os jovens da classe média e média-alta são amorais, ambiciosos, egoístas, sem qualquer tipo de valor moral. (Assim, sem fazer esforço, dá pra lembrar Um Estranho na minha Casa, com Belmondo e Cristiana Reali, Viver e Amar, que vi no final de 1996 no cabo e Loulou, aquela bobagem; isso sem falar em Os Ladrões, do Téchiné, em tudo superior a este da Tavernier.) Os atores são bons, inclusive os três jovens principais; a violência é mostrada de forma crua e forte que incomoda o espectador, dá engulho; Tavernier usa muita câmara de mão e planos longos, bem feitos; há uma óbvia denúncia da desestruturadora influência da cultura americana, especialmente os filmes que exaltam a violência. Nathalie tem 18 anos, é classe média média, trabalha numa loja de roupa, mora em apartamento que ganhou da mãe e sonha vagamente com a possibilidade de virar manequim ou cantora ou atriz – e Tavernier parece dizer que esse é o sonho de toda menina parisiense. É tida como burrinha; não é capaz de entender piadas, por exemplo. É despreocupadamente amoral; frequenta um bar elegante, usa o maître para marcar encontros com homens ricos ou influentes que possam eventualmente ajudá-la na vida; nos encontros, nunca chega às vias de fato, mas usa todas as armas para seduzi-los com a implícita possibilidade de um novo encontro no futuro. Numa agenda, guarda os cartões dessas pessoas ricas, com anotações sobre os contatos e os bens materiais que elas possuem. Nathalie mora com o namorado, Eric, filho de judeus ricos que querem que ele arranje trabalho, e por isso vão diminuindo a mesada, cortando a conta bancária. Eric (como tantos outros jovens da classe média e da média alta mostrada nos filmes franceses) não acredita em hard work. Assiste sem parar a filmes americanos (diz que os filmes franceses são chatos), em geral thrillers cheios de violência, e quer ficar rico rapidamente, e ir para os Estados Unidos, onde será dono de uma rede de lojas, não importa bem de quê. Eric tem uma relação não bem explicada com Bruno, um rapaz pobre, humilde, um excluído, que resolveu acolher – na casa de Nathalie, bem entendido. (À casa dos pais ele não leva Bruno; sequer leva Nathalie – o que a deixa grilada.) Eric e Bruno resolvem juntar capital pra vencer na América roubando. A idéia é que ela marque encontro com algum desses homens em sua casa, e dê um jeito de deixar as portas abertas para que os dois entrem e roubem. Depois de algumas tentativas frustradas, entram na casa de um advogado; quando não encontram dinheiro nem cofre com fortunas, começam a espancar o pobre homem; para não dar na vista que Nathalie era a isca, a amarram também, e a levam para outro cômodo; para amedrontá-lo, dizem que mataram Nathalie; como ele não diz onde guarda sua fortuna (seguramente porque não tem fortuna alguma em casa), e ele suspeitaria da armação se visse Nathalie viva, resolvem matá-lo. O serviço é executado por Bruno, enquanto Nathalie põe fone de ouvido e ouve música alto no cômodo ao lado. Não há remorso, não há crise de consciência, não há absolutamente nada parecido com isso. Para os jovens parisienses de hoje, parece dizer o Tavernier, a vida humana é como mostram os filmes americanos: vale tanto quanto a vida de uma barata, ou uma pulga. Nathalie faz muxoxo de criança enquanto ouve música para não ouvir os gemidos de dor do homem que ela atraiu para o assalto e primeiro está sendo espancado e depois assassinado. Há um segundo assassinato, que cabe, pela regra da alternância lembrada por Bruno, a Eric. A vítima (interpreta pelo lelouchiano Richard Berry) tenta amolecer Eric, dizendo que é judeu como ele, que tem um filho de cinco anos; Eric não consegue matar com revólver, e pede a Bruno que vende os olhos e a boca da vítima; executa o serviço com 30 golpes de estilete. Se você não viu o filme, não leia a partir de agora Nathalie começa a dar sinais de enfado, não por qualquer razão moral, mas porque o cheiro deles depois dos assaltos e assassinatos não é bom, e incomoda muito a ela o fato de eles usarem seu bidê para lavar as roupas manchadas de sangue. Conta o que aconteceu para uma amiga, Karine, sem qualquer preocupação de que ela possa contar à polícia. Depois de tentar negar autoria durante algum tempo, conta tudo, assegurando que não fez nada, que os dois é que fizeram tudo. Close no rosto dela (é uma atriz bonitinha, nada esplendoroso, mas bonitinha, de uma beleza bem comum, bem gostosinha, tipo mignon). Depois de assinar a confissão, ela se vira para cima, para o policial que está de pé, e diz: “Bem, agora que já acabou tudo eu posso ir embora, não é? |
As Palavras/The Words é um filme que fala sobre livros – livros, e honestidade. O nome do filme é o nome de um livro que um dos personagens está lançando, e que, por sua vez, conta a história de um escritor que está lançando um livro. Fascinantemente, As Palavras não se baseia em um livro, e sim numa história original escrita para o cinema. E, na minha opinião, a melhor qualidade desse filme sobre palavras, livros, é a trilha sonora, de autoria de Marcelo Zarvos. Leio os parágrafos acima para Mary, aqui ao lado, e ela não concorda: diz que a trilha sonora é, sim, belíssima, mas que o filme tem muitas outras qualidades. Não discordo dela neste ponto específico: o filme tem muitas qualidades. Mas, na minha opinião, a trilha de Marcelo Zarvos é a maior delas. Dos filmes que vi recentemente, duas trilhas me impressionaram de maneira especial: a de W.E. – O Romance do Século, de Madonna, sobre o romance da americana Wallis Simpson com o príncipe Edward, depois rei Edward VIII da Grã-Bretanha, e a deste As Palavras. Da mesma maneira que W.E., da mesma maneira que nove entre dez filmes recentes, As Palavras não tem créditos iniciais. A moda de não haver créditos iniciais pegou de vez, não tem jeito. E então o pobre coitado do espectador ou bem examina a ficha técnica do filme que vai ver na internet – e aí corre o risco de ver spoilers absurdos, porque muitas sinopses insistem em contar coisas sobre a trama que o filme só vai revelar lá pela metade –, ou bem vê o filme sem saber quem dirigiu, quem são os atores, quem fez a música, quem fez a fotografia. Exatamente como havia acontecido com W.E., vi As Palavras impressionado com a trilha sonora – e sem saber quem era o raio do compositor. Não levava jeito de ser um dos mais manjados compositores americanos, tipo John Williams ou Hans Zimmer. Parecia mais um europeu – ou um americano próximo do erudito, como Philip Glass. O autor da trilha sonora de W.E. não era nenhum desses nomes – era de alguém de quem eu nunca ouvira falar, Abel Korzeniowski, um polonês da Cracóvia. Quem escreveu a maravilhosa trilha de As Palavras – o espectador fica sabendo depois que o filme termina – é Marcelo Zarvos. Marcelo Uchoa Zarvos, nascido em São Paulo em 1969, um ano depois que cheguei à cidade da qual não saí mais. Aparentemente, saiu de São Paulo tão jovem quanto eu cheguei, e radicou-se nos Estados Unidos, onde estudou no Berklee College of Music. Sua página pessoal na internet – em inglês, naturalmente – diz que ele é um pianista e compositor brasileiro que tem escrito para praticamente todos os meios, de dança às salas de concerto, filmes, televisão e teatro. É extraordinário: uma busca no site 50 Anos de Filmes localiza sete filmes com trilha sonora assinada por Marcelo Zarvos. E aí pergunto, à toa: quantas reportagens sobre Marcelo Zarvos o eventual leitor já viu nos jornais e revistas e TV? Um escritor faz a leitura do início de seu livro para um auditório cheio A primeira tomada de As Palavras, enquanto o espectador ouve a música envolvente, impressionante, de Marcelo Zarvos, mostra uma mesa organizadíssima em um belo escritório, em que está um livro de capa dura, grosso, cujo título é absolutamente visível: Recolhe as poucas coisas que havia sobre a mesa – uma caderneta com algumas fichas anotadas, um chaveiro, uma caneta, o livro. Corta, e na tomada seguinte vemos que o personagem é interpretado por Dennis Quaid. Ele se olha no espelho, dá mais um acertozinho na gravata. A tomada ainda é esta – Dennis Quaid se olhando no espelho -, mas já ouvimos palmas. O diretor do filme, seja ele quem for, porque o espectador só saberá seu nome nos créditos finais, daí a 95 minutos, usa aquele recurso espertinho, aquele suave fogo de artifício, de colocar numa tomada anterior o som de ação que só irá acontecer na tomada seguinte. As Palavras foi escrito e dirigido por uma dupla, Brian Klugman e Lee Sternthal. Os dois são também os autores do roteiro original deste filme sobre palavras, escrito diretamente para o cinema, e não para as páginas de um livro. Plano geral do momento seguinte: vemos Dennis Quaid de costas, diante de um auditório de bom tamanho, lotado. As palmas que se insinuaram no plano anterior continuam, é claro – agora é que é a hora delas. Plano Americano no contracampo – vemos Dennis Quaid da metade do peito para cima, diante de dois microfones e uma pequena bancada. Plano Americano no contracampo – vemos Dennis Quaid da metade do peito para cima, diante de dois microfones e uma pequena bancada. A música de Marcelo Zarvos sobe – e vemos o que o livro que o autor começa a ler relata. A voz de Dennis Quaid, lendo as palavras que o personagem que ele interpreta, o escritor Clay Hammond, havia escrito, agora se sobrepõe às imagens que mostram a história que seu livro começa a contar. De alguma forma, parecia que os pingos da chuva não o atingiam.” É uma maravilhosa tomada, enquanto ouvimos Dennis Quaid-Clay Hammond com a voz agora em off: debaixo da chuva, a câmara faz um zoom da rua para a calçada, a entrada do hotel; vemos os personagens Roy Jensen e sua mulher Dora entrando na imensa limousine; o zoom continua, por sobre a limousine, o porteiro do hotel que acompanhou o casal até o carro já se foi, e então a câmara se aproxima do velho, com uma capa cáqui, chapéu cinza. Corta, e o velho está entrando em um pequeno quarto de hotel. O velho toma água da pia, a porta do pequeno armário aberta mostrando remédios. Ele fecha a porta do armário, vemos o rosto do velho refletido no espelho: é Jeremy Irons. Jeremy Irons estava com apenas 64 anos quando o filme foi lançado, em 2012. Ele é de 1948, só dois anos mais velho do que eu. Em As Palavras, aparece duramente maquiado para parecer muito, muito mais velho do que 64 anos. Se fizermos as contas, o personagem de Jeremy Irons – que não tem nome, é apenas O Velho – teria que ter nascido em torno de 1926. Se o filme se passa na época atual, na época em que foi feito, O Velho estaria então com uns 86 anos. Da tomada do velho diante do espelho, passamos para a limousine que transporta Rory e Dora Jansen (interpretados por Bradley Cooper e Zoë Saldana) para a cerimônia em que um prestigiadíssimo prêmio literário será entregue a Rory por seu livro de estréia, “As Lágrimas da Janela”. Uma mulher belíssima se aproxima do escritor no intervalo da leitura As Palavras conta a história de Clay Hammond, um escritor de sucesso que acaba de lançar um novo livro, chamado As Palavras, que por sua vez conta a história de um escritor, Rory Jansen, que acaba de lançar seu primeiro livro, As Lágrimas da Janela, que foi de imediato um tremendo sucesso de público e crítica. No livro de Clay Hammond, fala-se de cara de uma figura de um Velho – estranho? sinistro? misterioso? todas as alternativas anteriores – que é assim uma espécie de fantasma, de assombração, que está de olho no autor do livro dentro do livro. Para não dar spoiler, não vou adiantar mais nada da trama do filme que conta a história de um livro dentro de outro livro – a não ser que, quando Clay Hammond termina de ler a Parte Um de seu livro As Palavras, uma bela mulher entra na história. Ela chega à leitura do livro pelo autor depois que esta havia começado. E, de alguma maneira, consegue chegar à festa nos bastidores e se aproximar de Clay Hammond. Chama-se, veremos quando a narrativa já está bem adiantada, Daniella, e é interpretada por Olivia Wilde, essa jovem belíssima que parece ter chegado com tudo. Como se já não bastassem todos os livros dentro de livros, toda a metalinguagem. Depois do intervalo, Clay Hammond volta ao auditório, e lê para a audiência a Parte Dois de seu livro. Por que raios as pessoas pagam para ouvir um autor lendo seu livro? Me peguei pensando: mas isso de fato ocorre, nos Estados Unidos – leituras de uma obra pelo próprio autor? Centenas de pessoas pagam por uma cadeira em um auditório para ouvir o autor lendo seu próprio livro? Mas por que raios essas pessoas não vão simplesmente a uma livraria, compram o livro e o lêem em casa? Não tenho a mínima idéia de como as coisas acontecem naquela ilhota que é o umbigo do mundo, o umbigo do capitalismo, o umbigo do umbigo. Mas, em nome da lógica, me pergunto: faz sentido um autor ler, num auditório, dois terços de um livraço que parece ter umas 600 páginas, para um público pagante e aparentemente fascinado? Em As Palavras, o filme, me deixaram impressionado as interpretações de Bradley Cooper, Dennis Quaid e Jeremy Irons. Na minha opinião, são a melhor coisa do filme, depois da extraordinária trilha sonora de Marcelo Zarvos. Jeremy Irons é um ator soberbo, dos melhores que há, tenham eles 5 ou 90 anos. Um pequeno gesto, um simples olhar de Jeremy Irons é capaz de transmitir mais emoções do que duas dúzias de novelas da TV Globo. Me pareceu que Jeremy Irons optou, ao interpretar O Velho, por alternar dois tipos de atuação: uma suave, contida – nas cenas em que não fala – e outra suavemente exagerada – nas cenas em que O Velho conta sua história. Quando está overacting, cigarro nas mãos, na boca, parece estar brincando de exagerar. Jeremy Irons saberia fazer qualquer sotaque do mundo – exatamente como Meryl Streep, um ano mais nova que ele, que contracenou com ele em A Mulher do Tenente Francês. Dennis Quaid também me pareceu estar uma ou duas oitavas acima do tom. Mas isso é perfeito, porque seu personagem, afinal de contas, é um escritor de sucesso, e os escritores de sucesso e ego gigantesco costumam ser atores que interpretam tipos. A melhor interpretação do filme, me pareceu, é a de Bradley Cooper, esse jovem ator tão bem dotado, inclusive de fina estampa. Bradley Cooper me pareceu terrivelmente real no papel do escritor tomado por angústia, dúvida, amargura. Não vi ainda O Lado Bom da Vida, o filme pelo qual ele foi indicado ao Oscar de melhor ator, mas o fato é que sua interpretação como o pobre Rory Jansen me parece merecedora de tudo quanto é prêmio. Tem um detalhinho que adoro – o casal inter-racial, essa coisa que por lei foi proibida em diversos Estados americanos até meados dos anos 1960. Se houvesse mais mestiços no mundo, se fôssemos todos mestiços, talvez houvesse menos guerras, tumultos, cotas, pentelhações, palhaçadas, spikelees. É um filme que trata de honestidade, e de alguma maneira ele me deixou uma sensação de falsidade. Talvez as histórias do livro dentro do livro sejam menos interessantes do que deveriam ser. Talvez a coisa do imenso sucesso de um livro novo – que não conta uma história nada especial – tenha me incomodado. Talvez toda essa coisa de escritor que persegue o sonho de ser o novo Grande e Definitivo Autor Americano me canse um pouco Mas o fato é que Brian Klugman e Lee Sternthal têm talento. Quando fiz minha anotação, propositadamente não quis revelar nada do que acontece na trama a partir dos primeiros minutos. Tenho tido muito cuidado em evitar spoilers, e a trama de As Palavras é muito interessante, bem engendrada. Ao não revelar praticamente nada da história, no entanto, meu texto acabou ficando fraco, capenga, porque não aborda o tema principal do filme, a questão da honestidade. Foi o jeito que achei melhor para preservar os eventuais leitores de spoilers. Sobre um escritor ler para um auditório parte do livro também não vejo lógica. Eu não pagaria para isso, até porque não sou fã de que leiam pra mim, tenho dificuldade em me concentrar na leitura oral. Também gosto de casais inter-raciais, acho que estão cada vez mais comuns nos filmes. E que maravilha saber da existência desse músico brasileiro tão competente. Apos ver o filme duas vezes, fiquei muito impressionada, mas não com o fato da historia num todo e sim com o fato de não poder saber as palavras e a historia do ”tal” livro principal no roteiro do livro. assim como crepusculo a Bella lê um livro e ele existe Morro dos ventos uivantes, ou Harry Potter que le as cronicas de bardo. e todos existem de fato. teria como me ser informado se não existe mesmo, ou se existe o livro The window tears do filme As palavras ? Assim como a Jussara também não achei que o texto tenha ficado capenga nem fraco. Autor lendo parte de seu poróprio livro para uma platéia ? Tbm não vejo sentido e , nem pagaria para ver isso. Aliás, desde adolescente sempre achei bonito um negro casado – ou amigado ou seja lá o que fôr – com uma branca e vice-versa. A primeira vez que vi ” o velho ” , eu já sabia quem ele era. Além de livros e honestidade , este filme fala também de ética, felicidade e escolhas. ” Não se apaga o passado mesmo que se queira “. ” Minha tragédia foi amar mais as palavras do que amava a mulher que me inspirou para escrever ” . DAQUI EM DIANTE TEM SPOILER QUEM NAO VIU POR FAVOR , NAO LEIA . Achei que o fim do casamento Rory deveria ter sido mostrado. Achei tbm que ele se apaixonou tanto pela história , que queria sentir como se ele a tivesse escrito, que ele era o autor. Mas depois se deixa levar pelo que a esposa lhe disse e depois tbm pelo Joseph , aí , foi o xeque mate para ele. E isto me foi confirmado lá na frente quando ele já cheio de culpa conversa com a Dora. “Todos fazemos escolhas na vida , difícil é conviver com elas” . Achei a cena do trem , quando ele reencontra a Celia, muito tocante. Ali vemos como um simples gesto, um olhar, falam muito mais do que 200 palavras. Ele a encontrou anos depois dentro de uma pasta que foi esquecida dentro de um trem e que sua esposa comprou num antiquário . A pergunta é : quem não teria feito o mesmo ? Depois, é a tal coisa , tem que se pagar o prêço . ACABARAM OS SPOILERS A Nora Arnezeder (Celia) é muito mais linda do que está neste filme. Eu já vi, Sergio, “O Lado bom da Vida” e, te digo que o Bradley está muito bem mas , aqui neste “As Palavras” como voce diz , ele está excelente e, merecia sim, o Oscar. sobre honestidade (ou não) em autoria de livros, o Woody Allen já disse tudo no filme VOCE VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS. Nao entendi o fim do filme… eae, o personagem do Dennis Quaid realmente papou a história de outrem? Se a personagem da Olivia Wilde é realmente interessada em literatura, por que ela nao leu o resto do livro, então, ao invés de pedir pro prório autor contá-la? […] após ter sido abandonado pela mulher com uma garota linda de 20 e poucos (interpretados por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence) teve 8 indicações ao Oscar, levou 1 – o de melhor atriz para o fenômeno […] |
As Bonecas, comédia italiana de 1965, tem quatro episódios, cada um com uma belíssima estrela – pela ordem, Virna Lisi, Elke Sommer, Monica Vitti e Gina Lollobrigida –, cada um dirigido por um nome respeitado: E, no entanto, o filme é muito pior que péssimo: é idiota. Mary e eu nos entusiasmamos quando ela achou na locadora o filme – lançado recentemente no Brasil em DVD. Ela nunca tinha visto; eu acho que também não; vi muitos dos filmes franceses e italianos em episódios como este, feitos nos anos 60, com grandes atores, dirigidos por bons cineastas; lembrava de ter ouvido falar dele, mas não me lembrava de ter visto. A única coisa que se salva é a extraordinária beleza das quatro estrelas – e elas são magnificamente esplêndidas, as quatro. Todas as quatro historietas são imbecis, os atores agem como se estivessem num programa humorístico de décima-nona categoria de TV vagabunda. A intenção é fazer comedinhas sensuais, aproveitando o charme, a beleza, o magnetismo das estrelas. Vistos hoje, os episódios têm um gosto forte de piada de garoto ginasiano, ou daqueles shows de humoristas dos anos 50 e 60, quando um hoje suave palavrão ou uma insinuação de sacanagem faziam as platéias dos teatros brasileiros gargalharem. Virna Lisi está lendo um livro no sofá da sala, pernas à mostra. Nino Manfredi, o maridão, não se agüenta de tesão, mas Virna Lisi faz questão: quer terminar o livro. Quando finalmente termina, e Nino Manfredi começa o ataque, toca o telefone, é a mamma da moça. Uma turista lá pros lados do Norte (Elke Sommer é alemã) chega a Roma procurando o romano perfeito – seguindo umas instruções de manual do homem perfeito – para inocular nela um filho. Monica Vitti, casada com um velhinho ridículo, tenta contratar gente para matá-lo. Não se diz, mas sabemos que é uma cópia – ou uma tentativa de gozação – da história do americano James M. Cain, O Destino Bate à Sua Porta/The Postman Always Rings Twice. A mesma história – tão comum, tão óbvia – havia sido filmada por um jovem Luchino Visconti, em Obsessão/Ossessione, de 1942. Tudo bem: em 1965, quando o filme foi lançado, deveria mesmo ser engraçado ver Monica Vitti, a musa dos filmes cabeção de Antonioni sobre incomunicabilidade, fazer esse papel numa comédia boba. O episódio se diz baseado em um texto de Giovanni Boccaccio (1313-1375). É o extremo da caricatura – Gina Lollobrigida, a pior atriz das quatro estrelas do filme, faz caras e bocas grotescas como a mulher do dono do hotel que quer porque quer comer o bonitão sobrinho do monsenhor interiorano que veio a Roma para um concílio ecumênico. Tudo tem a profundidade de uma piada ginasiana dos anos 60. É antigo como a moda siciliana de exibir publicamente o lençol sujo de sangue pós-primeira trepada no primeiro dia da lua de mel. E, para piorar ainda mais o que já é pior que péssimo, a versão em DVD lançada pela Classicline é dublada para o inglês – e com legendas em português que nunca batem com o que está sendo dito. A comédia é muito boa e fez um grande sucesso na época, inclusive no Brasil, ficando um bom tempo em cartaz. A comédia da Lollobrigida é a melhor e a mais engraçada. O babaca dito critico é que é ridiculo, comédia é para divertir e não para masturbação mental. Por aqui se vê como o Sérgio é uma pessoa tolerante e educada ao deixar estes comentários despropositados à vista de todos. Ele dá uma excelente demonstração do que é respeito pelos outros ao contrário dos seus críticos. Ô, amigo José Luís, talvez eu tenha sido, mais que tolerante, permissivo demais com essas pessoas sem o mínimo de educação. Quando comecei a receber comentários desse tipo, pensei: bem, se não tiver ofensa com palavrão, com incitação a coisas tipo racismo, publico e pronto. Talvez eu devesse ser mais rigoroso… Agradeço demais por seu comentrário sempre elegante, sempre gentil. Se repararmos direito, o desenho, muito bem feito, é de Gina Lollobrigida. |
O título brasileiro do primeiro-longa metragem dirigido pelo mexicano Guillermo Arriaga define não só o próprio filme como também o estilo dos roteiros do autor. Exatamente como em 21 Gramas, de 2003, e Babel, de 2006 (os dois dirigidos pelo também mexicano Alejandro González Iñárritu), Vidas Que Se Cruzam apresenta diversos personagens como se pusesse na mesa as várias peças de um quebra-cabeças, que deverão ir sendo encaixadas ao longo da narrativa. O filme abre com um plano geral de uma planície – há montanhas ao fundo – em que há um incêndio. Corta, e vemos um plano mais aproximado do que é que está pegando fogo: uma casa; na verdade, um trailer. O título original do filme é The Burning Plain – planície em chamas. Ela dá uma ordem seca para o homem que está deitado: Ele pede mais cinco minutos de sono, ela repete a ordem seca: Ela mesma se levanta, nua – a vemos pelas costas -, pega um cigarro, aproxima-se da janela. Pode ser vista, nua, por quem passa lá fora; não está nem ligando para isso. A mulher, interpretada por Charlize Theron – veremos depois que se chama Sylvia –, tem uma expressão de angústia profunda. Uma amiga, Laura (Robin Tunney), vem pegar Sylvia para levá-la para o trabalho. Um homem com a barba por fazer, cabelos longos, está observando, na rua; quando o carro com Laura e Sylvia começa a andar, o homem entra num carro, passa a segui-las. Veremos em seguida que Sylvia é a gerente de um restaurante fino, elegante, numa colina, debruçado sobre um mar bravio – o filme não diz explicitamente, mas Sylvia vive no Oregon, no extremo noroeste dos Estados Unidos. É uma profissional extremamemente competente, dá ordens na cozinha (vemos que o homem com quem ela havia dormido trabalha na cozinha do restaurante), dá ordens no belo salão do restaurante, recebe pessoalmente os clientes mais importantes, dá sugestões de vinhos a quem pede um tratamento diferenciado. Ao mesmo tempo, paralelamente, como se tivesse esquizofrenicamente duas caras, duas personalidades, é uma pessoa profundamente angustiada, se automutila, e trepa insaciavelmente com qualquer um que aparece. O filme nos dá esse retrato de Sylvia nos primeiros dez minutos, com bastante competência. E é preciso notar que a lindérrima Charlize Theron, essa mulher que me parece a segunda coisa mais bela que a África do Sul deu ao mundo – depois da extraordinária lição de reconciliação levada a cabo por Nelson Mandela –, mais uma vez faz um filme em que é maquiada para parecer menos bela do que é. (Em Monster – Desejo Assassino, conseguiram transformá-la literalmente em um monstro.) Sua Sylvia não tem glamour: a beleza faiscante da atriz é sombreada pela expressão de angústia. Paralelamente, enquanto vai nos apresentando Sylvia, o roteirista e agora diretor Guillermo Arriaga nos mostra seus outros personagens: * Há um mexicano, Nick (interpretado pelo bom ator português Joaquim de Almeida), que vive no Novo México e tem um caso com uma mulher casada, Gina (Kim Basinger); os dois morrem no incêndio do trailer mostrado nas primeiras seqüências do filme; morreram trepando, segundo constatou a polícia; * Há o garoto Santiago (J.D. Pardo), filho de Nick, de uns 16, 17 anos, mais seu irmão e sua mãe. Santigo é que conta para o irmão e um amigo o que ficou sabendo através da polícia, diante das cinzas que restaram do trailer, que ficava estacionado no meio de uma grande planície, um deserto, longe de tudo. Todo mundo na região ficou sabendo que Nick e Gina tinham um caso, e que morreram queimados juntos. A mãe de Santiago, mulher de Nick, ficou sabendo – e, cheia de humilhação, vergonha e ódio, amaldiçoa o marido morto. * Também o marido de Gina, Robert (Brett Cullen), naturalmente, ficou sabendo do escândalo. Vai ao enterro de Nick amaldiçoar aos berros o homem que comia sua mulher. Gina e seu marido têm quatro filhos – a mais velha deles, Mariana (Jennifer Lawrence), de uns 16 anos, já sabia, fazia algum tempo, da infidelidade da mãe. * Santiago procura Mariana; quer saber como era a história paralela, secreta, de seu pai, com a mãe da garota. Vão acabar ficando muito próximos, o filho do pai infiel e a filha da mãe infiel (na foto). * E ainda há um outro grupo de personagens: uma dupla de amigos que ganha a vida jogando pesticidas em plantações, de um pequeno avião, mais a filha de um deles, Maria (Tessa Ia), garota de uns 12 anos, esperta, inteligente, que participa do trabalho com o pai e com o amigo dele, voa com eles, trabalha como navegadora, dando coordenadas através de um GPS. Maria e seu pai (Danny Pino) conversam às vezes em espanhol, às vezes em inglês; o amigo do pai, Carlos (Jose Maria Yazpik), só fala espanhol. Exatamente como em 21 Gramas, como em Babel, o roteiro de Guillermo Arriaga vai entremeando as histórias desses vários personagens. E será só lá pela metade do filme que o espectador perceberá que Arriaga usou um truque. Parece que foi bem recebido, de maneira geral, esta estréia de Arriaga como diretor (ele havia dirigido apenas dois curta-metragens, antes). O Los Angeles Times teria dito que o filme é “poderoso, profundo e maravilhosamente filmado”, segundo diz a capa do DVD. “Como seu trabalho como roteirista em Babel, 21 Gramas e Amores Perros, a estréia de Guillermo Arriaga na direção é um drama complexo, emocional, que não se limita a uma única narrativa. Em vez disso, The Burning Plain pula para trás e para frente através de quatro diferentes épocas e histórias. (…) Como as vidas de seus personagens, este filme é emocionalmente devastador, enquanto a audiência testemunha a crueldade que as pessoas podem causar aos outros, e a si mesmas.” O diretor de fotografia Robert Elswit, que fez tomadas belíssimas de paisagens em filmes como There Will Be Blood e Syriana, traz seu talento para as histórias passadas no Sul, enquanto John Toll captura belamente o cinzento de Portland. O montador Craig Wood faz com talento as transições entre as diferentes histórias, permitindo que as tomadas sirvam, elas próprias, como chaves para o mistério que começa com o plnao inicial de um trailer incendiado no deserto do Novo México.” Embora a fotografia seja de fato sensacional, assim como a montagem, a música (falo dela um pouco abaixo), e o roteiro prossigam na mesma fórmula que deu extremamente certo em 21 Gramas e Babel, achei falha a direção de atores. Mas também não há grandes atuações; são interpretações medianas, às vezes um pouco fracas. Dá para sentir – bem, eu senti – que falta experiência a Arriaga nessa parte fundamental do trabalho de direção. E a verdade é que não consegui propriamente gostar do filme. Percebia as qualidades, percebia o talento do roteirista que sabe criar essa teia de aranha de interconexões de histórias, vidas que se cruzam – mas (fazer o quê?) achei tudo … artificial. E não pude deixar de me sentir um tanto enganado, quando, lá pela metade do filme, chega o momento em que o espectador percebe que Arriaga usou um truque. (Obviamente, não teria sentido revelar que truque é, mas todo espectador vai percebê-lo, é claro.) Pode ter também essa coisa muito particular minha, de uma certa irritação com personagens que só conseguem escolher o pior caminho a tomar, que perseguem a infelicidade. Sim, claro, há muitas pessoas que são assim – mas quando todos são perseguidores de infelicidade, não consigo me envolver com a história. Mas tudo isso, é claro, são minhas opiniões pessoais e intransferíveis. O autor das trilhas de Amores Perros, 21 Gramas e Babel – todos com roteiro de Guillermo Arriaga, é bom lembrar – foi o argentino Gustavo Santaolalla, sujeito de grande talento, autor de outras belas trilhas, como de O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee, de Diários de Motocicleta, de Walter Salles, e Terra Fria/North Country, de Niki Caro, por coincidência também com a estonteante Charlize Theron. Na maior parte dessas trilhas, Santaolalla fez melodias minimalistas, um pouco no estilo do grande Philip Glass, em vários momentos com apenas pequenos toques de violão ou guitarra. A trilha sonora deste Vidas Que Se Cruzam não é de Santaolalla; assinam a trilha Omar Rodriguez-Lopez e Hans Zimmer. Hans Zimmer tem feito trilhas belas – porém fortes, quase chegando à grandiloqüência, com grandes orquestras, muitas cordas. A antítese do trabalho que Santaolalla criou para os demais roteiros de Arriaga. Pois aqui, no entanto, esses dois compositores criaram uma trilha bem próxima às do compositor argentino. Ficou extremamente coerente com os filmes anteriores baseados nos relatos de vidas que se cruzam que Arriaga escreveu antes. Teve personalidade própria, Arriaga: os compositores se moldaram ao estilo de seus filmes anteriores. E repito: é um filme bem feito, e que tem muitas qualidades. Não me apaixonei por ele, não gostei muito dele, mas é um filme de qualidades. Quem gostou dos anteriores escritos por Arriaga seguramente vai gostar também deste aqui. Engraçado, quando vi o filme vim aqui ver se vc já tinha escrito sobre ele, mas não tinha. E fiquei pensando o que vc iria achar, mas não quis te indicar pq não indico filmes que achei ruins (e agora sei que vc já tinha assistido). Eu tb não gostei, não me apaixonei, pelo contrário: achei fraco, raso e de um psicologismo chinfrim; do tipo que subestima a inteligência de quem está assistindo. Mas gostei dos anteriores dele, embora não tenha achado essa Coca-Cola toda que todo mundo disse nas respectivas épocas em que foram lançados. É como voce diz , não é um grande filme mas é um filme bem feito e que tem muitas qualidades. E com isto , acho que pela primeira vez , estou discordando da querida amiga, Jussara. Não entendi quando a Mariana diz pro namorado que amava a mãe mas não gostava dela. Quis entender que era do jeito de ela ser e (ou) agir. Mas, me lembrou de uma passagem quando eu tinha 20 anos e junto com meu melhor amigo,os dois já embriagados , juntamos nossos braços e largamos um cigarro sôbre eles e apostamos que quem tirasse primeiro pagava duas “cubas libres”. Como diria Agildo Ribeiro,coisa horrorooosa!! Não gostaría de estar na pele da Mariana. Incrível como ainda podia haver , naqueles dias , aquele ranço entre famílias pelo que houve. Acho que é como voce diz , tem gente que gosta de procurar o pior, de ser infeliz. Tinha visto com ela e gostei muito e aí ela já era adolescente, ” Depois de Lúcia ” . Tens razão Sergio , aquele trabalho de maquiagem na Charlize em ” Monster ” foi uma coisa “monstruosa” . ” 21 Gramas ” eu assisti já tem bastante tempo e gostei muito. ” Voce não vem ” ? A mulher sem nome vem na pele estonteante de Charlize Theron. Com muita competência, o filme deixa claro que aquelas imagens são memórias, sonhos, pesadelos […] Algo como as histórias de Guillermo Arriaga e Alejandro González Iñárritu. Além da Vida tem um quê de Babel, de vidas que se cruzam, sim […] […] adora esse tipo de história – é o autor do roteiro de 41 Gramas e Babel e ele mesmo dirigiu Vidas Que Se Cruzam/The Burning Plain, que, como o próprio título brasileiro indica, também é uma espécie de La Ronde, de Short […] […] Tessa Ia estava em seu terceiro filme: havia feito antes uma série de TV e tinha tido um papel em Vidas Que Se Cruzam/The Burning Plain, de 2008, o primeiro longa-metragem de Guillermo Arriaga, conhecido por seus roteiros para filmes […] […] O Xangô de Baker Street, de 2001, trabalhou com Guillermo Arriaga na produção americana Vidas que se Cruzam, de 2008, fora trabalhos com realizadores portugueses, Mulheres – Amizades Simples, Vidas […] Três Enterros tem argumento e roteiro do mexicano Guillermo Arriaga – o autor dos roteiros de 21 Gramas e Babel, dirigidos por Alejandro González Iñarritu –, e […] |
Alguém mal-humorado poderia dizer que a contribuição deste Um Bom Partido para a cultura seja mostrar que o futebol – o futebol mesmo, o esporte bretão – parece estar finalmente chegando aos Estados Unidos. Ou então mostrar que as esposas da classe média americana têm um insaciável apetite sexual. Mas eu não sou mal-humorado, e então me diverti um tanto com essa comedinha romântica de 2012 dirigida pelo italiano Gabriele Muccino, que parece ter se estabelecido de vez em Hollywood. Voltou à Itália para lançar, em 2010, O Último Beijo/Baciami Ancora. Dois anos depois veio este Um Bom Partido, no original Playing for Keeps. Fala de futebol, de infidelidade conjugal – mas, sobretudo, é, como foram os filmes anteriores do realizador, sobre a relação pai-filho. E vejo no IMDb que Muccino está preparando, em maio de 2014, um novo filme sobre o mesmo tema, Fathers and Daughters. Tenho grande simpatia por realizadores que insistem em um tema que é importante para eles. George torrou toda a montanha de dinheiro que ganhou, e agora está duro Um locutor anuncia que, aos 36 anos, George Dryer, chamado pelas torcidas dos times ingleses e escoceses em que jogou de King George, se machucou. O ex-jogador, ex-ídolo das torcidas – interpretado pelo galã George Butler –, está em casa, diante de uma pequena câmara, fazendo um comentário sobre partidas de futebol. Sonha em levar uma fita demo para alguma emissora, tentar emplacar como comentarista. Enquanto ele tenta gravar seu comentário, o telefone toca, a secretária eletrônica atende: é da empresa de cartão de crédito, ele está com 120 dias de atraso. Mora numa pequena casinha dos fundos, atrás de uma bela casa ocupada por um indiano, Param (Iqbal Theba). Assim que o vê, Param vai atrás dele para cobrar os aluguéis atrasados. Sua vida útil é curta, mas dá perfeitamente – para quem sabe se planejar – para juntar bastante dinheiro para ter uma vida confortável depois de deixar o esporte. Não foi o caso de George Dryer, que torrou esplendidamente sua grana enquanto ela chovia, em viagens pela Europa, Ferraris, aluguel de belas villas, essas coisas. Fez isso em companhia da mulher, Stacie (o papel de Jessica Biel), que conheceu quando ele estava no auge da fama e ela era uma jovem americana da Virginia de 23 anos em viagem à Inglaterra. Depois que ele teve que se aposentar do futebol devido à contusão, resolveu se mudar para a cidade da mulher, para poder ver o filho com freqüência. Quando a ação começa, Lewis (interpretado por Noah Lomax) está com 9 anos de idade, e faz três anos que Stacie mora com Matt (James Tupper), um cara legal. O cinema já mostrou outros grandes atletas ou desportistas em má situação depois que o auge da carreira passa. Kevin Costner, por exemplo, interpretou um ex-campeão de beisebol que vive enchendo a cara, no interessante A Outra Face da Raiva/The Upside of Anger, de Mike Binder (2004). Há ex-atletas que caem em poços profundos, em vários outros filmes. George não vai se afundar na cachaça ou alguma outra droga, e o espectador já sabe que no fim – afinal, é um filme do cinemão comercial americano! – tudo tudo vai dar pé. O George que vemos no início da narrativa é apenas um sujeito um tanto imaturo, desorganizado, avoado. Embora tenha se mudado para aquela cidade para estar perto do filho (e também, como veremos depois, para estar perto da ex-mulher), perde os horários, chega atrasado para os encontros marcados com Lewis. O menino adora o pai, mas é claro que se ressente quando ele se atrasa, ou simplesmente dá o cano. Lewis faz parte do time de futebol da escola – e isso é que é fascinante: agora há times de futebol nas escolas americanas! Ao ver os treinos, George se impacienta: o técnico é um despreparado, não dá a menor atenção aos garotos, fica o tempo todo falando ao celular. Da primeira vez que vemos George assistir a um treino, ele fica impaciente, mas quieto. Da segunda vez, com o técnico ausente, fora do campo, falando ao telefone, ele não aguenta: entra no campo, conversa com os garotos e garotas, mostra a eles como chutar a bola. As mães, mais ainda: afinal, George é um tipão, fina estampa, e ainda por cima tem aquele sotaque escocês. Nunca tinha sido treinador, e precisa investir na futura talvez possível carreira de comentarista de TV. Mas Stacie, a ex, dá-lhe uma dura: pô, você não pode, uma vez na vida, fazer o que seu filho está pedindo? O pai de um dos garotos, Carl (Dennis Quaid, com os cabelos pintados para não mostrar a idade e fazendo muito mais caretas do que seria necessário), um ricaço, se entusiasma: depois de ver, na internet, que George foi um herói, um craque, no Reino Unido, o enche de lisonjas, dá ao time uma farta contribuição em dinheiro. É o típico sujeito rico para quem tudo, tudo, tudo na vida é dinheiro e aparência. O roteiro (de Robbie Fox, também autor do argumento) não se preocupa em dizer qual é a origem do dinheiro de Carl, mas não deve lá ser algo muito legal. Carl é casado com um avião, um baita de um Boeing, Patti, que vem na tela no corpo infindável de Uma Thurman. Carl trai Patti constantemente, mas ao mesmo tempo tem um ciúme patológico dela. Patti e mais duas mães de garotos do time vão partir para cima do treinador bonitão. Dessas outras duas, uma é divorciada, e profundamente insegura – Barb, interpretada por Judy Greer. A outra é casadíssima, e profundamente segura de si – Denise, interpretada por uma Catherine Zeta-Jones que parece ter feito algumas plásticas erradas. Teria custado US$ 35 milhões, e nas bilheterias americanos rendeu apenas US$ 13 milhões. O futebol está começando a chegar aos Estados Unidos, mas, pelo jeito, só começando. Aprendo (nunca é tarde para aprender, embora no dia seguinte já seja difícil lembrar) que play for keeps é fazer as coisas com efeito permanente, ser sério nas ações. É o que o nosso George vai aprendendo ao longo do filme. Não é, de forma alguma, um grande filme, este Playing for Keeps. Mas é simpático, divertido – e acerta no que é fundamental: pai que presta é pai que dá atenção e carinho ao filho. |
A gente não cansa de ver – cada vez que vê, é de novo um prazer imenso, renovado. Tento ser organizado, tento anotar tudo direitinho, mas não consigo, conforme mostra o caso de Testemunha de Acusação. Só achei registro de duas vezes, antes desta mais recente revisão agora, em julho de 2010, e já vi o filme umas seis, oito, dez vezes. Enquanto revia pela sei lá quantas vezes o filme, fiquei pensando coisas como: – ficam aí tentando criar histórias com reviravoltas; tudo bem, é um direito das pessoas. – ficam aí criando todo tipo possível de fogos de artifício, de truquezinhos, de invençõezinhas, para parecer moderno, e novo, e inovador, e genial; tem nego que acha que o cinema começou com Quentin Tarantino. Volta e meia criam uma novidade de tamanho de tela – nos últimos anos tem um monte de nego apostando no 3D. Besteira, tudo besteira, coisa periférica. Para fazer um grande filme, é preciso de uma bela história, um belo roteiro para contar bem a história, um grande diretor, grandes atores. Testemunha de Acusação é, entre muitas outras coisas, o encontro de quatro artistas fora do comum: Agatha Christie (1890-1976), aquela velha inglesa louca de pedra, criou, sei lá, mais de 400 histórias. Tinha mais idéias de histórias do que o Tio Patinhas tinha moedas em seu cofre, e felizmente viveu muito. Qualquer professor de literatura terá trocentos argumentos para dizer que Agatha Christie é uma autora menor – mas as pessoas não dão a menor bola para o que os doutores falam em suas emproadas teses. As pessoas adoram as histórias envolvendo crimes, e a velhinha louca soube como ninguém bolar essas histórias. Das 400 histórias que ela bolou, e das, sei lá, 50 que li, costumava achar que O Assassinato de Roger Ackroyd fosse a melhor. É uma trama intensa, rica, que fala de fidelidade e traição, amor e ódio, admiração e inveja, competência e ambição, crime e castigo. Testemunha de Acusação talvez não seja o melhor filme de Billy Wilder (1906-2002), acho eu. Até porque é difícil definir qual é o melhor filme desse diretor excepcional, extraordinário, que fez de tudo – de drama soturno sobre alcoolismo, Farrapo Humano, a filme de guerra, Inferno Inferno nº 17, de denúncia violenta do jornalismo sensacionalista, A Montanha dos Sete Abutres, à essência do film noir, Pacto de Sangue, da comédia mais trágica que pode haver, Se Meu Apartamento Falasse, à comédia mais escrachada, Quanto Mais Quente Melhor. Charles Laughton (1899-1962) é um gigante – seu talento consegue ser maior que seu corpanzil. É um dos melhores atores destes primeiros cento e tantos anos de história do cinema. Segundo Billy Wilder, é o melhor ator com que ele trabalhou. O Sir Wilfrid Robarts que ele cria é um dos personagens mais marcantes da história do cinema – o melhor advogado criminal da Inglaterra, uma lenda, já um sir, que teve um ataque cardíaco, ficou em coma, ficou semanas no hospital, e, no dia em que volta finalmente para sua casa e seu escritório, protegido por uma enfermeira linha dura e por um mordomo fiel até a mais completa sabujice, fica sabendo de um caso interessante – um homem suspeito de assassinar uma senhora sua amiga que jura inocência, mas cujo único álibi é sua mulher, e os jurados não costumam acreditar muito em um único álibi provido exatamente pela mulher do réu. O acusado, Leonard Vole, é interpretado por Tyrone Power (1914-1958), o ator que fez suspirar milhões de mocinhas nos anos 30 e 40 – mas o filme é de 1957, e o astro estava já um tanto velhinho. Não está mal, Tyrone Power, como o homem que tudo indica que é o assassino, mas que consegue convencer o veterano, brilhante, advogado da sua inocência. Demonstra uma certa calma, em algumas seqüências, um certo estupor em outras, e pavor, temor, desespero, em outras. Mas o show é de Charles Laughton como Sir Wilfrid Robarts, o melhor advogado criminal da Inglaterra, e de Marlene Dietrich, como Christine Vole, a mulher de Leonard, seu único álibi. (E aí não consigo me impedir de anotar sobre a extraordinária riqueza da língua inglesa. Há bem no começo do filme um diálogo que usa três palavras para o que, na última flor do Lácio inculta e bela, temos apenas uma, “advogado”. Num único diálogo, quando Sir Wilfrid conhece Leonard, fala-se em lawyer, solicitor e barrister. Lawyer é o termo genérico, o cara que estudou Law, a lei; solicitor é o advogado das causas cíveis, acho eu; barrister – aí está a riqueza – é o advogado que fica diante da bar, a barra do tribunal, ou seja, o advogado criminal, que enfrenta júris. Não sei se é riqueza da língua ou da civilização inglesa – ou um indício de que aquele povo tem mais respeito à lei do que outros povos, mais recentes, mais novos, criados nos trópicos – povos mais chegados a uma ginga de corpo, ao jeitinho, à esperteza, à Lei de Gérson, a presidente da República que zomba das leis.) E então chegamos a Marlene Dietrich (1901-1992), a quarta artista fora do comum deste filme em que quatro artistas maiores, extraordinários, fora do comum, se encontraram. Marlene é uma diva, uma das maiores que já passaram pelas telas do cinema. Que beleza, que poder tem aquele rosto, feito para deixar apaixonadas as câmaras de cinema que passassem à sua frente. Como eu mesmo já disse, não é à toa que as câmaras de Hitchcock, de Orson Welles, de David O. Selznick (o cara era mais que um simples produtor, era o autor dos seus filmes), de Rouben Mamoulian, de René Clair, de Stanley Kramer, de Fritz Lang, de Billy Wilder, se apaixonaram por Marlene Dietrich. Marlene (é sempre bom lembrar) deixou sua Alemanha natal em 1930, três anos antes de Hitler assumir o poder. Foi levada para Hollywood por seu conterrâneo Josef Von Sternberg, depois que os dois fizeram juntos, ainda na Alemanha, O Anjo Azul, e deixaram o mundo babando. Os alemães tentaram atraí-la de volta, antes e depois da ascensão do nazismo, mas Marlene continuou nos Estados Unidos; durante a guerra, botou uniforme americano, trabalhou entretendo as tropas aliadas que lutavam contra Hitler e Mussolini. Só voltou à terra natal em 1960, quando fez uma turnê como cantora; segundo o CineBooks’, naquela ocasião “disseram a ela que poderia haver uma recepção raivosa por parte de alguns alemães, inclusive com violência (e houve registros de que alguém poderia atirar nela durante as apresentações).” Billy Wilder fez não um, mas dois filmes em que Marlene Dietrich interpreta uma alemã vivendo no seu país destruído, dizimado, devastado pela Segunda Guerra, e que encontra ajuda com soldados aliados. Esta é uma coincidência, ou repetição, que me parece absolutamente fascinante. Em A Mundana/A Foreign Affair, de 1948, ela é Erika Von Schluetow, mulher de um importante oficial nazista, agora (a ação se passa logo após o fim da guerra, em 1946) vivendo em penúria entre os escombros do que sobrou de Berlim; para sobreviver, canta num cabaré no meio das ruínas, e, em troca de sua beleza, recebe presentes fartos de um capitão do exército americano. Em Testemunha de Acusação, faz o papel de Christine, que, logo após o fim da guerra, vivia em penúria entre os escombros do que sobrou de Hamburgo; para sobreviver, canta num cabaré no meio das ruínas. É lá que conhece Leonard Vole, então um sargento do Exército. Leonard casa-se com ela e a leva para a então bem mais segura e rica Inglaterra. Alguns anos depois, em 1952 – é aí que se passa a ação –, Leonard Vole é preso, acusado de assassinar uma senhora muito rica, e sua única chance de salvação, seu único álibi, é a palavra de Christine. Entra em cena quando já se passaram uns 30 minutos de filme – 30 rápidos minutos de um filme em tudo brilhante. O espectador é obrigado a concordar com Sir Wilfrid quando ele diz, a boca aberta de espanto: É impressionante como todos os personagens são interessantes, bem construídos – e bem interpretados. A velhinha Una O’Connor, feia que nem a fome, é impagável como Janet McKenzie, a escocesa pobre que trabalha como empregada na casa da viúva rica que será assassinada. Elsa Lanchester faz com brilhantismo a enfermeira Miss Plimsoll, que trava uma guerra sem tréguas contra seu paciente indócil, que, mal se recuperando de um ataque cardíaco, se expõe à batalha no tribunal e não abre mão dos charutos e do conhaque. A simpática e talentosa atriz era casada, na vida real, com Charles Laughton, o ator que faz o papel de Sir Wilfried. Até Diana (interpretada por Ruta Lee), uma bela jovem morena que se senta ao lado da enfermeira Plimsoll, nas galerias do tribunal, e aparece menos de três minutos na tela, é bastante interessante. O filme teve seis indicações ao Oscar – melhor filme, melhor diretor, melhor ator para Charles Laughton, melhor atriz coadjuvante para Elsa Lanchester, melhor montabem para Daniel Mandell, melhor som para Gordon Sawyer. Elsa Lanchester levou o Globo de Ouro como coadjuvante; houve indicações também para melhor filme, melhor diretor, melhor ator para Charles Laughton e melhor atriz para Marlene Dietrich (na categoria drama, é claro). Marlene não fala uma palavra sobre Testemunha de Acusação em sua bela autobiografia, lançada em 1987. Marlene Dietrich (autobiografia) é um livro fascinante, muitíssimo bem escrito, pontuado por observações inteligentes, de imensa sensibilidade – mas não é um relato cuidadoso e detalhado, que respeite muito a ordem cronológica. Distraída, pouco metódica, a diva não costuma dar direito as datas dos fatos. Depois da guerra, retornou aos Estados Unidos e, segundo ela mesma afirma, voltou a representar “para ganhar dinheiro”. “Billy Wilder tinha chegado a Paris para convencer-me a interpretar o papel de uma mulher nazista no seu filme. Na ocasião, não sabia que não se consegue escapar de Billy Wilder. A ação de A Mundana está intimamente ligada aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Wilder rodou em Berlim todas as cenas em que o ator principal não aparece. Então, viajou a Paris, onde me encontrava na ocasião, para falar-me de seu projeto. Quando Marlene e Wilder voltaram a trabalhar juntos, em 1957, para fazer Testemunha de Acusação, Marlene estava mais envolvida com sua nova carreira de cantora. Fazia turnês por diversos países do mundo, mas seu interesse pelo cinema era quase nenhum – depois deste filme, só faria mais dois, A Marca da Maldade/Touch of Evil, de Orson Welles, e Julgamento em Nuremberg, de Stanley Kramer. Trabalhou com diversos diretores, Orson Welles entre eles, mas, quando Peter Bogdanovich a entrevistou para seu livro Picture Shows, e disse a ela “A senhora trabalhou com muitos grandes diretores…”, a diva o interrompeu: Só trabalhei com dois grandes diretores, von Sternberg e Billy Wilder”. Um dos melhores filmes de Hitchcock – só que feito por Wilder Marlene e Wilder haviam se conhecido ainda em Berlim, em 1929, antes que os dois fossem para Hollywood. Ela estava começando no teatro, fazia uma revista musical, e ele, que trabalhava como jornalista, foi entrevistá-la. Billy Wilder conta, no livo Billy Wilder – e o resto é loucura, uma biografia do mestre escrita pelo professor e crítico alemão Hellmuth Karasek, que contém longos depoimentos do próprio biografado, que foi escolhido para dirigir Testemunha de Acusação graças a Marlene: “Marlene Dietrich me perguntou se não queria filmar com ela o livro Testemunha de Acusação, de Agatha Christie. Ela condicionou sua participação, dizendo que só aceitaria se eu assumisse a direção.” Na mesma biografia-relato, o diretor conta que, ao longo de sua carreira, aconteceu apenas duas vezes de ele ter sido elogiado pelo autor do livro em que se baseou. James M. Cain, o autor do livro, disse a Wilder que ele havia melhorado sua narrativa com o filme, “o que posteriormente só me ocorreu uma única vez: com Agatha Christie, depois da primeira exibição de Testemunha de Acusação. Há uma frase brilhante de Hellmuth Karasek que define com perfeição este filme. “Testemunha de Acusação é um dos melhores filmes de Hitchcock – só que dirigido por Billy Wilder.” Sem dúvida, Hitchcock teria tido o maior prazer em assinar este filme. “A gerência deste cinema sugere que, para maior entretenimento de seus amigos que ainda não viram este filme, não contem o segredo do final de Testemunha de Acusação.” Três anos depois, Hitchcock usaria essa mesma idéia: toda a campanha de marketing de Psicose, lançado em 1960, era em torno da recomendação para que ninguém revelasse o final do filme. Esperto, grande marqueteiro, o velho inglês ainda bolou um expediente a mais: os cinemas não permitiam a entrada de espectadores depois de iniciada cada sessão de seu filme. “Testemunha de Acusação é um dos melhores filmes de Hitchcock – só que dirigido por Billy Wilder.” Pode-se escrever frases e frases sobre o cinema e com poucas eu concordaria mais do que com essa: “é preciso de uma bela história, um belo roteiro para contar bem a história, um grande diretor, grandes atores”. Revi inúmeras vezes, a última foi agora nas férias de julho. Já li e tenho mais de 80 livros; adoro Billy Wilder, diretor impecável e, claro, como não adorá-la: E, já que fui liberada em comentários, só um a mais: é ao rever filmes assim que sinto justificada minha nostalgia. Eu o vi lá pelos anos 60, creio, no cine Metrópole em BH.Depois de tudo que você escreveu, estou com uma vontade imensa de revê-lo. Concordo plenamente com você- Para nos satisfazer, bastam= um grande diretor, um belo roteiro, grandes atores e uma história bem contada. tio, por que não uma ferramenta que permita o envio das anotações? por exemplo, falei pro geraldão, especificamente sobre a radação, o texto, o conteúdo da nova anotação do testemunha de acusação… vou então copiar o link e enviar ao papai. olha, a tua página está sensacional. simples, objetiva, fácil, ‘leve’… tua cara. um abraço teu sobrinho curitibano beto vaz Tudo o que foi dito é verdadeiro…ou quase tudo, pois faltou dizer uma dura verdade: por mais extraordinário que o filme seja, Billy Wilder cometeu um erro primordial: não foi o advogado quem deu a idéia para a personagem de Marlene Dietrich, não! Quando o filme começa, o personagem de Marlene já está à procura ESPECIFICAMENTE do personagem de Charles Laugton, pois toda a trama já estava armada…O que, aqui pra nós, elimina a desculpa de “adaptação”, até porque não havia como “adaptar” a coluna vertebral da história de Agatha( que é de 1954). Quem leu o texto original da ” velhinha louca” vai entender o que estou dizendo… Nunca tinha ouvido falar desse filme (me envergonho disso) e o 1001 filmes para ver antes de morrer lista seis filmes de Billy Wilder, mas não testemunha de acusação. Nesse caso, eles deveriam se envergonhar também, principalmente pelo fato de listarem lixos como avatar e filmes por demais supervalorizados, como onde os fracos não tem vez e quem quer ser um milionário. Consegui comprar o filme pela livraria da folha (pena que com o terceiro homem e pacto de sangue não estou tendo a mesma sorte) e já assisti duas vezes, a segunda delas com meu irmão, que também adorou. A frase com que vc inicia o texto, descreve perfeitamente o filme: Basta dizer que no dia seguinte a assistir ao filme, interrompi no meio a leitura de Admirável Mundo Novo e comecei a reler um livro da Agatha Christie (para desespero dos professores de literatura). “(E aí não consigo me impedir de anotar sobre a extraordinária riqueza da língua inglesa. Há bem no começo do filme um diálogo que usa três palavras para o que, na última flor do Lácio inculta e bela, temos apenas uma, “advogado”. Num único diálogo, quando Sir Wilfrid conhece Leonard, fala-se em lawyer, solicitor e barrister. Lawyer é o termo genérico, o cara que estudou Law, a lei; solicitor é o advogado das causas cíveis, acho eu; barrister – aí está a riqueza – é o advogado que fica diante da bar, a barra do tribunal, ou seja, o advogado criminal, que enfrenta júris. Não sei se é riqueza da língua ou da civilização inglesa – ou um indício de que aquele povo tem mais respeito à lei do que outros povos, mais recentes, mais novos, criados nos trópicos – povos mais chegados a uma ginga de corpo, ao jeitinho, à esperteza, à Lei de Gérson, a presidente da República que zomba das leis.)” Sem a menos sombra de dúvida a quantidade de termos sinônimos de um idioma claramente indica toda a riqueza e sofisticação da língua. Isso para não mencionar seu óbvio respeito às leis e instituições – conseqüência natural da existência de diversos termos unívocos. Oi, Sérgio, concordo em gênero, número e grau com a Luciana, q diz q, traduzindo, um filme baseado em livro da dame Agatha Christie, dirigido pelo maravilhoso Billy Wilder e com um elenco de primeira como esse só poderia dar em um filme de primeira linha q a gente não cansa de rever! Só gostaria de fazer uma observação: porque esse menosprezo pela autora de policiais? Sei q os metidos a intelectuais consideram o policial um sub-gênero na literatura, mas há policiais e policiais. Uma escritora capaz de criar detetives do quilate do belga Hercule Poiror, q faz toda a sua investigação usando o q ele chama de “massa cinzenta”, ou seja, a Psicologia dos envolvidos no crime e a senhorinha inglesa Miss Marple, q consegue resolver crimes q a pp Scotland Yard não consegue, por meio de um paralelo com a vida em sua vila do interior não pode ser considerada menos importante e interessante q o Huxley, do livro citado pelo Rafael. Cara Guenia, você pergunta por que “esse menosprezo pela autora de policiais”. Eu curto Agatha Christie; já li dela, como digo no texto acima, uns 50 livros. E adora o romance policial, como demonstro no site 50 Anos de Textos – basta você dar uma olhada na tag Livros, lá. Agora, quanto ao menosprezo por Agatha Christie, e pelo romance policial como um todo, por parte dos acadêmicos, dos críticos literários, sei lá eu – problema deles, uai! Oi, Sergio, falei sobre a Agatha Christie não criticando vc, é claro, mas os professores do Rafael, q não sabem distinguir um bom policial de um mau policial! Como em qq gênero, romance, drama, biografia etc há livros de boa e de má qualidade, o q me incomoda é achar q, pelo fato de ser policial é necessariamente ruim, como os cinéfilos cults acham q todos os filmes do Bergman são necessariamente “bons”. Oi, Sérgio Mas que maravilha de filme, para mim realmente é o melhor filme de Billy Wilder! A primeira reviravolta, em que a Marlene Dietrich se coloca contra o marido eu já tinha esquecido, assim como a reviravolta final que levou a gerência do filme a pedir ao espectador que não comente com seus amigos o segredo do final de Testemunha da Acusação. Isso que é filme de tribunal, mas é também um suspensaço muito humano, típico da Agatha Christie, cujos policiais eu adoro justamente porque levam muito em conta os sentimentos das pessoas e acho que isso é o mais importante em qualquer história e filme! […] Douce, de 1963, o policial finge ser cafetão, que por sua vez finge ser um inglês milionário. Em Testemunha de Acusação, de 1957, o personagem de Marlene Dietrich finge… (Não tem sentido revelar o que ela finge.) Em […] (A babá anterior, Kate Nanna, interpretada por Elsa Lanchester, pede demissão no início da narrativa por não aguentar mais os dois filhos dos Banks.) Mrs. […] |
Credo em cruz, como é ruim Sangue de Pantera/Cat People, um clássico famoso, respeitado, elogiadíssimo, feito por Jacques Tourneur na sua fase Hollywood, em 1942! Não há absolutamente nada nele que funcione, que tenha algo que remotamente lembre algum talento, alguma inteligência. A história, a trama é ridícula, inacreditavelmente ilógica, sem pé nem cabeça. As situações são canhestras, daquelas de dar profunda vergonha no pobre espectador. Ed Wood, que passou para a história como o pior diretor de cinema do mundo, morreria de vergonha se seu nome fosse associado a esta monumental trolha. Mereceu loas e loas (em seguida vou transcrever algumas que certamente vou encontrar nos alfarrábios), deu origem a uma continuação, Maldição do Sangue de Pantera/The Curse of the Cat People, de 1944, com o mesmo trio central de atores, mas dirigido por Gunther von Fritsch e Robert Wise. E teria uma refilmagem nos anos 1980, com o mesmo título original, Cat People, no Brasil A Marca da Pantera. Vi essa refilmagem – dirigida por Paul Schrader, com a deslumbrante Nastassja Kinski no papel central – na época, e, fora a beleza da atriz, nada me impressionou muito. Claro, como a refilmagem é de 1982, exatamente a época em que o cinema partia para a explicitude total, a transformação da heroína em pantera é absolutamente explícita, enquanto no original ela não é mostrada. Vixe – seria um spoiler dizer que heroína se transforma em pantera? Será que o filme é bom mesmo e eu é que estava num dia ruim, e isso é que explicaria por que o achei tão absolutamente horrendo? Assim como o santo da gente simplesmente às vezes não vai com o santo de outras pessoas, isso também acontece em relação aos filmes. Mas devo dizer que tinha imensa curiosidade em ver o filme tão badalado; não tenho absolutamente nada contra Jacques Tourneur, ao contrário; e me sentei para ver o filme com a melhor boa vontade do mundo. E gosto muito dos filmes de horror dos anos 30 e 40. Mas só com base na primeira seqüência já dava para ver que o filme é ruim. A moça Irena (Simone Simon) está no zoológico, diante da jaula da pantera, com um grande bloco de papel de desenho à sua frente. O rapaz Oliver (Kent Smith, na foto acima com Simone Simon) pega a folha, indica para a moça um cartaz que adverte contra a sujeira. Daí a dez minutos estão se casando – mas sem sexo, porque sexo e/ou ciúme, essas coisas fortes, poderiam despertar em Irena o sangue de pantera que ela carrega em suas veias originárias da Sérvia. Essa simples descrição pode não indicar algo tão ruim – mas é tudo ruim demais. Toda a situação, os diálogos, é tudo forçado, artificial, falso – falso, falso como uma nota de três guaranis. E ainda por cima a atriz central não tem qualquer tipo de graça ou charme A história que a moça conta para o rapaz, sobre o Rei João da sua Sérvia natal – o rei que expulsa os maus da Sérvia… É tudo bobo, bocó, bocó demais. E não adianta a argumentação de que a, a rigor, a rigor, as histórias de Drácula e Frankenstein são tão ilógicas quanto a do Rei João da Sérvia e o povo mau, povo de gato, que ele combateu. As histórias de Drácula e Frankenstein têm sua própria lógica interna, e, nessa lógica, tudo funciona. Já essa história aqui, não: ela não tem lógica alguma, não tem sentido, não se sustenta, é tudo falso e forçado. A própria atriz que faz Irena, a sérvia, Simone Simon… A moça não tem atrativo nenhum, absolutamente nenhum. Não é bela, não tem presença forte, não sabe atuar, o papel é ridículo, os diálogos são falsos. Entre Simone Simon e Jane Randolph, a atriz que faz Alice, a colega de trabalho de Oliver que causa ciúmes em Irena, não pode haver dúvida possível: A única coisa que Simone Simon tem que talvez justificasse sua escolha para fazer a sérvia é seu sotaquezinho francês. Bem, francês não tem nada a ver com sérvio, mas, para o público americano, sotaque estrangeiro é sotaque estrangeiro, e pronto. O sotaquezinho francês de Simone Simon vem acompanhado de um leve tique em que o canto direito dos lábios dela vira para cima. “A história e os elementos da trama não se seguram, mas…” Ah, bom… Vamos à chuva de loas a este grande clássico do filme de terror. “A história e elementos da trama não se seguram, mas momentos de choque e terror permanecem intocáveis no primeiro dos famosos filmes de horror do produtor Val Lewton. Smith se apaixona por mulher estranha, tímida (Simon) que teme a antiga maldição da pantera dentro de si.” “O psicanalista (Tom Conway) calmamente explica à sua paciente (Simone Simon) que sua idéia de que ela está se transformando num membro da família dos gatos é uma fantasia; ela o silencia. Val Lewton fez seu nome como produtor com este irônico filme de horror, produzido para a RKO com um orçamento minúsculo. Enquanto outros produtores de horror de orçamento B ainda estavam usando gorilas, casas assombradas e braços decepados do corpo, Lewton e o diretor, Jacques Tourneur, empregavam a sugestão, efeitos sonoros horripilantes, e inventivos ângulos de câmara, deixando tudo para a imagem cheia de medo do espectador. Os filmes de Lewton não são propriamente muito bons, mas são tão imaginativos que a maioria dos filmes de horror que outros produtores estavam criando nessa época, e a sua ingenuidade parecia praticamente revolucionária. Algumas seqüências, como a do medo na piscina, são, à sua própria maneira, clássicas. A atuação da maior parte do elenco não está à altura dos efeitos.” Dame Pauline Kael pôs as coisas sob a perspectiva histórica, contextual, do momento. Eu mesmo quase sempre procuro fazer isso, e não fiz em relação a este filme aqui – só fiquei desencando com os piores adjetivos que me vinham à cabeça. Nada que o expressionismo alemão já não tivesse feito 20 anos antes, mas, sim, há bons ângulos, bom uso das sombras. Mas para mim uma pantera não é algo tão mais imaginativo como fonte de terror que um gorila, ou casas assombradas. O uso das sombras, o teto da piscina coberta refletindo sombras e luzes. Sim, é uma bela sequência – embora completamente gratuita dentro da história. Não havia nada para justificar que Alice fosse dar um mergulho naquele momento. Mas tudo bem – deixando a lógica de lado, é uma bela sequência. Só que o susto acaba ficando comprometido com a posição em que o diretor colocou a pobre Jane Rudolph-Alice no meio da piscina, sem poder ficar de pé, e então ela fica paralisada de susto mas ao mesmo tempo tendo que agitar braços e pernas, nadando feito cachorrinho, para não afundar. Não dá para o espectador se assustar, se ele está morrendo de vergonha do papelão que obrigaram a pobre atriz a fazer! Mestre Jean Tulard também se seduziu pelas graças da felina que não quer saber de sexo porque o sexo – assim como o ciúme – poderia despertar a pantera que existia nela. Diz ele, no seu Guide des Films, sobre La Féline, como o filme se chamou na França: “Admirável filme fantástico em que tudo é sugerido, pela falta de meios mas também por decisão voluntária, para mais amedrontar. A obra teve um enorme sucesso na época do lançamento e fortaleceria a RKO.” Mestre Jean Tulard, Dame Pauline Kael, o contexto histórico, todos eles que me perdoem, mas para mim a verdade dos fatos é que Cat People não é um filme de horror: é um filme horroroso. Alguns filmes passam a ser intocáveis; todos os críticos fazem coro, ninguém ousa discordar. Pegando em suas próprias palavras, caro Sérgio, você só podia estar mesmo em dia ruim quando assistiu a esta pequena jóia do Tourneur. Mas compreendo que haja filmes assim, que por qualquer motivo – quase sempre obscuro e pouco racional – não nos despertam outro sentimento que não a da embirração mais básica. E compreendo porque eu próprio já tive casos assim, que posso resumir no título português daquele filme com o Sidney Poitier e a Lulu dos anos 60: “O ódio que gerou o amor” (“To Sir With Love”) Por isso deixe passar algum tempo e num dia não muito problemático volte a este filme. É capaz de nessa altura valer mesmo a pena a nova tentativa. Também gostei da versão dos anos 80, com a Kinski e o McDowell, mas claro, o grande clássico é mesmo este. Já tinha visto metamorfoses de lobisomens, é claro, mas uma metamorfose sensual como aquela, foi a primeira. Pena que os infelizes criaram uma sequência absurda, fazendo a pantera “desistir” de devorar o amante. A cena em que o mocinho devolve a mocinha ao mundo dos gatos também não me agradou; foi um finalzinho muito fraco. Contudo, ainda assim gostei do filme, sem elevá-lo à categoria dos “clássicos”. |
Não são felizes os amantes, nas histórias de amor filmadas por François Truffaut. La Peau Douce, a pele doce, no Brasil Um Só Pecado, de 1964, é uma triste história de amor. Da mesma forma que o anterior Jules et Jim e os posteriores As Duas Inglesas e o Amor, A História de Adèle H. e A Mulher do Lado. Jules et Jim e As Duas Inglesas e o Amor baseiam-se em romances, os dois do mesmo escritor, Henri-Pierre Roché (1879-1959). A História de Adèle H. se baseia nos diários da filha de Victor Hugo, Adèle. Este La Peau Douce, um de seus primeiros filmes, assim como A Mulher do Lado, seu penúltimo, são histórias originais do próprio Truffaut – La Peau Douce tem argumento e roteiro assinados por ele e Jean-Louis Richard. Sejam criações do próprio cineasta, sejam baseados em romances ou em fatos reais, todos eles mostram amores tumultuados, tempestuosos, trágicos – ou simplesmente amores que não dão certo. La Peau Douce é, entre esses cinco filmes que tratam das paixões amorosas, o de história mais simples, mais curtinha, mais linear, mais sem grandes surpresas – pelo menos até os dez minutos finais. Um homem bem sucedido, casado com bela mulher – mas surge outra Truffaut estava com 32 anos quando fez este filme, em que o personagem central, Pierre Lachenay, está na faixa dos 40 e tantos. Jean Desailly– ator de teatro de imenso prestígio que interpreta o protagonista, na foto –, tinha 44. Indicam claramente que Truffaut estava falando de uma experiência de vida que ele mesmo ainda não tinha tido. Tem uma pequena editora, edita uma revista literária, é autor de diversos livros sobre literatura, conhece profundamente a vida e a obra de Stendhal e Balzac, é convidado para dar palestras em diversos locais. Quando a ação começa, ele está chegando em casa – um amplo, confortável apartamento parisiense –, para pegar a mala e ir o mais depressa possível para o aeroporto, para uma viagem a Lisboa, onde faria uma palestra sobre Balzac. Mal tem tempo de conversar com sua mulher, Franca (Nelly Benedetti, na foto acima), que está recebendo a visita de uma grande amiga, Odile (Paule Emanuele). Discutem um pouco sobre ela levá-lo até Orly – ele não poderia ir sozinho de carro porque perderia muito tempo para estacional, e Franca lembra que ele sempre implica com o jeito dela de dirigir. Acaba pegando carona com o marido de Odile, que leva junto a filhinha de Pierre e Franca, Sabine (Sabine Haudepin), garotinha de uns oito, nove anos. No avião de Paris a Lisboa, Pierre Lachenay vai ver pela primeira vez Nicole – o papel de Françoise Dorléac, belíssima, maravilhosa, radiante em seus 22 aninhos de idade. Ao rever o filme agora, depois de ter visto uma vez muitas décadas atrás, me impressionou demais como a narrativa de Truffaut, em La Peau Douce, se faz de pequenos detalhes. No caminho entre a casa de Pierre e o aeroporto de Orly, a câmara mostra duas ou três vezes o marido de Odile trocando a marcha de seu carro. Um pequeno detalhinho para mostrar a pressa que ele tinha, Pierre estando em cima da hora. Um pequeno detalhe que não tem qualquer importância na narrativa, mas é de especial interesse para os brasileiros: O nome Panair do Brasil será visível em diversas tomadas, a bandeira do Brasil, também. La Peau Douce é de 1964, o ano do golpe militar que acabaria levando ao desaparecimento da Panair. Nicole é aeromoça da primeira classe do avião da Panair do Brasil. Quando o avião está chegando perto de Lisboa, Nicole vai para a área dianteira do avião, perto da cabine dos pilotos, e fecha a cortina. Entre a extremidade inferior da cortina e o chão fica um pequeno espaço de uns dez centímetros. Pierre vê – assim como o espectador –, naquele pequeno espaço, que Nicole tira o sapato de salto baixo que estava usando até então, e calça sapatos de salto alto. Pierre chega a esboçar um sorriso ao ver a cena deixada à mostra pela fresta entre a cortina e o chão. Haverá mais detalhes sobre pernas e pés, no filme e nesta anotação. Uma coincidência, dessas de que a vida é cheia – e começa um caso de amor Na hora do desembarque, Nicole desce a escada do avião logo atrás de Pierre. Há fotógrafos e repórteres na pista, à espera da sumidade francesa que chega para dar palestra em Lisboa, e são feitas fotos em que a bela aeromoça aparece ao lado do conferencista. No dia seguinte, uma foto dos dois estará na primeira página de um jornal lisboeta. Evidentemente, não houve qualquer combinação, mas o hotel em que Pierre se hospeda em Lisboa, o Tívoli, é o mesmo em que está a tripulação. Entram juntos no elevador do hotel – Nicole, um colega dela, o co-piloto Franck (Gérard Poirot), e Pierre. Um pacote que Nicole carrega cai no chão – e, junto com ele, a chave do quarto. Ou Nicole o deixou cair de propósito, junto com a chave, para que Pierre soubesse o número do apartamento em que está hospedada? Nicole fecha a porta para que a câmara, discreta, não veja a cena de sexo No vôo de volta a Paris, Nicole anota o número de seu telefone no verso de uma daquelas caixinhas de fósforo promocionais, e, ao servir os passageiros da primeira classe, entrega a caixinha a Pierre. Ele faz menção de que não é necessário, mas ela insiste em que ele a guarde. Só algum tempo depois, já em Paris, ele abrirá a caixinha e verá o número do telefone. Guardará cuidadosamente o pedaço de papel em sua carteira – a câmara mostra o pedaço de papel em close-up mais de uma vez. Bem mais tarde, lá pelo meio da narrativa, talvez já na segunda metade, depois de uma desgastante, exasperante experiência de Pierre e Nicole em Reims, os dois amantes conseguem enfim ter um dia calmo num hotelzinho de província. É uma das raras vezes em que os vemos conversar, o intelectual maduro, respeitado, famoso, casado e pai de uma filhinha encantadora, e a jovenzinha aeromoça tão inculta e bela quanto a última flor do Lácio do país em que se conheceram. Pierre faz perguntas sobre ela, seu passado, seus namorados, seus amantes. É também uma das poucas seqüências em que a câmara de Truffaut e do maravilhoso diretor de fotografia Raoul Coutard, o fotógrafo de 9 em cada 10 filmes da nouvelle-vague, repousa mais longamente sobre o rosto resplandescente de Nicole-François Dorléac. A conversa se encaminha para um ponto em que cessará para dar lugar à ação. Nicole se levanta, pega a bandeja do café do manhã e a leva para fora do quarto, deposita-a no chão, e fecha a porta. A câmara fica ali parada mostrando a bandeja com os restos do café da manhã no chão e a porta fechada. Como se, tímida, ou melhor, discreta, a câmara tivesse se recolhido para não mostrar o ato de amor que se passa entre as quatro paredes do quarto. É um pequeno detalhe – mas um pequeno detalhe maravilhoso, um toque de ternura, uma marca registrada do cineasta. Ele poderia ter cortado aquela tomada da bandeja no chão após alguns poucos segundos – seu recado já estava dado. A câmara continua fixa, mostrando a bandeja, e um gatinho se aproxima, experimenta as iguarias contidas na bandeja. Em A Noite Americana, de 1973, seu filme sobre os filmes, o cinema, o universo do cinema, o próprio Truffaut, fazendo o papel do diretor do filme que está sendo rodado dentro do filme, colocará um gatinho em cena, para se aproximar de uma bandeja deixada diante de um quarto de hotel. O gato se recusa, durante algum tempo, a executar os movimentos desejados pelo diretor. O jeans esconde as pernas de Nicole – e então ela veste uma saia Antes da malfadada experiência em Reims, há outros pequenos detalhes fascinantes. Os dois, Pierre e Nicole, estão viajando no pequeno carrinho de Pierre (como eram pequenos, os carros franceses da primeira metade dos anos 60…) de Paris para Reims. Há uma tomada de cima para baixo das pernas de Nicole, como se a câmara fosse os olhos de Pierre. Ele comenta que nunca a tinha visto de blue jeans – e acaba por confessar que prefere vê-la de vestido, ou saia. Detalhe dentro do detalhe: a câmara focaliza diversas vezes a mangueira na abertura do tanque de gasolina, diversas vezes a bomba de gasolina marcando o número de litros e de francos. Começa a ficar inquieto – e ela reaparece, vinda do banheiro do posto de gasolina, vestindo uma saia. E então Pierre e a câmara de Truffaut acariciam a pele doce Pierre havia sido convidado para dar uma palestra em Reims, e convenceu Nicole a ir com ele; ele daria a palestra, e em seguida os dois teriam dois dias inteiros sozinhos, em algum pequeno hotel do interior, antes de voltar a Paris. A viagem a Reims acaba se tornando o centro, o fulcro, a essência da história de Pierre e Nicole, na minha opinião. É quando se evidencia mais a imensa diferença entre os dois, a distância que os separa – de idade, de classe social, de nível cultural, de tudo. Pierre não quer ser visto com Nicole pelas pessoas que o convidaram para a palestra. Mas também para não expor que sua amante não é uma pessoa culta, de fina educação, de fina origem? Em que medida há o temor de que a informação se espalhe e chegue aos ouvidos de Franca, a esposa, e em que medida há o preconceito social, o convencionalismo, a caretice pequeno-burguesa? O espectador fica com raiva de Pierre, de sua fraqueza, sua tibieza, sua pequenez. Primeiro fala em voltar sozinha de trem para Paris, mas depois aceita ir com ele para os prometidos dois dias de calma, só para os dois, no hotelzinho sossegado de província. É logo após a chegada ao hotelzinho que há o que, para mim, é a seqüência mais bela do filme. Chegam ao hotel no início da manhã, depois da exasperante experiência em Reims e de uma madrugada na estrada. Nicole está exausta; deita-se na cama e adormece instantaneamente, enquanto Pierre fecha as cortinas das janelas. Está toda vestida, não teve forças para tirar sequer o sapato. Tira seus sapatos, um a um, devagarinho – close-up dos pés. Depois ergue o vestido, e a câmara mostra em close-up a liga que prende a meia de nylon, no alto da coxa. The soft skin, como o filme se chamou nos Estados Unidos. Em Portugal, para não ficar atrás, chamaram o filme de Angústia. Um homem fraco, que não toma decisões, atitudes, e é levado pela vida Não sei, é claro, exatamente o que Truffaut quis dizer, com essa história de amor que não chega propriamente a ser uma história de amor. É, a rigor, a história de um amor que não deu certo – ou sequer chegou a existir. Para mim, a sensação que ficou, nesta revisão, é que a rigor Pierre não consegue amar ninguém. Intelectual, autor de livros, respeitado, famoso, gosta, naturalmente, de ser admirado, incensado – mas dar amor, disso é absolutamente incapaz. O que se mostra de sua relação com Franca, a esposa, não é amor, respeito e admiração mútuos. Ele está sempre impaciente com ela, cobrando pequenas coisas, irritado com pequenas coisas. Se houve amor no passado, agora, ao menos, não há mais – é uma relação de comodidade, de hábito, ele fornecendo o dinheiro, ela cuidando das coisas materiais dele. Trata com simpatia a filhinha – mas não há, propriamente, interação entre eles, interesse dele em estar de fato com ela. E sua atração por Nicole… Nicole é a beleza jovem, com todo seu gigantesco poder de atração. Ele chega até a fazer perguntas sobre ela, demonstra interesse em conhecer um pouco dela – mas pára por aí. Chega até a escrever um telegrama em que declara amor a ela – mas não tem coragem de entregar. É um homem que se relaciona com o mundo via pensamento, estudo, verniz cultural. Não sabe expressar sentimentos, emoções – se é que os tem. Na verdade, Pierre é um homem fraco – como fica absolutamente explícito nas seqüências em Reims. E Nicole, por sua vez… Pierre a atrai exatamente pela erudição, pelo conhecimento intelectual acumulado, pelo fato de ser famoso, respeitado, bem de vida. Não é uma base de atração que possa permanecer por muito tempo mesmo. Nicole é jovem demais, bela demais, forte demais, independente demais para dedicar muito tempo de sua primavera a Pierre. Delerue compôs para o filme uma trilha sonora terna, suave – e até um fado Quero ir aos alfarrábios, ver o que o próprio Truffaut fala de seu filme, mas, antes, é preciso registrar um pouco que seja sobre Georges Delerue. É quase um fado legítimo – é uma bela canção, um prenúncio de romance. A trilha de Delerue para La Peau Douce é terna, suave, quase sutil. Perfeitamente apropriada a uma história simples de um amor que não chega a acontecer – bem diferente da trilha que ele faria quase duas décadas depois para A Mulher do Lado, uma história de um amor tempestuoso, agitado, nervoso, à beira de um ataque fatal. Para A Mulher do Lado (uma cena do filme aparece na capa do CD que reúne as trilhas sonoras para os filmes de Truffaut sobre as paixões amorosas, na foto), Delerue faria uma trilha com toques fortes nos violinos – que chega até a fazer lembrar um pouco as melodias fortes, pesadas, trincantes, que Bernard Herrmann, o compositor de vários filmes de Hitchcock, compôs nas suas duas colaborações com Truffaut, em A Noiva Estava de Preto e Fahrenheit 451. Delerue foi o autor de pelo menos 11 trilhas dos filmes de Truffaut. O cineasta trabalhou com outros compositores – além de Hermann, houve trilhas de Antoine Duhamel e Maurice Jaubert, além de colaborações esparsas com Jean Constintin e Maurice Le Roux. La Peau Douce foi o quarto filme de Truffaut musicado por Delerue. Só oito anos mais tarde os dois voltariam a trabalhar juntos. É uma bela trilha – são músicas que criam os climas das seqüências, mas que têm vida própria, e são extremamente agradáveis de se ouvir sem o filme. Em 1968, Truffaut escreveu para o número 200-201 dos Cahiers du Cinéma um belo, emocionante, emocionado texto sobre Françoise Dorléac, essa moça que passou pela vida rápido demais, feito um cometa: “Os filmes desaparecem e também aqueles que os realizam, aqueles que os julgam e aqueles que a eles assistem. Aqueles que os representam também, e ainda que os Cahiers se interessem menos por estes, peço permissão para publicar uma ou duas fotos de Françoise Dorléac, que morreu em 26 de junho do ano passado (1967) num acidente de carro, a caminho do aeroporto de Nice. Para o público, era uma notícia qualquer, cruel porque atingia uma belíssima moça de 25 anos, uma atriz que ainda não tivera tempo de se tornar estrela. Para todos os que a conheceram, François Dorléac representava antes uma pessoa como se vê pouco na vida, uma jovem incomparável cujo encanto, feminilidade, inteligência, graça e incrível força moral a faziam inesquecível para qualquer um que falasse com ela por uma hora.” “O difícil, para jovens atrizes, é efetuar harmoniosamente a passagem de adolescente para a mulher, abandonar os papéis juvenis pelos papéis adultos; creio que Françoise Dorléac, mulher precoce e prematura com rosto e corpo já feitos, era a única jovem atriz de quem se podia achar que agradaria cada vez mais.” O artigo de Truffaut tinha o título “Ela se chamava Françoise”. Muitos anos mais tarde, em 1996, a irmã mais nova de Françoise, Catherine Deneuve, escreveu, juntamente com Patrick Modiano, uma fotobiografia da atriz morta aos 25 anos de idade, cujo título é exatamente o mesmo, apenas seguido de reticências: Só mais tarde trabalharia com Catherine, em A Sereia do Mississipi, de 1969, e O Último Metrô, de 1980. Consta que se apaixonou por Catherine – ele sempre se apaixonou por suas atrizes -, e que tiveram um caso. Quando jovem crítico, ele reclamava dos diretores que diziam que o cinema é difícil A definição de Truffaut sobre o filme, numa entrevista em outubro de 1963, antes, portanto, que a obra ficasse pronta e estreasse: Sou um grande amante de histórias reais, e tenho um grande dossiê. A partir de histórias que me intrigaram ou me apaixonaram, com Jean-Louis Richard, escrevemos La Peau Douce.” Ninguém lê mais que dez linhas na internet, e já escrevi dez mil, mas paciência. Numa outra entrevista, de 1964, antes de concluir La Peau Douce – também transcrita no maravilhoso livro Truffaut par Truffaut, editado por Dominique Rabourdin –, o cineasta faz uma extraordinária confissão a respeito da imensa pretensão que ele, como crítico de cinema, tinha. Diz que, quando era crítico, tinha a tendência a ironizar os diretores que diziam que “o cinema é muito difícil,”. “Depois que me tornei cineasta, percebi que me era proibido juntar àqueles da segunda tendência. A inquietude, a ansiedade, a dúvida, o ceticismo, o pessimismo, e eu ousaria acrescentar a angústia, são meu cotidiano desde o primeiro dia de redação do roteiro até a última noite de montagem. Já fiz três filmes; La Peau Douce é o quarto. (…) Gostaria que meu quarto filme não fosse mais um navio em perdição, mas um trem que atravessa o interior.” Não basta o cara filmar genialmente, e escrever genialmente – ele também fala genialmente… Em 1968, quatro anos depois da estréia de La Peau Douce, em outra entrevista, ele diria: “La Peau Douce, eu soube muito depressa que seria um fracasso. Vi o filme muito lucidamente, como se tivesse sido feito por outra pessoa, e vi que ele era deprimente, que era um filme que ‘caía’. Aí então o entrevistador pergunta se o fracasso o deixou muito abatido. E François Truffaut responde que não, que, ao contrário, o fracasso é estimulante. Depois do sucesso, diz ele… “a expressão ‘repousar sobre os louros’ não foi inventada de graça”. Tão díspares em quase tudo, Truffaut e Lelouch reagem ao fracasso da mesma maneira Em All That Jazz, de Bob Fosse, o cineasta-coreógrafo-escritor-roteirista-montador Joe Giddeon, ao ver na TV uma crítica de cinema descer a lenha em seu mais recente filme, sente os sintomas de um novo ataque cardíaco, mais um. Em Um Homem, Uma Mulher Vinte Anos Depois, de Claude Lelouch, a produtora Anne Gauthier, assim que percebe que seu mais recente filme é um fracasso, reúne sua equipe e parte para um novo filme. Quando vi o filme, em 1986, terminei meu texto sobre ele na revista Afinal dizendo que para Lelouch não importa muito se sua obra mais recente foi um sucesso ou um fracasso: “Como Anne, seu personagem, Lelouch responde partindo para mais um filme”. É fascinante ver que Truffaut e Lelouch, dois dos cineastas que mais me encantam, tão díspares em quase tudo – um sempre incensado, com toda razão, o outro sempre vilipendiado, absurdamente – pensam e agem da mesma maneira. Eu devo ter chegado por aqui em um post assim: um texto que faz parecer mais próximo e conhecido o que já me é familiar e faz desejável o que ainda tenho a ver. Dos textos que emocionam pelo quê, mas ainda mais pelo como. Acabo de assistir ao filme pela TV achei interessante as cenas com o avião da Panair e desconhecia o fato da atriz principal ser irmã + velha de Catherine Deneuve. Mas quem me impressionou mais foi Nelly Benedetti (Franca), bonita mulher madura e decidida. Também foi o único filme com Françoise Dorleac que vi inteiro. Um homem de seus quarenta e tantos anos, não um galã, mas atraente, e uma garota adorável como a Dorleac (ela tem mesmo certa semelhança com Catherine Deneuve). O filme me pareceu ter aquele ritmo frio, mas absorvente, dos de Chabrol, e, no entanto, não parece um thriller (embora pareça sugerir, a todo momento, que aquele caso de amor vai acabar mal).Achei de fato o personagem do intelectual um fraco, um homem manipulável, e o episódio de Reims, em que ele não tem coragem de se livrar de um chato para se encontrar com a mulher que ama, é repleto da angústia dos covardes. Ele é bem o tipo que, diante de uma situação, ao invés de enfrentá-la, foge. Não tem a convicção de seus sentimentos, não está à altura deles, prefere talvez (como você diz) o distanciamento de uma vida mais cerebral, por isso seu comodismo e sua dependência das mulheres. E, ao contrário do que Truffaut diz, não é um fracasso. […] achei fascinante esse fenômeno de os franceses, de uma maneira geral, e os grandes cineastas (vide François Truffaut e Jacques Demy) de maneira especial, admirarem mais o cinema americano do que boa parte dos […] […] François Truffaut, o cineasta da ternura, fez uma declaração de amor à literatura em Fahrenheit 451 (1966), uma ao cinema em A Noite Americana (1973). O Último Metrô (1980) é uma declaração de amor ao teatro. Mas, a rigor, todos os filmes dele são amplas declarações de amor a todas as formas de arte, a todas as formas de amor – mesmo os mais trágicos, mais amargos. […] […] a irmã mais velha de Catherine Deneuve, que morreria tragicamente aos 25 anos de idade), em Um Só Pecado/La Peau Douce (1964). A história de amor dos dois é triste, muito triste – e, como outras histórias de amor […] […] Um plano-sequência, em especial, deixa o cinéfilo mesmerizado: a câmara pega toda a movimentação da praça, as dezenas de pessoas atarefadas montando seus palcos, suas barracas, gente dançando, gente cantando. E aí ela vai fazendo um zoom em direção a uma grande edificação de uns três andares diante da praça, e o zoom vai chegando mais e mais perto de uma janela do segundo andar, e aí a câmara entra na ampla sala que dá para a praça, e vemos les demoiselles de Rochefort, as duas garotas românticas do título brasileiro, as gêmeas Delphine e Solange Garnier, interpretadas pelas irmãs Catherine Deneuve e Françoise Dorléac. […] |
Era 1961, e aqui, neste país periférico, atrasado, sequer existia divórcio, esse pecado implantado na Grã-Bretanha por Henrique XVIII lá por 1500 e tanto, que só chegaria ao Brasil em 1977. Mas, no filme – uma produção dos estúdios Disney, voltada para toda a família, em especial o público juvenil –, as duas garotinhas de 13 anos de idade conversam sobre o tema. – “É assustador como os casais já não ficam juntos hoje em dia”, diz Susan, interpretada por Hayley Mills, aquela gracinha. The Parent Trap, ou armadilha dos pais, mais exatamente armadilha para os pais, que no Brasil teve o título de O Grande Amor de Nossas Vidas, é uma absoluta delícia de filme. Para muita gente, pode perfeitamente parecer um filme datado, velho, antiquado, bobo – e datado ele é, sem dúvida alguma. Ver The Parent Trap hoje, 54 anos e tanta revolução comportamental depois que ele foi feito, é também como observar uma peça de museu, com os ensinamentos sociológicos que isso traz. Uma produção Walt Disney de 1961 que fala de divórcio, afinal, serve também para nos mostrar quais eram os valores daquela época pré-pílula, pré-vitórias do feminismo, pré-Beatles, pré-minissaia, pré-hippies. Foi a atração dessa coisa histórica, museológica, que me fez, enquanto zapeava uma noite, querer gravar o filme. Mas, ao vê-lo, percebi de cara que seu valor não é apenas como peça histórica. E, afinal de contas, tem Hayley Mills, num delicioso papel duplo, como a estudiosa, séria Sharon McKendrick, criada em Boston pela mãe de família rica tradicional, rígida, conservadora, e como a moderninha, espevitada, festeira Susan Evans, criada na Califórnia pelo pai, um rico fazendeiro chegado aos esportes e à convivência com a natureza. Hayley Mills foi uma imensa sensação no começo dos anos 60 Hayley Catherine Rose Vivien Mills, muito pouco lembrada hoje, estourou no inicinho dos anos 60 como a sensação de atriz mirim, a garotinha doce, suave, que poderia talvez vir a ser a nova Shirley Temple. Nascida em 1946, em Londres, era filha de uma dramaturga, Mary Hayley Bell, e do grande ator John Mills (1908-2005), um dos preferidos do mestre David Lean (1908-1991). Consta que o diretor J. Lee Thompson viu a garotinha Hayley representando uma cena na sua própria casa – e, encantando, insistiu com John Mills para que a menina participasse do filme que fariam juntos em seguida, Marcados pelo Destino/Tiger Bay (1959), um thriller pesado, sério. A interpretação da garotinha de 13 anos foi premiada no Festival de Berlim, impressionou críticos mundo afora e foi suficiente para os estúdios Disney corressem para oferecer a ela um contrato de cinco anos. O segundo filme de sua carreira, o primeiro nos Estados Unidos, foi Pollyanna (1960), tremendo sucesso de público e crítica. É uma delícia ver Hayley Mills em dose dupla na tela – e impressiona demais a competência dos técnicos responsáveis pelos efeitos especiais que tornaram possível esse milagre, décadas antes da Industrial Light & Magic de George Lucas e das imagens geradas por computação. Não, é claro, que tenha sido a primeira vez que se conseguiu efeito semelhante. Charlie Chaplin – para dar apenas um exemplo – já havia posto um único ator para fazer os papéis de gêmeos em O Circo, de 1928. Não que as cenas com duas Hayley Mills tenham sido uma inovação – mas que é tudo feito com uma competência espantosa, ah, lá isso é. The Parent Trap se baseia em uma história alemã, “Das doppelte Lottchen”, escrita por Erich Kästner, que já havia dado origem a um filme inglês em 1953, Twice Upon a Time. O autor do roteiro foi o próprio diretor do filme, David Swift, que já havia dirigido Hayley Mills em Pollyanna. O filme foi grande sucesso de público na sua época; nos Estados Unidos, foi a terceira maior bilheteria do ano, abaixo apenas das superproduções Os Canhões de Navarone e Exodus, suplantando O Professor Aloprado, O Álamo e Quando Setembro Vier. Marcou tanto que, cerca de um quarto de século mais tarde, em 1986, foi lançado The Parent Trap II, no Brasil Operação Cupido 2, com uma história bem semelhante à do filme original. Hayley Mills, então com 40 anos de idade, fazia a mãe de uma das duas garotinhas da história. Mais ainda: a história seria refilmada em 1998, com o mesmo título original, The Parent Trap, no Brasil Operação Cupido, com a então garotinha Lindsay Lohan, aos 12 anos de idade, refazendo os papéis que haviam sido de Hayley Mills em 1961. Os adultos, nessa refilmagem, eram Dennis Quaid e Natasha Richardson, nos papéis que, no fim original, foram de Brian Keith e Maureen O’Hara. Não bastasse o filme ser divertido, gostoso, bem feito, não bastasse ter interesse também como peça de museu, não bastasse ter Hayley Mills em papel duplo, The Parent Trap tem Maureen O’Hara. (Por uma grande coincidência, acabei vendo The Parent Trap poucos dias após rever Como Era Verde Meu Vale, o grande clássico de 1941, o ano em que Maureen O’Hara tinha 21. Poucos dias após a morte da belíssima atriz, ocorrida em 24 de outubro de 2015, quando ela estava com 95 anos.) Nascida em 1920, Maureen O’Hara estava portanto com 41, no lançamento desta comédia aqui. Em 1961, as mulheres quarentonas pareciam bem mais velhas do que parecem hoje em dia – bem, hoje em dia aos 40 anos as mulheres são jovens. Isso é um absoluto fenômeno, mas é bem a verdade dos fatos. No entanto, aos 41 anos em 1961, na época em que as mulheres nessa faixa pareciam velhas, e fazendo papel de uma senhora, mãe de duas garotas de quase 14, Maureen O’Hara estava ainda no auge da beleza. Duas garotas bem parecidas, igualinhas, se encontram em um acampamento de verão Os créditos iniciais do filme são inteligentes, gostosos, bem sacados, como se usava muito naquela época, os anos em que Saul Bass reinava nos créditos iniciais. Não, não são deles estes aqui, mas são deliciosos, com uma animação com bonequinhos em terceira dimensão – uma espécie de Cupido, uma Cupida, duas garotinhas e um casal que está separado dançam e se agitam enquanto rolam os nomes dos atores, dos técnicos, dos autores. A rigor, a forma com que o homem e a mulher são forçados a se reunir já antecipa tintim por tintim a trama do filme. É inteiramente previsível, como em geral são previsíveis os filmes para todas as idades e as comédias românticas. Sim, porque este aqui é mezzo filme juvenil, mezzo comedinha romântica. Durante os créditos gostosos, o espectador ouve Tommy Sands e Annette Funicello cantando a canção título, composta pelos irmãos Richard M. Sherman e Robert B. Sherman, veteranos colaboradores de Walt Disney. Os dois assinam as canções de diversos, diversos filmes dos estúdios Disney, como, só para citar alguns, A Espada Era a Lei (1963), Mary Poppins(1964) e Mogli – O Menino Lobo (1967), e são personagens de Walt nos Bastidores de Mary Poppins (2013). Quando a ação começa, a garotinha Sharon McKendrick está chegando, no Rolls-Royce da avó, a um acampamento de verão, no meio do mato. O motorista da família entrega para ela um remédio, um protetor solar, um repelente de insetos. Ela é instalada em uma das dezenas de cabanas espalhadas por um belo terreno, em que ficará com duas outras garotas. No refeitório, Sharon se surpreende ao ver uma garota bastante parecida com ela própria. Na verdade, idêntica à ela, com a única exceção dos cabelos – os de Sharon são longos, os da outra menina são curtinhos. Como Sharon, a outra menina – que depois veremos que se chama Susan Evans – anda sempre com duas amigas. Num dia lá, estão as três numa canoa, no lago do lugar, e Sharon e suas amigas fazem virar a canoa delas. Susan e suas duas amigas invadem a cabana das adversárias, durante a noite, enquanto elas dormem, e fazem uma gigantesca fuzarca, sujando tudo com uma mistura pestilenta de mel e grama. As organizadores do acampamento, duras, rígidas, como têm que ser mesmo, ficam furiosíssimas com Sharon e amigas. Na noite de sábado tem baile – os garotos do acampamento para meninos vizinho são convidados. Numa hora em que Susan está conversando num deck com um menino, Sharon e amigas cortam a parte de trás do vestido dela. Segue-se uma briga de tapas entre as duas sósias, que resulta numa baderna geral e estraga todo o baile, numa sequência hilariante, absolutamente pastelônica, com direito a bolo caindo inteiro sobre o rosto da dona do acampamento, Miss Inch (Ruth McDevitt). Miss Inch providencia para as duas sósias brigonas um castigo extremamente adequado: vão ter que, por todo o resto das férias de verão, dividir uma cabana, e, no refeitório, ficarem as duas isoladas numa mesa distante das demais. Depois da descoberta de que são gêmeas, as duas começam a fazer planos É tudo absolutamente previsível, e então é claro que, depois de alguns dias uma estranhando a outra, uma evitando olhar para a outra, as duas meninas começam a conversar, e vão ficando amigas. Aí Sharon conta que mora com a mãe, e que sequer se lembra do pai – os dois haviam se separado quando ela ainda era bebê. E Susan conta que mora com o pai, e que só lembra da mãe porque havia em casa uma foto dela – mas o pai sumiu com a foto ao perceber que a filha estava olhando muito para ela. Sharon é que primeiro percebe o óbvio: são irmãs gêmeas, uai! Enquanto via o filme, pensei: só mesmo na cabeça de um escritor de imaginação fertilíssima poderia surgir a idéia de um casal que tem duas gêmeas e, ao se separar, quando elas ainda são bebês, cada um fica com uma delas, e a existência da outra fica guardada em segredo. Mas essa noção não resiste por muito tempo: os casais são capazes de fazer as coisas mais estúpidas, mais idiotas, mais sem sentido, quando se separam. O escritor alemão Erich Kastner, ao escrever sua história Das Doppelte Lottchen, não estava numa viagem doida de ácido. Não há loucura de que os seres humanos não sejam capazes. É até possível que algum casal já tenha tido a idéia maluca que Maggie McKendrick (o papel de Maureen O’Hara) e Mitch Evans (Brian Keith) tiveram de dividir entre eles suas duas gêmeas. Se é só coisa de ficção ou, ao contrário, poderia de fato acontecer na vida real, sei lá – mas que, numa comedinha para o público adolescente, é uma delícia de ponto de partida, disso não pode haver dúvida. Sharon e Susan passam então a planejar o futuro: vão trocar de identidade. Não é difícil: basta cortar o cabelo de Sharon, e cada uma aprender o nome das pessoas próximas da outra. Sharon vai se passar por Susan e viajar para a Califórnia; Susan vai se passar por Sharon e vai para a mansão da mãe e da avó em Boston. Assim, uma conhecerá a mãe que ainda não havia conhecido, e a outra conhecerá o pai. Mais tarde, em algum momento, vão revelar a troca, e então os pais serão obrigados a se reencontrar para destrocar as filhas, e aí quem sabe eles não resolvem ficar juntos de novo? O acampamento de verão termina quando o filme está aí com uns 20, 25 minutos no máximo. Aí é que a trama toda vai começar a se desenrolar. E o espectador passará a ver a beleza estonteante de Maureen O’Hara. O plano das meninas de reunir de volta papai e mamãe vai encontrar um sólido obstáculo: o pai está noivo de uma mulher jovem e bela, Vicky (Joanna Barnes). É absolutamente natural que as crianças, e mesmo os adolescentes, queiram ver seus pais juntos, como querem Sharon e Susan. E é um total absurdo o que os pais, Maggie e Mitch, fizeram com as duas – forçando a barra para que uma gêmea jamais soubesse da existência da outra e, pior ainda, sumindo completamente da vida da outra criança, de tal forma que uma crescesse sem pai e a outra, sem mãe. Mas o que a rigor causa mais estranheza é ver que o filme acaba, de certa maneira, condenando a guarda compartilhada, ou, no mínimo, não fazendo a defesa dela – e a guarda compartilhada é, sem qualquer sombra de dúvida, a melhor opção para os filhos de pais separados. Pai presente, mãe presente – isso é o que de melhor se pode desejar para qualquer criança, qualquer adolescente. Não é necessário que pai e mãe vivam juntos – na verdade, viver juntos em clima de absoluto distanciamento, quando não de ódio aberto, só com a desculpa de que é melhor para os filmes, é de longe a pior opção. Se o amor acabou, se há mais briga que momento bom, se há mais ressentimento que afeto, que se separem logo, os pais – e continuem a amar e ver os filhos, cada um em sua casa, e que continuem a dividir a criação dos filhos. Em conversa com a mãe, quando os segredos já foram desvendados, Susan se refere à guarda compartilhada como “filhos iô-iô”, como toalhas marcas “ele” e “ela”. E Maggie-Maureen O’Hara, mulher madura, inteligente, vivida, sequer tenta esboçar a defesa da saída que é a menos agressiva, menos dolorosa, menos triste, para quando o casal se desfaz. Quando Robert Benton lançou o belo, triste, sério Kramer vs Kramer, em 1979, fazia cerca de três anos que eu tinha saído de casa deixando minha única filha com a mãe. Àquela altura, no entanto, a parte absolutamente pior do processo de separação já tinha passado, tínhamos chegado juntos à conclusão óbvia de que o mais importante era cuidar da pequena, e eu era presença constante, diária, rotineira, na vida dela: ia pegá-la na escolinha todos os dias, e ficava com ela um bom tempinho. Mesmo assim, me lembro perfeitamente de que vi Kramer vs Kramer com dois pés e duas mãos para trás: se o filme fizesse uma pequena defesa, que fosse, de se manter um casamento para privilegiar o desejo dos filhos de ver pai e mãe juntos, eu teria ódio mortal e eterno dele. Claro que Kramer vs Kramer é um belo filme, que não faz defesa reacionária, conformista, de se manter um casamento que na realidade já se desfez. Mas, na época, essa coisa da posição diante da separação, do divórcio, me incomodava profundamente. Não importa se pai e mãe moram juntos – importa é que eles cuidem bem dos filhos É fascinante verificar que, nos últimos anos, vários filmes têm feito a louvação do reatamento do casal que se separou. Relove is in the air, eu escrevi, outro dia, comentando isso que parece de fato uma tendência… Me permito transcrever o que escrevi depois de ver Um Plano Brilhante/The Love Punch (2013), uma comedinha danada de boba com a maravilhosa Emma Thompson e Pierce Brosnan: Este aqui é pelo menos o quinto filme mais ou menos recente em que acontece essa coisa de o herói e a heroína voltarem a ficar juntos depois de um tempo separados. Há um reatamento emO Casamento do Ano/The Big Wedding (2013), ótima comédia com Robert De Niro, Diane Keaton, Susan Sarandon, Robin Williams e os jovens Katherine Heigl, Amanda Seyfried e Topher Grace. Há um reatamento em Ligados pelo Amor/Stuck in Love, interessante comédia com Greg Kinnear e a lindérrima Jennifer Connelly (2012). Em Simplesmente Complicado/It’s Complicated (2009), Meryl Streep e Alec Baldwin interpretam um casal que está divorciado faz tempo. Ele está casado com uma garota bem mais jovem, e ela está sendo cortejada por um sujeito interessante interpretado por Steve Martin). Mas aí os dois se reúnem para a formatura do filho no colégio e… trepam! Em Chef (2014), Carl e Inez, que haviam sido casados, e tiveram um filho, garoto legal, que está aí agora com uns 14 anos, ficam juntos de novo. Casam-se novamente, numa grande festa com música cubana – Inez é cubana. De onde se pode concluir que gêmeas que tentam fazer com que pai e mãe voltem a ficar juntos, num filme de 1961, não é propriamente algo velho, antiquado, já superado pelas técnicas de hoje, com licença do Horácio Ferrer por roubar o verso dele. E desejar que pai e mãe estejam juntos nem é algo “reacionário”, como eu diria quando era jovem e estava ainda no início do segundo casamento e cheio de culpa por não morar com a filha – embora dedicasse a ela mais tempo do que muito pai casado dedica… A verdade é aquela que Pessoa, Caetano e Milton cantam: qualquer maneira de amor vale a pena, e tudo vale a pena quando a alma não é pequena – e, sobretudo, quando, sob o mesmo teto ou não, pai e mãe fazem todo o possível pelo bem dos filhos. The Parent Trap teve duas indicações ao Oscar, em categorias técnicas: melhor edição de som e melhor som. Não levou nenhum dos dois, mas é um sinal a mais de que não foi um filme que passou propriamente despercebido em seu tempo. “Hayley interpreta gêmeas que nunca haviam se encontrado até que seus pais divorciados as mandam para o mesmo acampamento de verão; depois de uma rivalidade inicial, elas unem forças para reunir sua mãe e pai. Tentativa de misturar pastelão e sofisticação não funciona, mas de uma maneira geral é engraçado.” Maltin acrescenta a informação de que a história de Erich Kastner já havia sido filmada em 1953 na Inglaterra, e que ela inspiraria várias refilmagens. O guia de filmes de Mick Martin & Marsha Porter dá especial atenção à questão do que é ofensivo aos valores familiares. The Parent Trap está lá, com 4 estrelas em 5, e uma rápida sinopse: “Walt Disney dobrou a graça nesta comédia em que ele teve Hayley Mills interpretando gêmeas.” Para mim, ver o filme agora, pela primeira vez, foi uma absoluta delícia por diversos motivos sobre os quais já falei aí acima. Só não havia dito ainda que a figura de Hayley Mills sempre me atraiu – porque ela estava em absoluta evidência quando comecei a ver filmes, porque ela era quase da minha idade, porque ela era inglesa, porque ela era filha de John Mills. E também porque ela era a atriz principal de The Family Way, de 1966 – o primeiro filme que teve trilha sonora composta por Paul McCartney. |
Praticamente toda a ação deste Venuto al Mondo, que o italiano Sergio Castellitto lançou em 2012, se passa em Sarajevo e seus arredores, antes, durante e depois da sangrenta guerra civil que destroçou a ex-Iugoslávia, numa das mais óbvias comprovações de que a humanidade é uma invenção que não deu certo. No entanto, tive um problema com o filme do diretor Castellitto. Fiquei com a estranha, desagradável sensação de que o filme, ao mesmo tempo em que existe para denunciar a barbárie, usa a própria barbárie para atrair público. Porque, a rigor, a rigor, não é um filme sobre a guerra da Bósnia: é a história de uma mulher que quer ter um filho. Acontece num dos períodos mais infames da história da humanidade para ter maior peso dramático. A Bósnia é um acidente na história de Gemma, a protagonista – o papel de Penélope Cruz, lindérrima como sempre. Insisto: foi essa a sensação que tive – íntima, particular, só minha, que nem dor de dente. Mary, ali a meu lado, não teve essa sensação, essa visão, essa impressão. A ação começa nos dias de hoje, da época da produção, início da segunda década deste século. Gemma – uma Penélope Cruz muito bem maquiada para parecer mais velha, com fios brancos na bela cabeleira negra – recebe um telefone internacional. É nítido que os dois não se falavam havia muitos, muitos anos. Vai haver uma exposição de fotos de Diego – e então é a oportunidade ideal para ela rever os velhos amigos. Gemma conta do telefonema para o marido, Giuliano (o papel do próprio diretor Sergio Castellitto), que, veremos em seguida, é alto official dos carabinieri, a polícia militar italiana. Fica absolutamente claro que o telefonema, o convite, a existência de Gojko incomodam Giuliano – mas ele engole em seco o incômodo. Respeita a mulher, não fará nada para impedi-la de fazer o que ela bem entender. E Gemma logo em seguida está desembarcando em Sarajevo com o filho, Pietro. (Pietro, um rapaz aí de uns 17 anos, de fulgurantes olhos azuis, é interpretado por Pietro Castellitto, filho do diretor Sergio e de Margaret Mazzantini, que vem a ser a autora do romance Venuto al Mondo, publicado em 2008. A adaptação do romance para o cinema foi feita a quatro mãos pelo diretor e pela escritora, marido e mulher.) Gemma e Pietro são recebidos por um Gojko exultante, maravilhado por estar revendo a velha amiga que não via há quase 20 anos. E, a partir daí, a narrativa vai alternar fatos passados nos dias de hoje – os dias da visita de mãe e filho à Sarajevo de 2012 – com fatos ocorridos entre 1984 e 1992. Em 1984, a então jovem Gemma havia viajado pela primeira vez a Sarajevo, para estudar sobre a vida de Andric para sua tese na universidade. (Não se diz o prenome da personalidade, mas é possível que seja Ivo Andrić, 1892–1975, novelista e vencedor do Nobel.) Foi naquele ano de 1984 – em que a Iugoslávia sediou os Jogos Olímpicos de Inverno – que Gemma e Gojko se conheceram. Ficaram amicíssimos, mas, ao contrário do que o espectador poderia pensar (assim como Mary e eu chegamos a pensar), não tiveram um caso. Gojko ficou bastante apaixonado pela italiana linda – mas ela se apaixonou por um dos muitos amigos a quem foi apresentado por Gjojko, Diego, um fotógrafo americano jovem, aventureiro, alegre, cheio de vida. No filme, é americano – e vem na pele de Emile Hirsch. A escolha do garotão americano Emile Hirsch para o principal papel masculino é, no mínimo, no mínimo, uma esperteza de marketing, por abrir para o filme boas portas do mercado americano, o maior do mundo. E deixa mais natural o fato de a italiana Gemma e os bósnios de Sarajevo conversarem em inglês, a língua que é assim o mínimo múltiplo comum. É absolutamente natural que Gemma e Gotko falem em inglês; quando conversam entre si, os bósnios falam na língua deles, e Gemma conversa com o marido em italiano. Além de Diego, Gemma fica conhecendo, já naquela sua primeira estada em Sarajevo, vários amigos de Gotko. Como ele é poeta, seus amigos são um bando de malucos beleza, em geral ligados à arte. Há um mímico, um casal mais idoso de intelectuais, ele judeu, ela muçulmana. Surgirá depois no grupo uma saxofonista de beleza absolutamente estranha e faiscantes olhos azuis; chama-se Aska (Saadet Aksoy, na foto abaixo), e terá importância imensa na trama. Vão voltar a se encontrar mais tarde em Roma, onde ela vive. Terão uma história de amor intenso, fortissimo – e aí, finalmente, quando o filme já está se aproximando da metade de seus longos 127 minutos, a narrativa passa a se concentrar na questão de Gemma querer desesperadamente um filho de Diego. Esse desejo gigantesco estará no auge quando os dois voltarão para Sarajevo no início dos anos 90, em meio à loucura da guerra civil. A trama a partir daí terá tons absolutamente trágicos – e surpresas, e uma imensa reviravolta. “A expressão fácil de Penépole Cruz ao longo do filme é emocionante” Venuto al Mondo teve no Brasil o título de Prova de Redenção. Foi exibido no canal Max, no entanto, com o título de Bem-Vindo ao Mundo. Nos países de língua inglesa, chamou-se Twice Born, nascido duas vezes. Na França foi Venir au Monde, na Espanha Volver a Nacer, em Portugal Voltar a Nascer. Sergio Castellitto (na foto abaixo) é um romano da minha geração – nasceu em 1953. Tem mais de 70 títulos como ator em sua filmografia, iniciada em 1981. Este aqui foi o quinto filme que dirigiu – e, aparentemente, apenas o segundo a ser lançado no Brasil, depois de Não se Mova, de 2004 – também baseado em livro de sua mulher Margaret Mazzantini, também com roteiro do casal e também com Penélope Cruz no elenco. Uma leitora do IMDb que vive na Califórnia escreveu o seguinte: O desejo de uma mulher de ser mãe foi muito bem ilustrado. Sua expressão facial ao longo do filme é emocionante e faz você ficar pensando sobre este filme durante um bom tempo.” |
Pacto de Sangue / Double Indemnity e Assassinos / The Killers Interessantíssima coincidência ter visto numa mesma semana estes dois belos filmes, grandes clássicos do film noir, que têm tantas semelhanças e aproximações. A primeira semelhança, claro, é o próprio estilo, dois filmes sobre crime com o maravilhoso estilo noir, as tramas complexas, cheias de sordidez e corrupção, o preto e branco, muitas sombras, a influência do expressionismo alemão trazida pelos imigrantes que fugiam do nazismo. A segunda é a época em que foram feitos – só dois anos separam um do outro, 1944 e 1946. A terceira é que os dois se baseiam em histórias criadas por grandes escritores já na época consagrados, Hemingway e James M. Cain. A quarta é que a música dos dois é do mesmo compositor, o húngaro Miklos Rosza (1907-1996, três Oscars de trilha sonora, fora nove outras indicações). A quinta é que foram, os dois filmes, indicados para grande número de categorias do Oscar – Pacto de Sangue em 1944 para sete (filme, atriz, diretor, roteiro, fotografia, trilha sonora, som); e Assassinos em 1946 para quatro (diretor, roteiro, montagem e música). Com mais a coincidência de que nenhum deles levou estatueta alguma. A sexta é que os dois usam o mesmo estilo de narrativa, entremeada de flashbacks, começando no que seriam os dias atuais e já mostrando nos primeiros minutos uma revelação forte – em Assassinos, o assassinato do Sueco, e, em Pacto de Sangue, a confissão de que Walter Neff é o assassino. A sétima é que os dois foram refeitos mais tarde, em versões consideradas boas, porém inferiores aos originais – Assassinos em 1964, com direção de Don Siegel, e Pacto de Sangue em 1973, dirigida por Jack Smith. Assassinos 1964 foi o último filme daquele canastrãozinho que depois se daria melhor em outra ocupação, Ronald Reagan. Pacto de Sangue 1973 tinha aquela gracinha da Samantha Eggar, oito anos depois de O Colecionador. E a oitava é aquela característica tão cara aos film noirs: ao fim e ao cabo, o espectador compreenderá que toda a trama macabra foi fruto da ganância de uma mulher, uma dame, ou baby, uma femme fatale, linda, astuciosa, fria, que joga os homens a seus pés para conseguir o que desejam. Os homens, pobres joguetes nas mãos delas, fazem o serviço sujo – mas são elas que saem ganhando. A única diferença, no caso das duas atrizes que fazem a femme fatale, é que Barbara Stanwyck era mais velha (estava com 37 anos) e já estava absolutamente consagrada quando fez o papel de Phyllis Dietrichson, e Ava Gardner era mais jovem (24 anos, só) e, embora já tivesse feito vários filmes, só alcançou o estrelato com este filme, ao interpretar Kitty Collins. tio, assisti pacto de sangue esse fim de semana… há havia assistido antes mas em tempos de imaturidade… agora, sem dúvida, foi muito mais interessante… ah, sim, mulheres sordidas que fazem os homens fazer o serviço sujo… isso de fato é noir! forte e fraterno abraço, seu sobrinho betão Edward G. Robinson está impecável na pele do Barton Keyes “. Barbara Stanwick, como era linda esta atriz. A Phyllis era uma mulher mentirosa, manipuladora, e sem escrúpulo algum. Fred MacMurray em uma grande atuação. ” Matei um homem por dinheiro.. e por uma mulher. Também não terminei com a mulher. ” ” Eu nao conseguia ouvir meus passos era a caminhada de um homem morto. ” Eu já disse uma vez que vi filmes muito bons como este no comêço dos anos 70 na Globo. Jennifer Jones, Ava Gardner,LizTaylor,Ingrid Bergman, a própria Barbara Stanwick , Bete Davis , Joan Crawford , Robert Mitchun , Ray Milland, Joseph Cotten,James Stewart,Gregory Peck . . . que coisa bôa que era !! Um abraço!! Ontém, mesmo tendo voltado para me desculpar pelo “envolvente”, acabei me esquecendo de dizer que outro filmaço do Wilder que vi foi “Crepúsculo dos Deuses”. Willian Holden ( grande, muito bom ator ) e Gloria Swanson estiveram soberbos , ela ainda mais. Com Holden vi outros filmes mas com a Gloria que me lembre, só vi este. Devo também ter visto outros filmes de Wilder que não lembro agora. Dois filmes muito bons, mas eu gosto muito mais, mas muito mais de Double Indemnity. É um dos filmes que mais aprecio, e, sem dúvida, o melhor noir. Eu não percebo porque razão Ava demorou tanto tempo a conseguir tornar-se uma grande estrela. Eu julgo que ela começou a carreira como atriz no inicio dos anos 40 na MGM mas só em 1946 é que virou uma sensação. Bem, ela está bem em The Killers, mas o papel dela não tem muito destaque. Eu sei que ela é o motor de tudo mas não aparece muito. Uma coisa que eu não concordo: a mulher no filme noir não se sai safando. Ela é castigada, tem um final negativo (a teoria feminista estuda isso mesmo, eu mesmo fiz um trabalho sobre isso). O homem também pode ser castigado mas também se pode sair bem como em The lady from shanghai. De qq forma, um bom post sobre o meu site preferido de cinema […] já havia dirigido também Fred MacMurray 16 anos antes num dos noirs mais noir de todos os tempos, Pacto de Sangue/Double Indemnity; e Ray Walston, que faz um papel pequeno, como um dos chefes de seção que usa o apartamento de […] Tem aquele ritmo, aquela sensualidade forte e aquela agonia dos grandes noir. Embora seu parente mais próximo seja o excepcional Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan, descende daquela linha majestática que inclui O Destino Bate à Sua Porta/The Postman Always Rings Twice (o original, dos anos 40, com Lana Turner, muito melhor do que o remake óbvio e explícito demais do Bob Rafelson nos anos 80) e Pacto de Sangue/Double Indemnity. […] […] violenta do jornalismo sensacionalista, A Montanha dos Sete Abutres, à essência do film noir, Pacto de Sangue, da comédia mais trágica que pode haver, Se Meu Apartamento Falasse, à comédia mais escrachada, […] […] provocariam a paixão fatal do vendedor de seguros Walter Neff, interpretado por Fred MacMurray em Pacto de Sangue/Double Indemnity, de Billy Wilder, um dos mais perfeitos, maravilhosos filmes noir da […] […] de Barbara Stanwyck são a primeira parte do corpo dela que a câmara de Billy Wilder mostra em Pacto de Sangue/Double Indemnity, um dos melhores filmes noir da história. Pacto de Sangue é de 1944, três anos depois, portanto, […] […] M. Cain, o autor dos livros que deram origem a dois dos mais clássicos filmes noir da história, Pacto de Sangue/Double Indemnity (1944), de Billy Wilder e com Barbara Stanwyck, e O Destino Bate à Sua Porta (1946), de Tay […] […] a James M. Cain, o autor das novelas policiais que deram origem a dois dos maiores clássicos noir, Pacto de Sangue/Double Indemnity e O Destino Bate à Sua Porta/The Postman Always Rings Twice. […] Moffett é vil, é má que nem, ou talvez até pior, que a Phyllis Dietrichson-Barbara Stanwyck de Pacto de Sangue/Double Indemnity (1944), do que a Cora Smith-Lana Turner de O Destino Bate à Porta/The Postman Always Rings Twice […] […] o portão para que o carro passe, exibe para o condômino sua imitação de Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue/Double Indemnity (1944): – “Eu não entendo. […] quando o protagonista e o espectador vêem pela primeira vez a personagem de Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue/Double Indemnity, de 1944. São as pernas de La Stanwyck que a câmara focaliza – ela usa uma tornozeleira, que […] […] Roberts interpretada por Olivia Wilde é parente da Phyllis Dietrichson de Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue (1944), da Cora Smith de Lana Turner em O Destino Bate à Porta (1946), da Matty Walker de Corpos […] |
O inglês Stephen Frears é um sujeito que passa por todos os gêneros possíveis e imagináveis, em filmes feitos na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Irlanda – sempre com uma absurda competência. Para fazer o filme, teve dinheiro de produtoras de três países – a sua Inglaterra natal, os Estados Unidos onde a ação se passa e o filme foi feito, mais a Alemanha. Carter Burwell, o excelente autor das trilhas sonoras dos irmãos Coen, fez um trabalho magnífico. O diretor de fotografia Oliver Stapleton não é um nome muito conhecido, mas fez um trabalho de babar. O filme é repleto de fantásticos planos gerais da paisagem ao mesmo tempo seca, agressiva, e estupidamente bela, com vales, montanhas, casas pobres isoladas no meio de vastas áreas de terra crua. Visualmente, o filme é de uma beleza extasiante, uma homenagem ao mais americano de todos os gêneros do cinema e seus grandes mestres, John Ford, Howard Hawks, Raoul Walsh, Anthony Mann – os planos gerais da paisagem desolada e bela se misturando ao clima pesado dos saloons onde se bebe muito além do que o fígado e o cérebro humano podem agüentar, e onde as tensões estão sempre a ponto de explodir. Como se trata de Stephen Frears, com o apoio de Martin Scorsese, este não é um western tradicional. Embora todo o clima seja de um western tradicional, a ação se passa nos anos 40 – 1940, e não 1840. Os personagens centrais são caubóis – cowboys, é bom lembrar, criadores de gado. Andam a cavalo, mas os cavalos já convivem com carros, ônibus, telefones, e os grandes fazendeiros já não conduzem mais seu gado de um canto a outro do país, até o local da venda, no muque, como se fazia antigamente, e sim em caminhões. Tirando esses detalhes – carros, ônibus, telefones, caminhões –, no entanto, o mundo que Frears mostra em seu filme não é diferente do Velho Oeste dos westerns tradicionais, o do outro século, o anterior, o que a gente chamava de século passado, e hoje é um passado absolutamente distante. O saloon, por exemplo, mudou pouquíssimo, e nele se encontram tanto os caubóis mocinhos quanto o grande fazendeiro e seus capangas, os bandidos – o grande fazendeiro é igualzinho eram os grandes fazendeiros de cem anos antes. São todos bandidos, exploradores do trabalho dos outros, roubam tudo o que podem – exatamente como são mostradas, em 99% dos filmes americanos, westerns ou não, as grandes corporações. Já houve outros westerns passados em meio a carros e helicópteros Não que seja absoluta novidade um western passado em pleno século XX. Em Sua Última Façanha /Lonely Are the Brave, de David Miller, de 1962, por exemplo, Kirk Douglas interpreta um cáuboi renitente que foge dos homens da lei em seu fiel cavalo – e a polícia, chefiada pelo xerife interpretado por Walter Matthau, além de carros, usa até um helicóptero na perseguição. Em O Cavaleiro Elétrico/The Electric Horseman, de Sydney Pollack, de 1979, o protagonista, interpretado por Robert Redford, um ex-campeão de rodeios tornado um autômato pela cachaça e pelo louco esquema de Las Vegas, foge pelos campos infinitos com um cavalo milionário, toda a polícia e a imprensa do país atrás. E, em O Indomado/Hud, de Martin Ritt, de 1963, o filho do vaqueiro (o papel de Paul Newman) não quer saber de vacas nem de cavalos – gosta de cachaça, mas acompanhada por seu Cadillac e qualquer mulher que passar à sua frente. Um cruzamento de western com film noir – só que colorido Terra de Paixões/The Hi-Lo Country tem um pouco do clima desses três westerns passados em dias bem mais recentes. Tem, sobretudo, afinidades com O Indomado/Hud: o cenário é o Oeste, bem parecido com o Velho Oeste, mas a trama se centra nas relações afetivas, familiares e amorosas. O protagonista e narrador, Pete (Billy Crudup, à direita na foto abaixo), comprou um pedaço de terra no Novo México, no final dos anos 30, início dos anos 40. Comprou também um cavalo de um sujeito do lugar, Big Boy Matson (Woody Harrelson), mas o animal se mostrou mais arisco e violento do que Pete era capaz de aguentar, e ele então voltou até Big Boy para tentar desfazer o negócio. Para sua surpresa, Big Boy não só pagou de volta os mesmos US$ 75 como se mostrou disposto a ajudar o recém-chegado Pete no que ele precisasse. Big Boy e Pete tornam-se inseparáveis – no trabalho com o gado, e nas bebedeiras. Separam-se por alguns anos com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, mas se reaproximam logo que retornam à região de Hi-Lo, a do título original do filme. Ao voltar da guerra, com uma boa soma de dinheiro do salário de combatente, Pete planeja comprar umas centenas de cabeça de gado. Num bar, reencontra Mona (Patricia Arquette), a mulher mais bela do pedaço, e Josepha (o papel de Penélope Cruz), a mocinha certa para qualquer sujeito que queira o amor em paz. E aqui se dá um bem feito cruzamento de um western passado nos 40 com um film noir que era o gênero quente daquela época. Mona, naquele lugar perdido nos confins do Novo México, é muito parecida com as femmes fatales que percorriam os bares de Nova York ou Los Angeles nos film noirs, enlouquecendo a cabeça dos homens. Para cada femme fatale está destinado um pato, e Pete é o pato, tadinho. Entre a mocinha certa e a mulher mais bela do pedaço, casada com o capataz do grande fazendeiro mas obviamente doidinha para pular todas as cercas, Pete, o pato, escolhe a segunda. Só depois de tragado pela paixão por Mona é que Pete descobre que Mona já está pulando a cerca – e exatamente com o maior amigo dele, Big Boy. Não me parece que o filme – embora muito bom, feito por diretor de renome, com produtor de renome maior ainda – tenha sido um sucesso nos Estados Unidos. De fato, segundo o Box Office Mojo, o filme rendeu apenas US$ 166 mil no mercado americano, uma merrequinha de nada. Fico imaginando se ao menos parte desse fracasso não se deve ao elenco escolhido por Stephen Frears. O elenco é ótimo, está absolutamente brilhante – mas não eram, na época, grandes astros Woody Harrelson, Billy Crudup e Patricia Arquette. A maior estrela do elenco hoje é Penélope Cruz, mas na época ela ainda era uma desconhecida nos Estados Unidos – tinha apenas 24 anos, a espanhola deslumbrante; tinha já uma penca de filmes em seu país, mas estava apenas começando a carreira internacional. É o anti-John Malkovich, o anti-Jack Black, esses sujeitos que fazem eternamente o papel deles mesmos. Está brilhante como o cáuboi de boa alma e maneiras bruscas e violentas, aferrado às tradições – inclusive à de não se importar muito com o fato de que todo mundo acabará sabendo que ele come a mulher do capataz do grande fazendeiro. É preciso ser ótimo fisionomista para sacar que essa atriz que faz Mona, a femme fatale de The Hi-Lo Country, é a mesma de Vivendo no Limite/Bringing Out the Dead, de Martin Scorsese. E é preciso ter boa memória para não confundi-la com a irmã Rosanna, que também trabalhou com Scorsese – em Depois de Horas/After Hours. Talvez o excesso de camaleonismo tenha acabado prejudicando Patricia Arquette, impedindo que ela se tornasse uma grande estrela. Mas é uma bela atriz – é tão boa atriz que consegue parecer mais bonita que a lindérrima Penélope Cruz bem jovem. Se não para todos os espectadores, para todos os homens daquele lugar perdido no meio do Novo México. Aparece em apenas uma sequência, a veterana atriz – faz o papel de uma vidente, uma cartomante, que Big Boy, o bravo, Pete, o pato, Mona, a femme fatale, e Josepha, a mocinha perfeita, vão consultar, quando o filme já está se aproximando do final. Deve ter sido provavelmente do produtor Martin Scorsese, um estudioso do cinema, um admirador das grandes obras do passado, a idéia de chamar Katy Jurado (1924-2002) para um papel, ainda que mínimo, nesse western moderno. O fato é que é uma bela homenagem a essa mexicana de Guadalara que fez tantos westerns, nos anos 50 e 60 – impossível não lembrar dela como a mulher do personagem safado interpretado por Karl Malden em A Face Oculta/One Eyed Jack, o único filme que Marlon Brando resolveu dirigir na vida; e, principalmente, como a mulher da vida que esteve no passado do xerife Will Kane, e que agora, no momento da ação, os 90 minutos mais cronometrados da história do Oeste, dá guarida à jovem esposa dele, a ex-amante toda de preto, a jovem esposa toda de branco, em Matar ou Morrer/High Noon. Sempre é bom ver a opinião dos outros, e checar alguns fatos Stephen Frears ganhou o Urso de Prata em Berlim pela direção do filme. Foi o único prêmio importante que o filme levou – teve quatro prêmios e quatro indicações. Segundo ele, o filme tem tantas coisas a seu favor – inclusive a extraordinária interpretação de Woody Harrelson e a fotografia de Oliver Stapleton – que é uma pena que não seja uma maravilha. O Guide des Films de Jean Tulard diz que é um western nostálgico, onde encontramos as seqüências obrigatórias do gênero – as conversas no saloon, o trabalho com o gado, “a femme fatale e a jovem pura”, etc. “Mas o que parece interessar prioritariamente a Stephen Frears é a ligação com um mundo em via de desaparecimento, com os valores universais da amizade viril ou o gosto por uma vida rude, mas livre. As imagens são uníssonas com a realização: simples, amplas e belas. Essas duas últimas frases do guia francês definem perfeitamente o filme, muito melhor do que tudo o que eu havia dito antes. Mas também o nome do cara é Jean Tulard, e o meu é apenas Sérgio Vaz. Depois do que se diz no guia de Tulard, não é preciso dizer mais nada, mas acrescento: num filme povoado por imagens simples, amplas e belas, uma seqüência, em especial, chama a atenção, faz quem gosta de cinema babar, querer rever e rever de novo: a sequência do baile, em que Pete já entra sabendo que os homens do grande fazendeiro vão atacar Big Boy. Dizer que é tão brilhante quanto a cena do baile de O Leopardo, de Visconti, seria um exagero. se eu nunca tivesse vindo aqui, hoje eu teria chegado por uma via ou outra. Porque esse filme faz sal nos meus olhos e coceira na garganta e pede reprises? Mas ainda mais porque em sua resenha você conseguiu sair listando quase tudo que me apaixona no cinema. Se houvesse um motor de busca assim – cinemacoraçãoluciana – de imediato viria parar aqui: Dois anos antes, em 1998, ela havia feito, sob a direção do inglês Stephan Frears, Terra de Paixões/The Hi-Lo Country, em que ainda era coadjuvante. Este aqui foi de fato o primeiro filme falado em inglês em que ela […] |
O lead é bom, é ótimo: uma mulher desesperada, vestindo apenas uma capa, pede carona numa estrada à noite, corre, foge, pede socorro. A câmara é como se fossem os olhos do motorista – vemos a estrada adiante, na escuridão da noite. Pouco depois, enquanto o espectador ouve a respiração ainda ofegante da mulher sentada ao lado do motorista, as palavras da apresentação, dos letreiros, vão aparecendo como se fossem avisos escritos no asfalto. O diálogo dela com o homem que deu a carona é ótimo – epa, o filme promete! Depois a trama se perde numa confusão que nem Raymond Chandler e Dashiell Hammett juntos conseguiriam entender. Leonard Maltin diz que o filme é cheio de clima, rápido e violento, anos à frente de seu tempo, com muita influência da nouvelle vague francesa – e é um dos melhores do diretor Robert Aldrich. Isso não é pouco, já que Aldrich fez muitos bons filmes, desde suspense-terror como O Que Aconteceu com Baby Jane? e Com a Maldade na Alma até westerns como O Último Pôr-do-Sol e Vera Cruz. |
É mais uma prova de que a Inglaterra faz um dos grandes cinemas do mundo, se não o melhor. É um policial duro, pesado, que se fosse feito no esquemão padrão de Hollywood muito provavelmente se perderia nas tentativas de se fazer glamour da violência e mostrar muita violência desnecessária. Este não tem glamour algum, e a violência é do próprio tema, e muito mais moral que visual. É sobre uma trama de corrupção em uma delegacia de polícia de lugar não claramente definido – pode ser na periferia de Londres ou de alguma grande cidade tipo Birmingham. Gira em torno da amizade de décadas de dois veteranos policiais – um deles chefe da delegacia, outro investigador. Alguém da corregedoria procura o investigador e pede a ele que fique de olho no seu amigo e superior, suspeito de corrupção com o traficante local. O investigador se nega a acreditar que o amigo esteja em esquema corrupto, justamente porque o conhece há muitos anos e testemunhou, lá atrás, no passado, como ele resistiu a diversas tentativas de ser corrompido. Eu, espectador, me peguei torcendo para que a informação da corregedoria fosse errada, que o chefe da delegacia fosse inocente e honesto. O filme vai fundo nas relações de amizade entre as famílias dos policiais. Fala dos preconceitos de classe – ou não seria um bom filme inglês – e do preconceito racial (no bairro, é claro, existem imigrantes paquistaneses). |
The Big Heat, de 1953, no Brasil Os Corruptos, é um grande filme, uma obra-prima. É um dos melhores filmes da fase americana do alemão Fritz Lang, um dos maiores realizadores do primeiro século do cinema. É tido como um dos grandes do filme noir, esse gênero endeusado por 11 de cada 10 cinéfilos. Da essência do noir, tem, na forma, o visual extremamente bem cuidado, com ênfase no jogo de luz e sombra, o chiaroscuro, herança do expressionismo alemão dos anos 1920 que Lang conheceu tão bem, porque foi um de seus expoentes. E, no conteúdo, a atmosfera de dissolução moral, da falta de valores morais, de corrupção que se alastra e parece atingir quase todo o tecido social – herança, por sua vez, da sua época, os anos seguintes ao final da Segunda Guerra Mundial, o conflito cuja barbárie destruiu os sonhos, as ilusões de gerações. Ao contrário, no entanto, de muitos dos mais tradicionais filmes noir, como os baseados nas histórias dos detetives particulares durões criadas por Dashiell Hammett e Raymond Chandler, em especial, não tem uma trama complexa, cheia de idas e vindas, pontos obscuros. Bem ao contrário: a história criada por William P. McGivern e publicada como série no Saturday Evening Post, e roteirizada por Sydney Boehm, é simples, direta: ao investigar o suicídio de um colega policial, o sargento da Divisão de Homicídios de uma cidade qualquer enfrenta um imenso esquema de corrupção. Produção da Columbia Pictures, foi lançado no Brasil em DVD na caixa Filme Noir 2, da ótima Versátil, que incluiu como atrações especiais um depoimento de Martin Scorsese e outro de Michael Mann sobre a obra. Creio que existem duas seqüências que se destacam como as mais violentas de todas as dos filmes noir dos anos 40 e 50. Uma delas está em O Beijo da Morte/Kiss of Death (1947), de Henry Hathaway, em que um gângster, interpretado por Richard Widmark, empurra escadaria abaixo uma mulher paraplégica, em uma cadeira de rodas – e, ao cometer o ato insano, dá uma gargalhada. A outra sequência mais violenta da história do filme noir está neste The Big Heat, e envolve os personagens interpretados por Lee Marvin e Gloria Grahame. Um começo brilhante: um homem se mata; a reação de sua mulher é gélida Mão pega o revólver, câmara se mantém onde estava – ouve-se um tiro. Corta, nova tomada: homem morto, cabeça sobre a mesa, mão ainda segurando o revólver. Nova tomada: close-up de envelope sobre a mesa endereçado ao procurador de Justiça. A mulher do suicida desce as escadas da casa, chega até a sala, vê o marido morto. Não demonstra emoção alguma – nenhum sinal de espanto, de tristeza. Aproxima-se da mesa, pega o envelope, abre, dá uma olhada rápida nas diversas folhas de papel com anotações feitas à mão pelo marido que ainda está quente, assim como o revólver sobre a mesa. A voz é dura, firme: – “Eu sei que é tarde. Bertha Duncan, a mulher que acaba de ficar viúva e, em vez de telefonar para polícia, liga para um milionário, é interpretada por Jeanette Nolan. Saberemos que Lagana (o papel de Alexander Scourby, na foto acima) é um milionário logo na tomada seguinte, quando ele é acordado por um serviçal para atender ao telefone. O espectador não ouve tudo o que é dito entre Lagana e Bertha Duncan. Ao final do telefonema, Lagana sugere à viúva que agora ligue para a polícia, para avisar que seu marido se matou. O sargento que é enviado à casa dos Duncan chama-se Dave Bannion, e ele vem na pele de Glenn Ford, um dos atores de Hollywood mais admirados e respeitáveis na época do filme. Dave Bannion será mostrado ao espectador como um bom homem, um policial firme, honestíssimo, incorruptível, um pai e marido amantíssimo – o exemplo perfeito, acabado, do bom caráter. Dá-se muitíssimo bem com a mulher, Katie (Jocelyn Brando, na foto abaixo), e a filhinha, Joyce (Linda Bennett), um anjinho aí de uns oito, nove anos. O legista já havia feito os primeiros exames do morto, os técnicos já haviam feito as fotos. E então o policial perfeito vai conversar com a viúva, fazer as perguntas que são obrigatórias para que se façam todos os relatórios, sem falhas. O espectador já podia até prever, e o previsível acontece: diante do policial que vem fazer as perguntas de rotina, Bertha Duncan, a mulher que não demonstrou qualquer emoção ao ver o marido morto, debulha-se em lágrimas. Depois de receber o telefonema de Bertha Duncan, Mike Lagana liga para Vince Stone (o papel do jovem Lee Marvin, ainda em começo de carreira, iniciada em 1950, três anos antes do lançamento deste filme). Quem atende é a namorada de Vince, Debby (o papel de Gloria Grahame, belíssima, talentosa atriz, na foto abaixo). Vince estava naquele momento jogando cartas e bebendo, numa sala ao lado, junto com um grupo de amigos. Debby o chama ao telefone e faz um gesto gozativo com as mãos e uma reverência de cabeça – tipo “Sua Majestade, o patrão, está chamando!” O roteiro de Sydney Boehm, um exemplo de concisão e perfeição, demonstra todos os fatos para o espectador nos primeiros 10, 15 minutos do filme. Duncan era um policial corrupto, estava na folha de pagamento de Mike Lagana. Por algum motivo, a consciência pesou, ele se arrependeu, e escreveu ao procurador de Justiça um roteiro dos crimes do milionário – empresário e gângster que domina com mão de ferro toda a cidade, inclusive altos postos na polícia. Sua mulher, Bertha, que sempre soube da corrupção do marido, ficou com a carta denúncia para si mesma, e passou a exigir para si um pagamento mensal, em troca do silêncio. Vince é o secretário especial de Mike Lagana para assuntos sujos. Debby, sua namorada, é muito bela, muito jovem, e debocha do servilismo dele mesmo diante dos amigos. Não vai demorar nada para que Dave Bannion, o homem bom, o tira incorruptível, vá descobrindo o fio da meada e a meada inteira. A forma tão absolutamente perfeita, rósea, com que o filme mostra a vida familiar do sargento Dave Bannion, é um indicativo forte de que virá problema. Só não dá para prever o tamanho, a violência do problema que virá. É a tal sequência que é uma das duas mais violentas de todo o universo do filme noir. Ela envolve, como já disse lá acima, os personagens de Lee Marvin e Glora Grahame. Por mais conhecida que ela seja, por mais que seja antológica, vou evitar descrevê-la. Não é necessário – e seria um spoiler feio para quem ainda não viu o filme e não conhece a trama. Fritz Lang realizou filmes importantíssimos na sua Alemanha natal, no período entre as duas guerras mundiais, a partir exatamente de 1919, o primeiro ano após o fim da Primeira Guerra. Metrópolis, de 1927, uma ficção científica, uma distopia, influenciaria diversas gerações de cineastas; parte do visual de Blade Runner se deve a essa obra-prima. M., O Vampiro de Dusseldorf, de 1931, é outra obra-prima que influenciou meio mundo. O livro … ismos – Para entender o cinema, de Ronald Bergan, lembra que, para muitos críticos, filmes sombrios como Dr. Mabuse e M., O Vampiro de Dusseldorf, exemplos perfeitos do expressionismo alemão, “profetizaram o Terceiro Reich, através de seus personagens sádicos e suas paisagens de pesadelo”. Fritz Lang deixou a Alemanha para fugir do nazismo que seus filmes de alguma forma já profetizavam. Como diversos outros realizadores alemães e austríacos – Ernst Lubitsch, Billy Wilder, Josef von Sternberg, Otto Preminger, Douglas Sirk, Robert Siodmak –, radicou-se nos Estados Unidos, em Hollywood. E, como diversos de seus conterrâneos, ajudou a criar o gênero noir. Lang fez 23 filmes nos Estados Unidos, entre Fúria/Fury, de 1936, com Spencer Tracy e Sylvia Sidney, que trata de linchamento e vingança, e Suplício de uma Alma/Beyond a Reasonable Doubt, de 1936, com Dana Andrews e Joan Fontaine, que discute a pena de morte. Gostaria de já ter visto todos; dos que conheço, este aqui é o melhor, ao lado do primeiro – Fúria é também uma obra-prima. Alguns poucos dos 23 filmes americanos já estão neste site, além do citado Suplício de uma Alma: “Fritz Lang voltou ao universo do film noir em The Big Heat, um melodrama sobre ‘dados, vício e corrupção’, como proclamavam os cartazes, cuja maior parte foi feita em interiores no estúdio e que mostrava um mundo de sórdida brutalidadc”, diz o livro The Columbia Story, que define o roteiro de Sidney Boehm como “firme e tenso”. O texto realça, naturalmente, a sequência brutal que já citei duas vezes com Lee Marvin e Gloria Grahame, depois de afirmar que boa parte do sangue derramado acontece fora da tela. Isso é bem verdade: há vários episódios de violência que a câmara não mostra. “Observar o herói e o vilão fazer o jogo de gato e rato sob a direção cheia de suspense de Lang manteve as audiências na ponta de suas cadeiras. A produção de primeira de Robert Arthur, que viria a ser uma das mais poderosas declarações sobre a criminalidade urbana do pós-guerra nos anos 50, recrutou um excelente elenco de coadjuvantes” – e o livro cita Jeanette Nolan, a atriz que faz a corrupta Bertha Duncan, diversos outros coadjuvantes e ainda Carolyn Jones. Ah, sim: ela faz Doris, uma das moças de programa do Retreat, o bar frequentado pelos capangas do bandidão Mike Laguna. Aparece numa única sequência, em que está jogando dados ao lado de Vince Stone e sua namorada Debby; faz alguma coisa que desagrada Vince, e ele queima a mão dela com um cigarro. Revi a cena, e percebi por que não a havia reconhecido: ela está com os cabelos curtos, encaracolados e louros – e na maioria dos filmes seus cabelos são negros, lisos e compridos. Leonard Maltin dá ao filme 3 estrelas em 4, fala da famosa cena de violência e elogia a atuação de Gloria Grahame – que, de fato, é impressionante. Impressionante, surpreendente, incrível é o fato de que Pauline Kael, a língua mais ferina da crítica americana, elogie do filme do jeito que ela elogia. Começa assim o texto dela, na tradução de Sérgio Augusto para a edição brasileira do livro 1001 Noites no Cinema: “O roteiro sólido e intransigente de Sidney Boehm poderia ter sido transformado num rotineiro thriller de polícia e ladrão, mas o diretor, Fritz Lang, deu-lhe um estilo formal. O filme é inteiriço; desenhado em luz e sombras, sua atmosfera de submundo brilha com as possibilidades de sadismo – um film noir definitivo, com algumas cenas perversas estonteantemente coreografadas.” Quem fica obcecado por vingança se torna igual às pessoas que combate No depoimento que dá sobre o filme, com todo seu conhecimento de um cinéfilo inveterado, que já viu tudo, e mais de uma vez, Martin Scorsese chama a atenção para vários pontos importantes. O primeiro é o fato de que Glenn Ford foi muito bem escolhido para o papel porque, na época, ele vinha de vários filmes em que interpreta um bom pai de família, e essa imagem é fundamental para que a audiência simpatizasse com o personagem. O segundo ponto é que, quando parte para a vingança, o sargento Dave Bannion, até então aquele exemplo de bom caráter, vai-se tornando tão frio, tão insensível, tão violento, quanto aqueles que pretende combater. Se não estou enganado, essa questão já havia sido levantada por Fritz Lang na sua estréia no cinema americano, em Fúria. A pessoa que fica obcecada pela vingança acaba se tornando igual àquelas que combate. Essa é uma verdade que pode parecer óbvia, mas na realidade não é. Muita gente parece se esquecer disso, ou, conscientemente ou não, procura não pensar sobre isso. É um tema sempre bem-vindo, para que a gente não caia no atrativo fácil, às vezes fascinante, do olho-por-olho, dente-por-dente, que parece tão charmoso em filmes como os da série Dirty Harry ou Desejo de Matar, ou ainda Um Dia de Fúria (1993), de Joel Schumacher, ou ainda Olho por Olho (1996), de John Schlesinger. Sobre “The Big Heat” (Corrupção, em Portugal)Lang disse a Peter Bogdanovich:”A história é um caso pessoal entre Glenn Ford e o crime. A técnica pretendia que o público se identificasse com o personagem que via na tela e pensava como ele. Quando a mulher é assassinada, (embora a bomba no carro fosse para ele), começa a sua luta privada”. Ódio, crime e vingança atravessam, ainda que inconscientemente todos os filmes de Lang. E a vingança, diz Lang, é o pior e o mais amargo dos frutos. O “Halliwell’s Film Guide” diz que este filme atingiu um novo patamar de violência que tem o seu cume na cena do café a ferver que desfigura a face de Gloria Grahame e que a partir daí passa a ser “a mulher sofrida”. Afirma também que introduziu uma nova forma de realismo no “film noir” onde Glenn Ford desempenha uma das melhores performances da sua carreira. Contudo, para a crítica Penélope Houston, sempre exigente, a principal impressão que resulta do filme é a violência arbitrária, mecânica, que se vai revelando aos poucos ao longo da narrativa. o “Halliwell’s dá a classificação de três estrelas num máximo de quatro. |
Um titulo original tão suave, um título em português tão bombástico, quase apelativo. Que gigantesca distância há entre Splendor in the Grass e Clamor do Sexo. Splendor in the Grass – que o grande Elia Kazan lançou em 1961, um dos cinco últimos filmes de sua carreira – tem seu título tirado de um poema do inglês William Wordsworth (1770-1850), “Ode: Na tradução de Paulo Vizioli, no livro bilíngue Recordações da Primeira Infância (editora Mandacaru, 1988), é: “Mesmo que nada nos devolva o instante / De esplendor para a relva e glória para a flor, / No que restou vamos achar, / Sem mágoa, um poder similar.” “Embora nada possa trazer de volta a hora do esplendor na relva, da glória na flor, não lamentaremos, e encontraremos força com o que fica para trás.” “Parece nome de fita pornô, daquelas produzidas na famosa Boca do Lixo paulistana dos anos 70, ou dessas que hoje em dia abundam nas prateleiras destinadas à pornografia das videolocadoras”. É exatamente isso: está absurdamente distante do suave, poético titulo original, e parece nome de filme pornô. O clamor do sexo, o tesão é uma parte importante da história criada pelo dramaturgo, novelista e roteirista William Inge (1913-1973). Apenas uma parte, é verdade, e então o título escolhido pelos exibidores brasileiros é apelativo e reducionista – mas tem algum sentido. A ação de Splendor in the Grass se passa – o filme nos informa isso com um letreiro logo após a primeira sequência – no Sudeste de Kansas, em 1928. Poderia se passar em qualquer lugar interiorano de qualquer país ocidental, até os anos 1960, 1970. Na verdade, não só em qualquer pequena cidade: poderia perfeitamente se passar em qualquer cidade brasileira, argentina, italiana, em que os pais criavam os filhos e as filhas ensinando que as moças decentes não poderiam, de forma alguma, ter relações sexuais antes do casamento. Em suma: aquela coisa asquerosa, nojenta, imbecil, do tabu da virgindade da mulher. Tanta preocupação, tanta energia dispendida, tanto drama por uma bobagem, uma tolice. Na primeira sequência do filme, um casal se beija dentro de um carro, parado junto de uma cachoeira. A mãe de Deanie, Mrs. Loomis (Audrey Christie), está bem acordada quando Bud deixa Deanie em frente de casa. Ela ouve o diálogo dos dois, observa os dois pela janela. No momento em que a filha está para entrar em casa, sobe correndo as escadas para não ser vista. Em seguida desce de novo, como se estivesse acordando naquele momento. Menciona as ações que o pai dela comprou, e que não param de se valorizar. Pergunta se Bud não comentou com ela sobre a alta das ações. E aí, tendo chegado ao assunto Bud como quem não quisesse nada, pergunta o que os dois tinham ficado fazendo até aquela hora. E aí abre o verbo, diz o que vinha querendo dizer: – “Os rapazes não aeitam uma garota que faz tudo o que eles querem. Wilma Dean, você e Bud não foram longe demais ainda, foram?” Uma sociedade apegada aos bens materiais e a uma moral rígida, puritana Ao chegar à sua casa, Bud tem uma conversa algo parecida com o pai, Ace Stamper (Pat Hingle). Ace fala muito, e então fala com Bud de diversos temas, inclusive sua firme determinação de que o filho vá para a Universidade de Yale, mas, no meio da conversa, pergunta se ele está saindo com a filha dos Loomis. Diz que ela é uma bela moça, lembra que cresceu junto com Del Loomis (Fred Stewart), que não tem nada contra eles, contra o fato de eles serem pobres. – “Mas você não está fazendo nada que possa te envergonhar, não é? Se acontecer qualquer coisa, você teria de se casar com ela.” Nestas duas sequências, a da casa dos Loomis e a da casa dos Stamper, o roteirista William Inge e o cineasta Elia Kazan já nos dão um claro retrato daquelas pessoas, daquele tipo de sociedade, de seus valores. Os pais da garota Deanie são classe média baixa; Del tem um pequeno armazém, junto da casa em que moram – uma casa espaçosa, confortável, mas simples, mal cuidada, precisando de uma pintura. Loomis é falante, até demais; Del, o marido, é extremamente mais calado, reservado. Os pais do garoto Bud são muito ricos, dos mais ricos dos habitantes da pequena cidade da qual nunca se fala o nome. Ace Stamper tinha tido a sorte de achar petróleo em suas terras; sonhava com a possibilidade de fundir sua pequena empresa com uma das grandes companhias “lá do Leste”. Ace é daquele tipo de pai e marido ditatorial: só ele fala, os outros escutam; ele mesmo não escuta o que os outros dizem, conforme dirá um personagem secundário quando a narrativa vai se aproximando do fim. Stamper (Joanna Roos) é aquele tipo de mulher absolutamente subjugada pelo marido dominador. Como tantos pais – da vida real e da ficção – que constroem fortuna, Ace Stamper exige que Bud se prepare para herdar sua emergente empresa de petróleo. O fato de que tudo o que o rapaz quer na vida é ser fazendeiro não importa a mínima. Quanto a Bud, além de bonito e bom no futebol americano, é também rico. O melhor partido da cidade, como as mães diziam naquela época – e até hoje, provavelmente. Todas as garotas da escola tinham uma ponta de inveja de Deanie – por ela ser a mais bela de todas, e por namorar Bud. Proibido para menores de 18 anos na época, o filme hoje pode ser visto por todos A menção feita à alta das ações bem no início da narrativa não é, evidentemente, gratuita. Assim como não é gratuita a escolha do ano em que a ação começa, 1928. Os personagens, é claro, não sabiam, mas os espectadores estão cansados de saber: em 1929 haveria a quebra da Bolsa de Nova York e o início da Grande Depressão. A grande crise econômica terá efeitos fortes, naturalmente, sobre a vida dos personagens. Tirando esse detalhe que é local, específico dos Estados Unidos, a questão da virgindade das moças que o filme aborda é de fato universal. Era assim quando eu era adolescente, em Belo Horizonte, nos anos 60. No quarto ano do ginásio, quando estávamos todos com 14 ou 15 anos, havia uma única menina na nossa turma que não era virgem. O fato era sabido por todos, ou quase todos, da turma. Não que houvesse menosprezo por ela por causa disso, no nosso caso específico; ao contrário; todos nós, homens e mulheres, a respeitávamos como uma menina corajosa, pra frente, que tinha tido a coragem de fazer o que era absolutamente proibido. Os namoros eram bastante parecidos com o de Bud e Deanie: muito beijo, amasso, no máximo bolinação – sexo, de jeito nenhum. Essa besteira de tabu de virgindade só começaria a cair no final dos anos 60, início dos 70, depois da grande revolução comportamental em todo o mundo ocidental. Não vi Splendor in the Grass quando era adolescente em Belo Horizonte; li sobre o filme nas revistas da época, vi as fotos, vi os cartazes do lado de fora do cinema, sabia da história, mas a censura era 18 anos. Hoje, o DVD – lançado no Brasil pela Lume Filmes – traz a censura indicativa de proibido para menores de 10 anos. “Estou tão fresca e virginal quanto no dia em que nasci, mãe!” Em 1961, o Código Hays, o código de autocensura dos grandes estúdios de Hollywood, ainda estava em vigor, embora muitos filmes começassem a desobedecê-lo. Anatomia de um Crime, o belo clássico de Otto Preminger de 1959, foi na época considerado ousadíssimo; pela primeira vez pronunciou-se num filme americano a palavra panties, calcinha. E o austro-húngaro Preminger não se fez de rogado: a palavra panties é pronunciada diversas vezes, no julgamento do crime do título. Segundo o IMDb, o beijo apaixonado de Natalie Wood e Warren Beatty em Splendor in the Grass foi o primeiro French kiss mostrado em um filme de Hollywood. French kiss é beijo de língua – que hoje as novelas das 6 da tarde mostram diariamente. Transcrevo outra anotação do IMDb – vendo o peixe como ele é vendido no grande site enciclopédico: “O filme incluía uma cena em que Wilma Dean Loomis toma um banho enquanto discute com a mãe. A briga fica tão intensa que Wilma pula fora da banheira e corre nua pelo corredor até seu quarto, quando a câmara corta para um close-up de suas pernas nuas batendo histericamente no cobertor. Os censores de Hollywood e a Legião Católica da Decência se opuseram à cena do corredor, achando que a nudez não era admissível. Consequentemente, o diretor Elia Kazan tirou o trecho, deixando um pulo abrupto da banheira para a cama.” Essa sequência acontece quando o filme – de 124 minutos – já vai lá pela metade, ou pouco mais, mas creio que não é um spoiler transcrever uma das frases que Deanie grita para a mãe: Estou tão fresca e virginal quanto no dia em que nasci, mãe!” Aos 22 e 23 anos, Natalie e Beatty interpretam garotos de 17, 18 Há uma questão da qual é impossível escapar quando se fala de Splendor in the Grass: Natalie Wood estava com 22 anos e Warren Beatty com 23, na época das filmagens. E eles interpretam adolescentes, que estariam com uns 17 e 18 anos, respectivamente. O irmão mais novo de Shirley MacLaine já havia trabalhado na TV, mas este foi seu primeiro filme. Nascida em 1938, em San Francisco, filha de imigrantes russos, Natalia Nikolaevna Zakharenko apareceu pela primeira vez na tela aos cinco anos, em 1943, ainda sem ter seu nome nos créditos. Em 1945, aos sete anos, portanto, já aparecia como Natalie Wood em O Amanhã é Eterno/Tomorrow is Forever, com Claudette Colbert e Orson Welles. Em 1956, quando estava com 18 e interpretou a sobrinha do personagem de John Wayne em Rastros de Ódio/The Searchers, já tinha duas dezenas de títulos na filmografia – inclusive o icônico, emblemático Juventude Transviada/Rebel Without a Cause, de Nicholas Ray, em que interpreta a namoradinha de James Dean. É bem verdade que a ação de Splendor in the Grass abrange um período de uns três anos, talvez até um pouco mais. Portanto, lá pelo final da narrativa, Deanie e Bud estariam bem próximos da idade de seus intérpretes. Se Elia Kazan tivesse escolhido atores adolescentes, eles pareceriam estranhos no final do filme. Mas não dá para fugir: é estranho ver Natalie Wood e Warren Beatty interpretando garotos na escola – mesmo eles sendo bastante jovens. Para o público americano, acostumado a ver Natalie Wood desde sempre na tela, então, deve ter sido muito esquisito. É bem provável que Kazan tenha preferido correr o risco desse estranhamento em troca de ter atores experimentados, de talento comprovado. E a verdade é que estão excelentes os dois protagonistas, Natalie Wood e Warren Beatty. Suas atuações são maravilhosas – eles carregam o espectador para dentro de suas tragédias. Não era de se esperar nada diferente, já que Elia Kazan, formado no teatro, um dos criadores do lendário Actors Studio, era exímio diretor de atores, um dos melhores do cinema. Para não ficar flagrante demais o fato de que seus atores principais eram mais velhos do que os personagens, Kazan decidiu – é o que diz o IMDb – que os demais atores que interpretariam os colegas de escola de Deanie e Bud teriam que estar na mesma faixa etária de Natalie e Beatty. Entre estes aparece Sandy Dennis, no papel de Kay, colega de classe de Deanie. Foi a estréia da jovem atriz que em 1966 contracenaria com o tempestuoso casal Liz Taylor-Richard Burton em Quem Tem Medo de Virginia Wolf. Além de Warren Beatty e Sandy Dennis, três outros atores estrearam no cinema em Splendor in the Grass: É uma tradição de Elia Kazan introduzir caras novas no cinema. James Dean fez seu primeiro filme – Vidas Amargas/East of Eden – com o diretor. O segundo filme em que Marlon Brando apareceu também é uma obra de Kazan – Uma Rua Chamada Pecado/A Streetcar Named Desire, a peça de Tennessee Williams que o ator havia estrelado na Broadway, sob a batuta do diretor. A filha rebelde do ricaço é interpretada por Barbara Loden, atriz de vida atribulada Uma atriz que impressiona de maneira especial em Splendor in the Grass é Barbara Loden (na foto abaixo). Ela interpreta Ginny Stamper, a irmã mais velha de Bud, uma jovem rebelde, anticonvencional, muito chegada à bebida e a namoros, inclusive com homens casados, com uma tendência forte à autodestruição. É motivo das fofocas de todas as mães da cidadezinha, e de profundo desgosto para o pai, que a detesta, tem vergonha de seu comportamento mas não consegue domá-la de maneira alguma. Filha de homem muito rico que tem comportamento errático, fora da linha, do padrão. Luz Benedict II (Carroll Baker), filha do casal interpretado por Rock Hudson e Elizabeth Taylor em Assim Caminha a Humanidade/Giant, é um pouco assim. Marylee Hadley (Dorothy Malone), a filha do milionário interpretado por Robert Keith em Palavras ao Vento/Written on the Wind, é exatamente como Ginny. A atriz Barbara Loden parece ter tido uma vida atribulada e trágica como a de Ginny, seu personagem. Nasceu em 1932, no interior da Carolina do Norte; belíssima, virou modelo bem cedo e teve carreira de sucesso. Estudou teatro em Nova York nos anos 1950 e suas atuações na Broadway chamaram a atenção de Elia Kazan, que deu a ela um pequeno papel em Rio Violento/Wild River, o drama social que o diretor havia feito um ano antes de Splendor in the Grass. Depois deste filme aqui, Kazan a colocou como atriz em peças encenadas por sua companhia teatral, e Barbara Loden ganhou um Tony, o Oscar da Broadway. Em 1968, casou-se no papel com o veterano diretor; tinha 36 anos e ele, 58. Em 1970, ela lançou Wanda, um filme totalmente independente dos estúdios, escrito, dirigido e estrelado por ela, que ganhou o prêmio da crítica no festival de Veneza. Aparentemente, Kazan não a incentivou a prosseguir na carreira de diretora. Barbara Loden morreu prematuramente, aos 48 anos, em 1980, de câncer de mama. Hoje pouco conhecido, William Inge fez peças e roteiros de grande sucesso É necessário fazer um registro, ainda que rápido, sobre William Inge. Embora pouco lembrado hoje, Inge, nascido no interior do Kansas, assim como os personagens de Splendor in the Grass, foi o autor de diversas peças de teatro que fizeram grande sucesso nos anos 1950 e 1960, e foram transpostas para o cinema por diretores importantes e com grandes atores, muitas vezes com roteiro escrito pelo próprio autor. São dele as peças e/ou os roteiros de A Cruz da Minha Vida/Come Back Little Sheba, com Burt Lancaster (1952), Férias de Amor/Picnic, com William Holden e Kim Novak (1955), Nunca Fui Santa/Bus Stop, com Marilyn Monroe (1956), Sombras no Fim da Escada/The Dark at the Top of the Stairs, com Angela Lansbury e Shirley Knight (1960) e O Anjo Violento/All Fall Down, com Warren Beatty, Eva-Marie Saint e Karl Malden (1962). William Inge ganhou o Oscar de melhor roteiro original por Splendor in the Grass. Natalie Wood foi indicada ao Oscar, ao Globo e Ouro e ao Bafta de melhor atriz por sua belíssima interpretação de Deanie; não levou os prêmios. Detalhezinho que vejo agora na crítica de Pauline Kael: o próprio William Inge faz uma pequena ponta no filme, como o pastor que pronuncia um sermão sobre bens materiais versus espiritualidade. Pauline Kael diz que William Inge “escreveu o roteiro barroco, tipo Freud para principiantes, sobre as frustrações da sexualidade adolescente”, e “Elia Kazan o apimentou”. “O filme faz uma defesa histérica do amor juvenil, e essa histeria parece parte integral de seus momentos de força emocional, humor e beleza. Natalie Wood e Warren Beatty são namorados de escola cujos pais julgam muito jovens para casar-se.” “O filme não sugere que os adolescentes têm direito a experiências sexuais – simplesmente ataca os adultos corruptos por não colocarem o amor acima de tudo. É o velho peixe vendido em nova embalagem, com muita gritaria, uma sequência de curra, e apalpos nos rebolantes bumbunzinhos das colegiais; Natalie Wood tem talvez o derrière mais ativo desde Clara Bow. Todo mundo tem direito à sua opinião, é claro, e, já que é assim, minha opinião é de que Dame Kael escreveu uma crítica um tanto histérica. É óbvio que o filme sugere que os adolescentes têm direito a experiências sexuais. E o filme ataca, sim, com toda razão, os adultos daquela sociedade repressora, careta, puritana, rígida demais. “Um país em crise, cujo sistema de valores começa a ser abalado” É chocante a diferença entre o que diz a grande dama da crítica americana e o que diz o Guide des Films do mestre Jean Tulard. Aí vai a segunda parte (a primeira, como sempre, é uma sinopse) do longo verbete do Guide sobre La Fièvre dans le Sang. Como em cada um de seus filmes, Elia Kazan persegue a longa busca, apaixonada e angustiante, do país que o acolheu, os Estados Unidos. Splendor in the Grass (magnífico título original, homenagem ao poeta Wordsworth), cujo roteiro se deve ao grande escritor William Inge, se situa com precisão no tempo (1929, na maior parte da ação) e no espaço (uma pequena cidade do Kansas). Prolongando À l’Est d’Eden (no Brasil Vidas Amargas, já citado acima) na exposição dos malfeitos do puritanismo herdado dos Pais Fundadores, La Fièvre dans le Sang apresenta também um país em crise, cujo sistema de valores (capitalismo, fé no trabalho recompensado pelos dólares, a todo-poderosa figura paterna) começa a ser abalado. O estado de “crise” é a característica dos personagens deste filme exacerbado e febril, em que os seres, abalados por pressões antagônicas, submergem, para escapar (Deanie, Bud) ou para naufragar definitivamente (Ace, Ginny). Kazan fica atento aos impulsos vitais ou destrutivos dos personagens que exibe, privilegiando as sensações, os sentimentos, as pulsões, os gritos os risos, os choros. Natalie Wood e Warren Beatty resplandecem de juventude, mas, através deles, Kazan nos mostra que não é sempre fácil ter 20 anos, sobretudo quando a sociedade pesa forte sobre nossos ombros. Que abismo entre Pauline Kael e o guia de Jean Tulard! É, são os tais seis mil anos de civilização a mais. Mas, apesar dos seis mil anos de civilização a mais, os franceses pisaram um pouco no tomate no título, A Febre no Sangue – sendo que fièvre, além de febre, significa também excitação, ardor, paixão. Melhor fizeram os exibidores espanhóis e portugueses, que chamaram o filme pelo que ele é: Este texto já está absurdamente grande, mas ainda quero fazer mais um registro. Minhas anotações mostram que antes só havia visto Splendor in the Grass uma única vez, em 1974, recém-casado com a mãe da minha filha; por uma dessas coincidências da vida, Suely tinha uma beleza esplêndida que fazia lembrar muito a da jovem Natalie Wood. Ao rever o filme agora, ele me fez lembrar do final de Les Parapluies de Cherbourg, que vi pela primeira vez em fevereiro de 1966, de passagem por São Paulo rumo a Curitiba, onde viveria por dois anos. Estava sendo retirado de Belo Horizonte por decisão da família, e, com 16 anos, não poderia lutar contra isso, mas saía da cidade em que passei a infância e o início da adolescência com o gosto de que estava deixando para trás o grande amor da vida. Ficou gravado na minha memória que, depois de ver Parapluies, escrevi no diário de adolescente algo do tipo “obrigado, Jacques Demy, seu filho da puta, por mostrar que o grande amor acaba”. Algo assim; não tenho coragem de ir ali pegar os caderninhos com letra adolescente para checar a frase exata, mas era algo assim. Algum tempo mais tarde reencontraria a menina que na época considerava o grande amor da vida. Foi um reencontro de alguma maneira um tanto parecido com o dos personagens de Catherine Deneuve e Nino Castelnuovo em Parapluies, e com o dos personagens de Natalie Wood e Warren Beatty em Splendor in the Grass. O grande amor acaba, e a consciência disso é terrível quando somos jovens demais. |
Uma estranha história, muito estranha, esta que o ator Tommy Lee Jones escolheu para seu primeiro filme como diretor. É um filme duro, cru, cruel – e muito bem dirigido. Numa pequena cidade do Texas, perto da fronteira com o México, um fazendeiro americano (o próprio Tommy Lee Jones) sai à procura do homem que matou seu empregado mexicano Melquiades Estrada; e, quando descobre que o assassino foi um guarda da fronteira (Barry Pepper), obriga-o a levar o corpo da vítima até seu vilarejo mexicano. Só que o vilarejo que Melquiades descrevia para o amigo patrão simplesmente não existe. A história e o roteiro são do escritor mexicano Guillermo Arriaga, que tem sido tremendamente incensado pela crítica. Foi o autor dos roteiros dos três primeiros longa-metragens de Alejandro González Iñarritu – Amores Brutos/Amores Perros, de 2000, 21 Gramas, de 2003, e Babel. Mas é também o autor do roteiro de O Búfalo da Noite, de 2007, uma chatice atroz. O filme teve dois prêmios no Festival de Cannes: melhor ator para Tommy Lee Jones e roteiro para Guillermo Arriaga. |
O Embaixador é um filme curioso e, de certa maneira, até mesmo fascinante. Me parece um dos abacaxis mais bem intencionados do cinema, e, da mesma maneira, entre os filmes bem intencionados, um dos maiores abacaxis. Também me parece obscuro, bem pouco conhecido, embora tenha três atores importantes – Robert Mitchum, Ellen Burstyn e Rock Hudson –, e seja dirigido por J. Lee Thompson, realizador irregular mas autor de alguns filmes muito bons, como Os Canhões de Navarone (1961) e Círculo do Medo (1962), para citar apenas dois. Produção de 1984, foi lançado agora em DVD no Brasil pela FlashStar; estava na locadora como lançamento, novidade, e então me aventurei. (Vejo que, na verdade, ele já havia sido lançado aqui na época VHS, pela América. Confesso que tive vontade de desistir algumas vezes – mas é tudo tão bem intencionado que fui em frente. Confesso também que estou curiosíssimo para saber o que dizem dele os guias. Antes de ir aos alfarrábios, no entanto, transcrevo o texto que aparece em letreiros no início da narrativa. “O Oriente Médio é uma panela de pressão, pronta para explodir. Israel, com uma população de 4 milhões de habitantes, é cercado por oito países árabes com uma população de 80 milhões de habitantes. “Um grupo conhecido como OLP prometeu nunca reconhecer o direito de existência de Israel e continuar lutando até que um território palestino seja reconhecido. Mais recentemente, houve sinais de que a OLP está desejando conversações de paz com os israelenses. “Um grupo dissidente da OLP baseado na Síria, a Saika, o mais extremista de todos os grupos terroristas existentes na região, espalha o terror entre israelenses e árabes, a fim de impedir qualquer possibilidade de negociações de paz. Os moderados, que estão prontos a sentar à mesa com a OLP, e os extremistas de direita, que se recusam a aceitar um Estado Palestino na região. “O Mossad é a agência de inteligência do Estado de Israel e protege a posição oficial do governo israelense. No meio deste ardente conflito surge um americano – O EMBAIXADOR.” Os créditos iniciais mostram que é uma produção de The Cannon Group, a Golan-Globus Productions, de Menahem Golan e Yoram Globus. Uma introdução didática, uma clara tentativa de esclarecer os mal informados Um texto de abertura longo, com um tom claramente didático, certo? Dá a nítida impressão que se parte do pressuposto de que boa parte dos esperados espectadores, americanos médios, não têm sequer as informações básicas a respeito dos conflitos do Oriente Médio. Até aí, tudo bem – não deve haver dúvida sobre isso. Qualquer outra análise desse texto de abertura do filme a partir daí poderá ser motivo de polêmica, porque tudo, absolutamente tudo que diz respeito a Israel e árabes é problemático, é polêmico. Por exemplo, a frase “Israel, com uma população de 4 milhões de habitantes, é cercado por oito países árabes com uma população de 80 milhões de habitantes”. A rigor, a rigor, ela é (ou era, com os números de 1984) justa, exata, a mais pura expressão da verdade. Mas os pró-árabes poderão dizer que ela é tendenciosa ao mostrar Israel como um pequenino David diante de gigantesco Golias, e ao esconder o fato de que Israel é uma nação mais rica, mais poderosa e mais bem armada do que as oito nações árabes que o rodeiam. Mas o fato é que só alguém pró-árabe e radicalmente anti-Israel poderia reclamar da afirmação “Dentro de Israel há dois principais pontos de vista conflitantes. Os moderados, que estão prontos a sentar à mesa com a OLP, e os extremistas de direita, que se recusam a aceitar um Estado Palestino na região”. Um filme feito por judeus que não é, de forma alguma, anti-árabe Produzido por uma empresa de dois judeus, a Golan-Globus Productions, com dinheiro americano, O Embaixador não é, de maneira alguma, um filme pró-Israel e anti-árabe. Muitíssimo antes ao contrário: é um filme bem intencionado, que pretende mostrar que dos dois lados há radicais que lutam para impedir qualquer tentativa de paz, de convivência com alguma harmonia. O Embaixador é tão bem intencionado que acredita na possibilidade de que um dia haja paz. É tão esperançoso quanto “Jerusalem”, a extraordinária canção de Steve Earle que Joan Baez canta com aquela voz dela que é sinônimo de esperança, e que diz “ I believe that one fine day all the children of Abraham Em intenção, O Embaixador é tão bom quanto Ó Jerusalém, de Élie Chouraqui, co-produção de vários países europeus, EUA e Israel, ou Lemmon Tree e A Noiva Síria, os dois do israelense Eran Riklis. A questão é que de boas intenções o inferno dos filmes ruins está cheio. E O Embaixador é um filme bastante ruim, na minha opinião – apesar de bem intencionado. O Videobook 2001 – publicação preciosa que deixou de ser editada – diz o seguinte: “Embaixador americano em Israel é vítima de um esquema de chantagem que ameaça seu casamento, sua carreira e a paz no Oriente Médio. Baseado em romance de Elmore Leonard, também filmado em 1986 como Nenhum Passo em Falso”. “Inteligente, interessante thriller sobre embaixador americano Mitchum, sua mulher adúltera Burstyn, e suas tentativas para mediar pacificamente a crise Israel-Palestina. Baseado no romance de Elmore Leonard 52 Pick-Up, e refeito apenas dois anos depois sob aquele mesmo título. O guia de Steven H. Scheuer também dá 3 estrelas em 4: “Filme de suspense razoavelmente complexo sobre um embaixador americano que tem que enfrentar as chamas do conflito Israel-Palestina e ao mesmo tempo as atividades extra-curriculares da sua esposa. O guia de Mick Martin & Marsha Porter dá 3.5 estrelas em 5: “O Embaixador confronta o conflito árabes-israelenses com uma cabeça aberta e um ponto de vista otimista. Robert Mitchum interpreta o controvertido embaixador americano em Israel que tenta ajudar na questão palestina em meio a críticas de todas as facções. Rock Hudson (em seu último papel para a tela grande) faz o oficial de segurança que salva a vida do embaixador. Classificado como R (de restricted) por causa da violência, linguagem profana, sexo e nudez.” (Esse guia sempre, ou quase sempre, traz a classificação etária dos filmes com os temas que justificam tal categoria.) Não há verbete sobre o filme no gigantesco Guide des Films de Jean Tulard, nem no competente Guia da Nova Cultural que infelizmente deixou de ser republicado. É. Fiquei sozinho na minha afirmação de que o filme é uma porcaria. Não me consola o fato de o guia da Time Out dizer que J. Lee Thompson dirige o filme com “uma singular falta de estilo” e que trata como bobagem todos os temas políticos importantes, porque esse guia da Time Out é absolutamente mal humorado, chato de galocha. Tudo indica que a trama é apenas ligeiramente inspirada no livro de Elmore Leonard Um registro sobre a questão de o roteiro ser baseado no livro 52 Pick-Up, de Elmore Leonard, citado em mais de um guia. Me parece que justamente o guia da Time Out é que é mais plausível. De fato, como dizem o Videobook e o guia de Leonard Maltin, em 1986 foi lançado o filme 52 Pick-Up, no Brasil Nenhum Passo em Falso; foi dirigido por John Frankenheimer, e tinha no elenco Roy Scheider e Ann-Margret. Mas a história desse filme tem pouquíssimo a ver com a deste O Embaixador. Em Nenhum Passo em Falso, um industrial de Los Angeles, cuja mulher está concorrendo a uma vaga na Câmara de Vereadores, tem sua vida virada ao avesso quando chantagistas ameaçam divulgar um vídeo em que ele aparece com sua jovem amante. O guia da Time Out é escrito por gente que parece detestar todos os filmes, mas me parece que ele está corretíssimo ao dizer que a trama de O Embaixador foi apenas inspirada na história de Elmore Leonard. No filme de J. Lee Thompson, há um vídeo, há uma chantagem – mas as semelhanças param por aí. Atores mal dirigidos, uma trama cheia de subtramas, cenas de nudez um tanto apelativas Posso até tentar ser rápido, mas tenho que tentar justificar meus adjetivos abacaxi e porcaria. Os mais experientes – os três astros já citados, mais o inglês Donald Pleasence, que faz um ministro do gabinete israelense – têm um desempenho sem qualquer esforço, maquinalmente, como que apenas cumprindo tabela. Robert Mitchum sempre teve um jeitão non chalance, de quem não está nem aí, e então não assusta muito. Ellen Burstyn é tão boa que mesmo cumprindo tabela não chega a ser ruim. Mas Rock Hudson me pareceu ter um dos piores desempenhos de sua carreira de grandes papéis. OK, é possível que já fosse efeito da doença – ele morreria no ano seguinte ao do lançamento do filme. De qualquer maneira, um elenco mal dirigido é um indício forte de resultado final ruim. Também parece estranho que os produtores tenham preferido inventar um grupo extremista muçulmano – o tal Saika –, quando o que não falta é grupo extremista muçulmano. Mas a rigor isso é de menos; eles devem ter tido razões políticas para não usar um nome real, como Hezbollah ou Hamas, muito provavelmente medo de retaliação, ataques. Há o embaixador Peter Hacker e seu amigo e chefe de segurança Frank Stevenson (os papéis de Mitchum e Hudson), e seu encontro inicial com palestinos da OLP sob as vistas dos extremistas do tal grupo Saika e depois sob o fogo do Mossad; há o romance tórrido entre a mulher do embaixador, Alex (o papel de Ellen Burstyn), e o árabe comerciante de antiguidades Mustapha Hashimi (Fabio Testi), que depois vai se revelar um figurão da OLP; há os sempre presentes espiões do Mossad seguindo todos os personagens; há um misterioso agente não se sabe bem de onde que chega a Israel e faz negócios com figuras mal encaradas (só mais para o fim saberemos que o homem é da KGB). A sensação que se tem é de que todas as pessoas em Tel Aviv e Jerusalém espionam ou são espionadas. Me pareceu uma apelação gratuita as cenas de sexo entre a embaixatriz Alex e o árabe Hashimi. E me pareceu absolutamente fora de propósito e de lógica que a câmara escondida que filma as trepadas dos dois seja capaz de se deslocar de um lugar para outro, de fazer close-ups e depois planos americanos. (Sim, é uma atitude corajosa de Ellen Burstyn aparecer em cenas de sexo bem quente com o corpo à mostra. Aí então, depois de tanta complexidade, de tantas tramas e subtramas, tudo fica muito simples, basta chamar às falas um punhado de jovens árabes e jovens israelenses para que tudo dê certo; só falta eles todos saírem cantando “Give Peace a Chance” e “Imagine” – as velas acesas estão lá. Give peace a chance – mas, na hora de torturar os bandidos para fazê-los confessar, o personagem de Rock Hudson sorri de sadismo puro. Apesar do que dizem todos os guias, não retiro o porcaria e o abacaxi. […] filmes, com roteiro de outros autores, como, só para citar alguns, Hombre (1967), de Martin Ritt, O Embaixador/The Ambassador (1984), de J. Lee Thompson, O Nome do Jogo/Get Shorty (1995), de Barry Sonnenfeld, e Jackie Brown […] |
Três Mundos, de Catherine Corsini, é uma beleza de filme, um filmaço. Como o longa anterior da realizadora francesa, Partir (2009), é um drama denso, pesado, sério, baseado em história escrita por ela mesma. Como Partir, fala de temas como a imigração ilegal e as profundas diferenças sociais na França de hoje. Também como em Partir, os personagens tomam muitas vezes as decisões erradas, que resultarão em profunda dor, em tragédia. A história parte de um acidente – um atropelamento – para, em seguida, reunir os destinos de pessoas que vivem, como anuncia o título, em três mundos distantes, distintos, à parte. Os sete minutos iniciais são um tour-de-force de tirar o fôlego do espectador Os primeiros minutos do filme são um tour-de-force, um espetáculo, capaz de deixar o espectador atônito, sem fôlego. Três homens se divertem em uma brincadeira besta: num terreno baldio, à noite, um deles dirige um carrão, finge que vai dar carona para os outros dois, mas quando chega perto deles acelera, depois volta, faz a mesma coisa de novo. Um dos dois, de paletó preto, pula sobre o capô do carro, e fica provocando o que está dirigindo. Os dois se aproximam dele, que está imóvel – mas de repente o homem se levanta, ileso, rindo. Veremos mais tarde que são imigrantes vindos da Moldávia, uma das várias ex-repúblicas soviéticas. O dono da casa, Adrian (Rasha Bukvic), vai até a cama onde está sua mulher, avisa que vai sair para ajudar Victor em alguma coisa, voltará tarde. Corta, seqüência 3: os tais três amigos estão no carro, a toda; o rádio toca música alto. Quem dirige agora é o rapaz de paletó preto, Al (Raphaël Personnaz, à direita na foto acima). Não se mostra que raio de droga tomaram, se muito álcool, se alguma anfetamina, mas eles estão bem doidões. Corta, seqüência 4: num apartamento de classe média, cheio de livros, um casal discute a relação. Ela, Juliette (Clotilde Hesme, na foto abaixo), está grávida, em início de gravidez; ele, Frédéric (Laurent Capelluto), quer que ela se defina quanto ao lugar em que vão morar. Juliette divide aquele bom apartamento com uma amiga e colega, Daphné (Noémie Dujardin). Frédéric quer que Juliette mande Daphné embora, mas Juliette não quer fazer isso, ainda não se decidiu se permanece ali ou se muda para o apartamento do namorado. Corta, sequência 5: o carro dirigido por Al segue em disparada – e pega um homem que atravessava a avenida naquele momento. O atropelamento se dá bem diante da varanda do apartamento de Juliette, que vê o momento do acidente, e desce correndo as escadas, seguido por Frédéric. Al sai do carro, aproxima-se do homem que acabara de atropelar. Do carro, os dois amigos gritam por ele, o incentivam a sair dali correndo. Quando Juliette chega à rua, o carro está se distanciando a alta velocidade. A moça pede ao namorado que chame uma ambulância, aproxima-se do homem ferido – Adrian, o imigrante da Moldávia. E um rapaz que trabalhou muito, teve sorte, está para ficar rico Ao longo da belíssima narrativa que se seguirá a essa abertura estonteante, realmente de tirar o fôlego, o espectador verá que Juliette é uma pessoa boa, generosa, altruísta, que deixa de lado seus próprios problemas, inquietações e até deveres para ajudar os outros. E que Al, o rapaz que, numa noitada de loucas brincadeiras em busca de adrenalina, atropelou um homem e, instigado pelos amigos, não o socorreu, não é um sacana, um safado, um filho da mãe. O casamento está marcado para dez dias depois da noite do atropelamento. A moça, Marion (Adèle Haenel), é rica; seu pai, Testard (Jean-Pierre Malo), é dono de uma grande concessionária de automóveis, e ganha muito dinheiro, tanto legalmente quanto em negócios escusos, por baixo do pano, muito provavelmente para evitar o Fisco francês. Al é empregado de Testard – é o melhor vendedor da concessionária, com sua cara bonita (o ator Raphaël Personnaz tem fina estampa, faz lembrar o jovem Alain Delon) e seu poder de sedução. O patrão gosta do rapaz, que começou de baixo e foi galgando escalas dentro da concessionária. Veremos mais adiante que a mãe de Al (Martine Vandeville) havia sido no passado faxineira da loja, depois empregada da família. Atordoado com o acidente, remoendo-se em culpa, Al vai ter formalizada sua sociedade na concessionária: o futuro sogro mantém 50% do negócio, a filha Marion fica com 25% e Al, alçado ao posto de gerente, fica com 25%. Um belo de um golpe do baú – mas Al não procurou aquilo. A ascensão profissional se deu porque ele sempre foi esforçado, trabalhador. Três pessoas, em três mundos distintos, têm sua vida transformada em inferno Sim, mas se Al não é um patife, por que não se entrega à polícia? Ou então, no mínimo, por que não se abre logo, conta para a noiva que o ama e o patrão futuro sogro que gosta dele que se meteu numa enrascada, e pede a ajuda deles para encontrar uma saída? E a cada novo erro a situação vai ficando mais dramática, torna-se mais e mais difícil encontrar uma saída. Na vida real, as pessoas muitas vezes erram, tomam as decisões erradas. Nos dois filmes que vi realizados por Catherine Corsini, as pessoas quase sempre tomam as decisões erradas. Juliette, altruísta, sempre disposta a ajudar os outros, não demora nada a chegar à mulher de Adrian, Vera (o papel da atriz Arta Dobroshi, de O Silêncio de Lorna, à esquerda na foto). É através de Juliette que Vera fica sabendo do atropelamento do marido, de sua internação, do hospital em que foi operado e permanece em estado muito grave. Vera – o filme vai nos mostrar – é uma mulher profundamente apaixonada pelo marido que agora está ali entubado, inconsciente. É também uma mulher amarga, depois de cinco anos vivendo sem documentos num país estrangeiro, cansada de pedir para regularizar a situação, sujeitando-se a trabalho duro por ninharia. A vida de Al se transforma num inferno, a de Vera se transforma num inferno pior ainda – e Juliette, a altruísta que só queria ajudar, ficará sob um fogo cruzado também infernal. Embora com uma filmografia curta, Catherine Corsini é uma autora e diretora absolutamente madura, que domina com perfeição o ofício. Nascida em 1956, no interior da França, dirigiu seu primeiro curta-metragem em 1982, e o primeiro longa, Poker, em 1987. Seu filme de 2001, La Répétition (literalmente, o ensaio, sem título no mercado brasileiro), com Emmanuelle Béart, concorreu à Palma de Ouro em Cannes. Por sua maravilhosa interpretação em Partir, Kristin Scott Thomas foi indicada ao César de melhor atriz. Este Três Mundos participou da mostra Un Certain Regard de Cannes. O filme não foi um sucesso na França – teve 62 mil espectadores. É talvez um drama sério demais, pesado demais para o gosto médio dos espectadores. O AlloCine, o site que tem tudo sobre os filmes franceses, conta que, quando tinha apenas 12 anos, Catherine Corsini foi atropelada – e o motorista fugiu. Ela partiu desse incidente traumático do início da adolescência para escrever o argumento e o roteiro do filme, tarefa dividida com Benoît Graffin; os dois tiveram a colaboração, conforme mostram os créditos finais, de Antoine Jaccoud e Lise Macheboeuf. No AlloCine há uma frase da realizadora sobre um dos temas em que o filme se debruça – a relação dos personagens com o dinheiro. Curioso: para mim, a personagem que é mais apegada a dinheiro é justamente Vera, a imigrante ilegal que não tem dinheiro algum. Al me pareceu bem menos apegado ao dinheiro do que Vera. Um filme sem atores famosos no elenco, e com grandes interpretações A crítica de Noémie Luciani no grande jornal fala bastante dessa questão da relação dos personagens com o dinheiro. “Ambicioso, muito rigoroso em sua execução, Trois Mondes mistura os gêneros da maneira mais pertinente que há. Do thriller psicológico, seu questionamento moral e a duração que ele impõe. Do filme noir, a ausência de toda verdadeira pureza de alma.” Mas suas ambiguidades, assim como suas dificuldades, são uma verdadeira riqueza”. E já trabalhou com nomes importantes – Kristin Scott Thomas, Sergi López, Emmanuelle Béart, Karin Viard, Catherine Frot –, mas, para este Três Mundos, escolheu atores ainda não muito famosos. Raphäel Personnaz tem longa filmografia, mas boa parte dos títulos é de filmes e/ou séries para a TV. Clotilde Hesme também não é estreante, mas ainda não é uma estrela. Está no elenco de Mistérios de Lisboa, de Raoul Ruiz (2010), e teve um pequenino papel em A Bela Junie, de Christophe Honoré (2008). Gostaria de ver os outros que fez anterior, e tentarei não perder os próximos. comecei aver o filme depois da sua metade e fiquei preso aos acontecimentos, e achei sensacional até seu final. No google achei sua pagina e ela me desfilou o filme inteiro, com detalhes criticos. Parabens pelo excelente texto e acabei tambem encontrando uma nova diretora que nao conhecia. Caro Sibelius, Muito obrigado por enviar o comentário – e pelo comentário tão gentil. Vale muito a pena você ir atrás para ver o início do filme. O filme é bom, mas acho que a diretora/roteirista perdeu a mão em certos momentos. Não entendo como homens com mais de 30 anos podem fazer uma brincadeira estúpida e perigosa, que como você bem disse é uma “diversão idiota, coisa de adolescente besta à procura de adrenalina.” Mas pode ser apenas um reflexo da nossa atual sociedade, onde pessoas de 30 se vestem e agem como adolescentes. Ao fim e ao cabo me pareceu que o casalzinho à beira do casamento não se amava taanto assim: quando a noiva soube do ocorrido, só pediu que ele não “estragasse” a vida dela, não se importou em nenhum momento com o fato de ele ter atropelado um inocente, nem com as consequências que ele estava sofrendo. Só queria que houvesse casamento a todo custo, mesmo ele tendo acabado de traí-la com uma quase total desconhecida. A desconhecida, por sua vez, grávida de um homem que ela também diz amar, igualmente topou transar com um cara que ela recém havia conhecido, e que ela sabe que atropelou gravemente um homem, cuja companheira ela está tentando ajudar. Toda uma tragédia e um clima fúnebre permeando a vida dos dois naquele momento, mas tudo o que eles queriam era transar no banco de trás do carro. E o pior é que o cara que estava prestes a se casar se apaixonou pela grávida, e queria largar a noiva que ele tanto amava pra ficar com ela. Mas depois que ela conta que está grávida, ele não acredita e a paixão meio que acaba. Acho que eu esperava uma coisa, mas o roteiro foi por outro caminho, e ainda abarcou vários assuntos e misturou os gêneros de uma forma que deixou os personagens sem personalidade (ou vai ver nenhum deles era o que aparentava ser). Os atores estavam todos bem, exceto a que faz a Vera, que ficou alguns tons acima; e concordo com você que ela pareceu mais apegada ao dinheiro que os outros. […] belo filme, só que no diapasão oposto desta comédia escrachada aqui, o drama pesado, sério Três Mundos. Nascido em 1981, estava portanto com 32 anos em 2013, ano de lançamento do filme. |
:: Dez anos sem John Lennon, esse artista singular cuja obra-prima é a própria vida. As pessoas morrem logo, e em geral nem um pouco mais sábias do que quando nasceram, diz uma bela música dos anos 60. Ah, meu amigo, estamos mais velhos, mas não mais sábios, constata outra. Muito em breve você estará morto, John Lennon avisava em “Instant Karma”, para em seguida perguntar e dar a pista para a resposta: por que, afinal, estamos aqui? John Lennon é uma das pessoas mais fascinantes que passaram por este planeta, e não só por ter sido o gênio e o motor criativo dos Beatles, a mais completa tradução dos anos que mudaram tudo. Especialmente, por ter mostrado, com sua vida, a grande beleza (rara, raríssima, como todas as grandes belezas) que é crescer, aprender, amadurecer, tornar-se mais sábio. Por ter registrado tão nitidamente na História a sua história pessoal, a trajetória luminosa do temor do medo à convivência com os medos, o caminho da angústia à sabedoria, da dor à paz. John canta, berra, urra, uiva esta dor dez vezes seguidas, em “Mother”, de 1970, a rigor o seu primeiro disco solo, sem Beatles. (Para lembrar: o pai fugiu de casa; a mãe, Julia, casou de novo e entregou o filho à irmã, Mimi; quando John tinha cinco anos, o pai reclamou sua custódia e ficou com ele por algumas semanas, devolvendo-o em seguida para Julia, que logo o entregou para Tia Mimi; quando John tinha 12 anos, morreu o marido de Tia Mimi; quanto John tinha 16 anos, a mãe morreu atropelada por um policial bêbado. O pai só voltou a procurá-lo quando John, aos 24 ou 25 anos, era Beatle e milionário.) Pois então, aos 30 anos, John despe a sua dor da perda sob os holofotes, expõe o seu fracasso na parada de sucessos, como diria Caetano. A música “Mother”, a primeira faixa de seu primeiro disco de fato solo, abre com batidas de sino; batidas pesadas, sinistras, de um “sino de morte”, como ele mesmo definiria três dias antes de ser assassinado, no dia 8 de dezembro de 1980. Em 1980, aos 40 anos, abriu também com sinos a primeira faixa de Double Fantasy, o disco em que despiu sua paz e sua felicidade por estar fora do carrossel da busca de fama e sucesso, e, sobretudo por estar sendo amado pela mulher e pelo filho que amava. Eram sininhos suaves, alegres, no começo de “(Just Like) Starting Over”, começando de novo depois de cinco anos fora dos estúdios, suaves e alegres como os versos “Nossa vida juntos é tão preciosa, juntos nós crescemos, nós crescemos”. “Foi um longo tempo pra chegar de um lúgubre sino de igreja até esse doce sininho de felicidade”, constatou, três dias antes que esgotasse o tempo que lhe foi dado para viver. Para não se perder a perspectiva do tempo, é bom lembrar que foi John Lennon (paralelamente e em justaposição ao que fazia o outro grande gênio da música popular em língua inglesa de sua geração, Bob Dylan) que, nos anos 60, abriu caminho para colocar em disco algo mais do que versos bem ou mal construídos, com rimas às vezes interessantes, em geral repetitivas, para colocar em disco sentimentos, emoções, sensações, histórias, conclusões de verdades, pessoais, vividos, experimentados, vindos do coração, do umbigo, e não da vontade de ganhar a vida no ofício de colocar hits nas paradas. Se não tivesse existido John (e Dylan), não haveria a estrada que permitiu a existência das letras de Paul Simon, Leonard Cohen, Joni Mitchell, ou Lou Reed e Morrissey (ou tampouco, aqui, de Chico ou Caetano, Cazuza ou Renato Russo). O vírus da verdade pessoal no vazio da música de consumo Ainda um Beatle, nos anos 60, John infeccionou com o vírus da verdade pessoal a impersonalidade e o vazio da música de consumo; começou o strip-tease de alma em letras como “Nowhere Man”, “Help”, “Girl”, “In My Life”, “She Said She Said”, “Strawberry Fields Forever”, “Yer Blues” – embora ainda assinando em parceria com Paul McCartney, por um contrato jamais escrito mas só formalmente rompido em 1970, ano da separação oficial dos Beatles. Eles se separaram por todos os motivos do mundo (por “diferenças pessoais, diferenças musicais, diferenças empresariais e, sobretudo, porque eu gosto mais de ficar com a minha família”, como definiu Paul), mas, para boa parte dos fãs dos Beatles (e boa parte da humanidade era fã dos Beatles), a culpa foi de Yoko Ono. “Trabalhar com seu melhor amigo é uma felicidade”, diria John a uma rede de rádio, no dia em que cruzou com seu assassino na calçada do edifício Dakota. “Ao longo de toda a minha carreira”, ele havia dito três dias antes, “só escolhi duas pessoas para trabalhar: E completou, com a suavidade permitida pelo tempo passado desde o divórcio tumultuado, doloroso, cheio de mágoas e de lavagem de roupa suja em público e em vinil com seu primeiro parceiro: Culpada ou não pelo divórcio da mais extraordinária união musical do século, Yoko Ono – esta é a verdade dos fatos – alterou radicalmente a trajetória pessoal e artística de John. Assim como os compositores Lennon e McCartney potencializavam as qualidades e habilidades musicais um do outro, transformando em quatro bilhões a soma de um mais um, a soma das personalidades de John e Yoko resultou numa multiplicação pela potência máxima. O experimentalismo vanguardista, o total desapreço pelas convenções (mais: a vontade onipresente de ir contra as convenções) e a força pessoal de Yoko impulsionaram John para muito além do que ele certamente poderia supor. Despiu a alma nas canções e o corpo na capa do disco Ele não só despiu a alma em suas canções; tirou também a roupa externa diante do respeitável público, na capa do primeiro dos três discos experimentais-vanguardistas que fez com Yoko, ainda na segunda metade dos anos 60. As fotos maravilhosas de John e Yoko nus, de frente e de costas, na capa e na contracapa de Unfinished Music nº 1 – Two Virgins, chocaram o mundo mais violentamente do que a frase de John dizendo-se mais famoso que Cristo. Hoje, nesta época de nudez em horário nobre na TV, alguém pensaria em proibir, como fizeram na época dos milicos, a foto de Caetano, Dedé e Moreno nus, na capa do disco Jóia, de 1975? As fotos de John e Yoko nus em 1968 eram de fato agressivas – porque agressivamente belas, no agressivo despojamento da nudez de um casal de pessoas de corpos lindos por serem nada esculturais, apenas de pessoas, como 99% das pessoas, que não são misses nem modelos. John posou pelado com Yoko em capa de disco, ficou semanas deitado com ela em quartos de hotéis de luxo mundo afora pedindo paz e amor, desafiou a caretice, atraiu o ódio, desprezo e até comiseração. Ganhou o título de “Palhaço do Ano de 1969”, dado pelo jornal London Daily Mirror. “Eu era o fazedor de sonhos, agora renasci, agora sou John”, resumiu no seu anticredo do mesmo disco de “Mother”, “God”, em que parte do princípio de que Deus é um conceito através do qual medimos nossa dor, para desafiar um rosário de pérolas em que não crê – Mantra, magia, Buda, Jesus, Kennedy, Elvis, Dylan, Beatles – até chegar à conclusão de que acredita apenas em si próprio e em Yoko – “e isto é realidade”. John já havia começado a mostrar sua visão pessoal sobre a realidade do mundo em transformação quando ainda assinava-se Lennon-McCartney em músicas como “Revolution”, “Give Peace a Chance”. Depois de Yoko, soltou-se mais também no desnudamento de sua visão do mundo. Criou slogans libertários, solidários, fraternos – dêem uma chance para a paz; poder para o povo, já; liberdade para o povo, agora; nós todos brilhamos como a lua, as estrelas e o sol; vamos acabar com todas as lutas; a guerra termina, ser você quiser; a mulher é o negro do mundo. Envolveu-se diretamente com o que os americanos chamam de radicais – a ala esquerda da geração que nos anos 60 lutou pelos direitos civis, contra a guerra do Vietnã, contra o militarismo, contra a direita republicana. Como Bob Dylan, sempre politizou o pessoal, e personalizou a política, conforme notou um crítico inteligente. Mudando-se para Nova York em 1971, amigo de líderes radicais como Jerry Rubin e Abbie Hoffman, ajudou a organizar manifestações contra o envolvimento americano do Vietnã, pela libertação de presos políticos como Angela Davis, ou a favor dos presos da penitenciária de Attica. Eram os anos Nixon, e ele passou a enfrentar dificuldades com o Departamento de Imigração, que se negava a dar-lhe o greencard, o visto de permanência nos Estados Unidos. Queixava-se de estar sendo seguido por agentes do FBI e de ter seu telefone sob escuta. Foram também anos de diversas lutas na Justiça – contra as seguidas tentativas do governo de deportá-lo, com base em uma antiga prisão por posse de drogas, ainda na Inglaterra; pela dissolução legal da sociedade com os Beatles; pela custódia de Kioko, a filha de um casamento anterior de Yoko; contra uma acusação de não haver honrado um acordo para a produção de um LP para um tal Morris Levy, dono de uma editora musical. “A vida vem em ondas como o mar”: foi nessa época turbulenta que veio a turbulência maior, a separação de Yoko, em 1973. Com a separação John afundou-se em bebida e cocaína, no que ele mesmo chamou de “fim de semana perdido de 18 meses” (Lost Weekend é o título original do filme Farrapo Humano, de Billy Wilder, em que Ray Milland interpreta um escritor alcoólatra no fundo do poço da degradação). Do fundo do poço, voltou a despir seu desespero na música: “Estou apavorado”, repete 15 vezes na tetricamente bela “Scared”, do disco Walls andBridges, gravado em 1974. O disco tem uma música chamada “Ninguém Te Ama Quando Você Está Por Baixo e Por Fora”. De uma forma singular, como tantas coisas na história desse artista cuja obra-prima foi a própria vida, Walls and Bridges foi a ponte que o levou de volta a Yoko. Seu amigo Elton John, na época no auge do sucesso, tocou órgão e piano e dividiu o vocal com John em uma faixa do disco – ironicamente uma das mais descartáveis – “Whatever Gets You Through the Night”, e brincou com ele dizendo que, se a música chegasse ao primeiro lugar, John teria que dar uma canja em um show dele. A música chegou ao primeiro lugar – por outra ironia, foi a primeira música de John a chegar ao primeiro lugar desde a separação dos Beatles (todos os outros três já haviam chegado lá antes). Ele deu a canja no show do Elton John, no Madison Square Garden, e, ao final, encontrou-se com Yoko atrás do palco. Como “a vida vem em ondas como o mar”, o casal mergulhou, a partir do final de 1974, em sucessivas ondas de boas novas. Yoko ficou grávida e com isso apressou-se o fim dos processos para a deportação de John, que em 1975 recebeu finalmente o visto de permanência nos Estados Unidos; as questões que atavam os Beatles a complicados processos judiciais foram finalmente resolvidas; o tal dono de uma editora musical perdeu a causa que movia contra ele na justiça. No dia 9 de outubro de 1975, o dia dos 35 anos de um John Lennon pacificado, nasceu Sean. E caiu de cabeça no papel de dono de casa e pai em tempo integral, deixando com a mulher a administração dos negócios e da fortuna. Os cinco anos que John passou em casa, cuidando de Sean, fora do carrossel, sem fazer música, sem lutar por nada, foram, como bem notou um crítico, a realização prática de utopia que pregou em boa parte de sua obra e que sintetizou esplendidamente em “Imagine”, seu hino “anti-religioso, antinacionalista, anticonvencional, anticapitalista”, como ele mesmo definiu. Foi feliz em seu paraíso pessoal, em seu direito à preguiça, em seu ócio, onde cultivou poucos vícios (como o de fazer pão em casa, passar horas junto a uma janela do Dakota diante do Central Park ou , quando viajava com Sean e Yoko, comprar também as cadeiras da frente, de trás e do lado, para não ter que atender a algum curioso perguntando quando é que os Beatles iriam se unir de novo). O vício das drogas, abandonou, de um jeito manso e sem ansiedade. Desde o início dos Beatles, com pouco mais de 20 anos, culminando com os 18 meses de farrapo humano, havia se dedicado, em períodos alternados, a pílulas, maconha, ácido, álcool, heroína e cocaína. Aos 40 anos, dizia que, se alguém passasse um baseado, até fumava, mas nunca iria atrás, e só. “Quando eu era mais jovem, vivia em confusão e profundo desespero; agora estou mais velho; quanto mais vejo, menos sei com certeza. O futuro é brilhante, e o momento é agora”, escreveu em Borrowed Time”, uma das cerca de 15 músicas que compôs em 1980, saindo dos cinco anos de reclusão para lançar em discos de John e Yoko – primeiro Double Fantasy, depois Milk and Honey. Estava decidido a não fazer mais discos só de John Lennon; ou o público aceitaria discos meio John, meio Yoko, ou então ele simplesmente não estaria mais interessado em gravar, dizia. “Eu sou um roqueiro renascido, sinto-me restaurado”, disse no dia 5 de dezembro de 1980. Não tinha fórmulas para oferecer para o mundo; sabia que cada um tem que criar a sua. “Eu geralmente tenho medo, e não tenho medo de ter medo”. Tudo é desconhecido – aí você estará à frente do jogo”. Na viagem dos sinos lúgubres de “Mother” aos sinos da felicidade de “(Just Like) Starring Over”, havia aprendido também que não é o pai, não é a mãe, nem mesmo a sociedade que é responsável pela escolha do caminho a se percorrer na vida. “Quando a gente é adolescente”, disse, “reclama do que a mamãe, o papai ou a sociedade fizeram com a gente. Eu sei que fazemos nossa própria realidade e que sempre temos uma escolha.” Se Deus quiser, ainda haverá 40 anos de produtividade pela frente”. Regina Lemos teve a idéia de me encomendar um texto para ser publicado nos dez anos após a morte de John Lennon, no mês exato em que ele completaria 50 anos, outubro de 1990. Ela estava dirigindo a redação da revista Moda Brasil, um título da Editora Globo, então em processo de renovação, remodelação – a editora e a revista. Até 1990, era uma revista exclusiva para modistas, voltada apenas para confecções e lojas; com Regina na direção de redação, virou uma revista feminina moderna, com amplo espaço para reportagens sobre comportamento, cultura. A experiência deu certo demais – tanto que a renovada Moda Brasil acabou sendo um ensaio geral para a edição brasileira da Marie Claire, um dos títulos mais respeitados do mundo; a editora francesa fechou acordo com a Globo, e em 1991 surgiu a Marie Claire brasileira, dirigida por Regina e com o núcleo que ela havia montado ainda na Moda Brasil. Foi uma belíssima revista, a Marie Claire, especialmente em seus primeiros anos – aliás reconhecidos e premiados –completamente diferenciada das demais da imprensa feminina, com pautas inteligentes, bem sacadas, ousadas, um texto cuidadoso, caprichado, bem feitíssimo, e uma redação democrática como nenhuma outra de que já ouvi falar. Quanto ao meu texto para a Moda Brasil… Bem, gostei bastante dele, ao relê-lo agora. O que me assusta, hoje, é ver como eu era absolutamente lennonista. E eu fui, de fato, um lennonista ferrenho, até essa época aí, 1990, quando fiz os 40 anos que John tinha ao morrer. Maturidade, provavelmente, seria ser sempre lennon-mccartista – seria compreender que a genialidade era exatamente a soma-multiplicação-exponencial daqueles talentos tão díspares e, ao menos durante um bom tempo, tão complementares. Essa é uma bobagem-brincadeira tão velha quanto ser chiquista ou caetanista, “Sabiá” ou “Caminhando”. Sempre fui fã de carteirinha de Caetano, desde antes do LP Domingo, seu primeiro, de 1966, mas, se entrasse em alguma discussão sobre a bobagem-brincadeira chiquismo x caetanismo, era chiquista desde criancinha. Mas como manter o chiquismo quando Chico apóia a Cuba dos Castro e Caetano tem a coragem maravilhosa de mostrar que o rei está nu, cultiva o anafabetismo e o país hoje cultiva uma idolatria à lá Stálin ou Mao? Bem, mas estes – tanto o lennonismo x mccartismo quanto o chiquismo x caetanismo – são temas que podem render bons e longos textos. Com os meus cumprimentos, aproveito essa oportunidade em parabenizá-los pelas excelentes informações contidas nesse site. E venho ainda, solicitar de vossas senhorias, a gentileza em permitir-me, a utilização de uma parte desse texto, que incluirei em um artigo sobre John Lennon, onde usarei também como implemento o título, se me permite – “John Lennon, assim na Terra e no Céu”. Essa postagem será feita em um site que estarei lançando em breve, intitulado, “Gyn Go”, e evidentemente que acrescentarei todos os créditos devidos. Sinta-se inteiramente à vontade para transcrever parte do meu texto; se você vai dar o crédito – e tenho certeza de que o fará -, isso só pode ser para mim motivo de alegria. Peço a gentileza de você me avisar quando publicar seu texto, e me passar o endereço. […] os 40 anos de Paul McCartney para a revista Status, e outra sobre os dez anos após a morte de John Lennon para a revista Moda Brasil. Gostei de fazer todos esses trabalhos – mas é completamente […] […] praça diante da Notre Dame, à direita dela, na Nuit Blanche, um rapaz cantou “Revolution”, de John Lennon, acompanhando-se à guitarra. A voz era boa, a pronúncia das palavras muito nítida, mas o […] […] comum, assim como gilete, por exemplo, virou substantivo comum, sinônimo de lâmina de barbear. John Lennon descrevia seu período de entrega total às drogas e à bebida, depois de uma separação de Yoko […] […] Beatles, lançou em 2010 um livro chamado Lennon – um misto de biografia e relato ficcional sobre John Lennon, em que o músico confessa, por exemplo, seu amor por Brian Epstein, o primeiro empresário do […] |
Este é, talvez, o mais perfeito exemplar do filme esforço de guerra, absolutamente inigualável dentro do que ele se pretendia – engajar a população civil na luta contra o nazismo, fazer as pessoas ajudarem, da maneira que fosse possível, o governo e as forças armadas na luta. Eu já tinha, naturalmente, ouvido falar demais neste filme do então quase principiante David Lean e do homem de todas as artes Noel Coward – e mesmo assim me surpreendi com a qualidade dele. Os filhos da puta dos ingleses conseguiram transformar um instrumento de propaganda em belíssimo cinema. O filme é a história de um navio de guerra inglês, o destróier HMS Torrin, que é atingido por um torpedo mas não afunda; é levado de volta para a Inglaterra, reparado e volta à ação para ajudar na retirada de Dunquerque; mais tarde, é bombardeado perto de Creta, e finalmente submerge. A ação começa quando o navio está afundando, e vários de seus marinheiros estão em botes salva-vidas, à espera do resgate por outras naves aliadas. Enquanto aguardam o resgate – que talvez não chegue -, os sobreviventes do navio naufragado vão lembrando histórias das lutas do Torrin, juntamente com histórias de suas próprias vidas, e essas histórias todas vão sendo mostradas em flashbacks. Noel Coward – que escreveu o roteiro e co-dirigiu o filme – faz o papel do capitão do HMS Torrin, Kinross, um herói de guerra, embora não mais herói que o mais humilde dos marinheiros do navio. Aliás, uma das muitas maravilhas deste filme é isso: a insistência em que a participação de cada um é importante, que um marujo humilde e iniciante vale tanto quanto um oficial, que todos são igualmente merecedores de todas as honras. Qualquer pessoa que não conheça a biografia de Noel Coward (1899-1973) e veja hoje o filme certamente achará sua atuação muito boa – ou, no mínimo, convincente, correta. É verdade que seu tom é um tanto monocórdico: seu Capitão Kinross é um homem duro, dedicado, competente, sério, extremamente sério – acho que ele não sorri uma única vez no filme. Está sempre com a cara fechada de um homem ocupado em cumprir seu dever bem cumprido. Assim, é fascinante imaginar como as platéias da época, especialmente as inglesas, reagiram à interpretação de Coward como o duro Capitão Kinross. Noel Coward – que figura absolutamente fascinante – era pintor, ator de teatro, dramaturgo, compositor, letrista, cantor; fez todo tipo possível e imaginável de peças de teatro, mas era conhecido basicamente por comédias e canções sofisticadas, intelectualizadas, inteligentes, brilhantes. Uma das muitas histórias que se contam sobre In Which We Serve (e ele é absolutamente cheio de histórias) é que o jornal Daily Express, em diversas ocasiões, enquanto o filme era rodado e montado, ridicularizou o projeto, contestando a escolha de Coward para interpretar um bravo, e muito macho, capitão da Real Marinha. Tadinho do povo do Daily Express: que coisa triste confundir opção sexual com caráter ou falta de caráter, bravura ou falta de bravura, competência ou falta de competência. O fato é que Coward acabou se vingando ao reproduzir no filme uma ridícula manchete do jornaleco, publicada em 1939, poucos meses antes do início da Segunda Guerra: Noel Coward – que muitos anos depois receberia da Coroa britânica o título de Sir – era amigo do primeiro-ministro Winston Churchill. Teria sido pensando em ajudar o amigo que Coward teria imaginado a história deste filme: ele queria fazer alguma coisa mais útil ao esforço de guerra do que escrever mais comédias sobre gente rica e suas aventuras nos salões. Aliás, consta também que Coward trabalhou para o serviço secreto inglês durante a Segunda Guerra. Conta-se também que Coward estava um tanto inseguro em dirigir um filme de guerra, e perguntou ao amigo John Mills quem ele recomendaria para ajudá-lo. O pequeno em tamanho, gigante em talento John Mills (1908-2005) – aliás pai de Juliet Mills, que aparece no filme como a filhinha bebê de Shorty Blake, o personagem interpretado pelo ator, e também da gracinha Hayley Mills – sugeriu “o melhor montador do país”, um tal de David Lean. David Lean (1908-1991) àquela altura já havia assinado a montagem de uns 20 filmes, inclusive Pigmalião, de 1938, e Major Barbara, os dois baseados em obras de George Bernard Shaw. Consta que Lean perguntou a Coward como ele imaginava que seu nome apareceria nos créditos, e Coward sugeriu “com a ajuda de David Lean”. O outro pediu que fosse “dirigido por Noel Coward e David Lean”. Quando Sir David Lean morreu, em 1991, deixou uma das mais esplêndidas obras da história do cinema. Poucos, mas vários deles extraordinários, dos melhores que já foram feitos – Desencanto/Brief Encounter, Quando o Coração Floresce/Summertime, A Ponte do Rio Kwai/The Bridge on the River Kwai, Lawrence da Arábia, Doutor Jivago, Passagem para a Índia/A Passage to India. Estréia de Lean na direção, Nosso Barco, Nossa Vida foi também a estréia do jovem Richard Attenborough no cinema. Sir Richard Attenborough foi ator em mais de 70 produções e diretor de 12, inclusive Gandhi, Um Grito de Liberdade/Cry Freedom, Terra de Sombras/Shadowlands e Chaplin; em 2007, aos 84 anos, dirigiu Um Amor para Toda a Vida/Closing the Ring, um filme competente mas com uma história bocózinha. Impressionante como o filme reuniu pessoas que seriam recompensadas mais tarde com o título de nobreza pela Coroa britânica. Como era um filme sobre marujos, falava-se muito palavrão – ou o que na época era considerado palavrão. O iMDB conta que o povo encarregado de fazer valer os “é proibido” do Código Hays, o código da autocensura de Hollywood, quis vetar os God, hell, damn e bastard que saem a toda hora das bocas sujas da marujada. Os ingleses protestaram violentamente, e vários palavrões foram então permitidos, embora outros tenham sido expurgados na versão exibida na puritana América dos anos 40. (O que diriam os zelosos censores dos anos 40 dos filmes de hoje, em que há mais fucks do que estrelas no céu?) O AllMovie diz que, durante muitos anos, as únicas cópias do filme disponíveis nos Estados Unidos eram da versão filtrada para não ofender os ouvidos puros da época do lançamento, mas que agora, felizmente, “a versão completa, gloriosa, de 115 minutos” é a que pode ser vista nos EUA. Deve, certamente, ser a higienizada pela censura americana dos anos 40. […] felizmente longevo inglês, nascido em 1923 em Cambridge, que estreou no maravilhoso Nosso Barco, Nossa Alma/In Which We Serve, de 1942, de Noël Coward e do jovem David Lean, é conhecido do grande público como o empresário […] Baseado numa peça escrita em 1924 pelo homem de todas as artes Noël Coward sobre choque cultural e a profunda hipocrisia da alta sociedade inglesa, é uma produção […] […] o patriotismo, procurando manter elevado o moral de um povo, podem ser obras de arte, como Nosso Barco, Nossa Alma/In Which We Serve, que Noël Coward e David Lean co-dirigiram em 1942, um ano antes de Os […] […] grande romance, mas sim seu melhor amigo (gay, por sinal), o escritor, compositor, ator e diretor Noel Coward, que no filme afirma que Gertrude era casada com a carreira. Juntos, Noel Coward e David Lean fizeram, em 1942, Nosso Barco, Nossa Alma, e, em 1944 – o mesmo ano deste Days of Glory -, David Lean fez This Happy Breed. |
Para nós, brasileiros, nestes tempos duríssimos em que vivemos, em que Brasília nos manda diariamente notícias tristes, desalentadoras, indecentes, e nos deixa questionando pilares básicos da democracia, como a própria existência do Parlamento, é cheio de belas lições. Aumenta ainda mais nossa estupefação diante da maioria dos políticos do País, mas deixa belas lições. Menos de 20 anos atrás, o Brasil expulsou da Presidência um político corrupto. Aquela figura renunciou, antes que fosse derrubada por um processo de impeachment no Congresso. Mas ele se elegeu de novo, e, senador, está de volta às primeiras páginas dos jornais, como um dos líderes da tropa de choque que defende outro político corrupto que preside o Senado Federal e, ao contrário do que fizeram dois de seus antecessores no cargo, que renunciaram para não perder o mandato; insiste em se manter no poder, com o total apoio do presidente da República, aquele lá que – não; melhor deixar pra lá. Pouco mais de 30 anos atrás, o então presidente americano Richard Milhous Nixon renunciou, antes que fosse derrubado por um processo de impeachment no Congresso. Ao contrário do que acontece aqui, no entanto, jamais voltou a ter qualquer poder; não foi candidato a nada; passou para a História como o único presidente americano a renunciar, em mais de 200 anos consecutivos de democracia. Este ótimo filme do veterano Ron Howard recria, com a precisão de um documentário e o ritmo acelerado de um thriller de primeira qualidade, a história da primeira entrevista que Nixon deu à televisão depois da renúncia. O filme se baseia na peça de teatro escrita pelo inglês Peter Morgan, que foi também o autor do roteiro. Toda a história tem como base acontecimentos reais; os trechos da entrevista que aparecem são iguais ao que realmente aconteceu e foi ao ar em 1977, três anos depois da renúncia de Nixon. As frases de Nixon e de seu entrevistador, David Frost, são literais. Ron Howard usa a estrutura de um documentário: ao longo da ação – que é apresentada em ordem cronológica, desde a renúncia, em 1974, até a entrevista, em 1977, e um pouco depois –, há depoimentos dos personagens da história. Só que não dos personagens reais, e sim dos atores que os interpretam. Ou seja: é a estrutura de um documentário, em um filme que recria inteiramente a realidade. As fotos que aparecem de Nixon – como uma dele ao lado de Mao Tsé-Tung – são com o ator que faz Nixon, e não com o próprio presidente. Nisso, especificamente, o filme faz lembrar Confidencial/Infamous, a ótima recriação de como Truman Capote escreveu A Sangue Frio. E, indo mais para trás, faz lembrar Reds, o filme de Warren Beatty sobre a participação do jornalista americano John Reed na revolução comunista russa de 1917. Esses depoimentos dos personagens da história ajudam um pouco o espectador a compreender os fatos. Mas o roteiro dá de barato que toda a história é amplamente conhecida pelo público. Assim, é claro que o espectador que não se lembrar das circunstâncias que levaram Nixon à renúncia estará bastante prejudicado. Relembrando rapidinho: em 17 de junho de 1972, cinco homens foram presos ao assaltarem os escritórios do Comitê Nacional do Partido Democrata, no complexo de prédios Watergate, em Washington. Nixon era presidente da República, eleito em 1968, e disputava a reeleição com o democrata George McGovern (as eleições seriam em novembro). Investigações da polícia, de comitês do Senado e da Câmara dos Deputados e sobretudo da imprensa foram revelando que a invasão do comitê havia sido ordenada por funcionários da Casa Branca; o governo tentou o tempo todo negar que Nixon tivesse conhecimento dos planos para o assalto ao comitê adversário, mas foi ficando clara a participação de autoridades cada vez mais altas da Casa Branca, até se chegar ao próprio Nixon. Após dois anos de sangria, e antes que a Câmara votasse um processo de impeachment, Nixon finalmente renunciou, em 9 de agosto de 1974. Com a renúncia, assumiu outro republicano, Gerald Ford, que, numa decisão que chocou o país, concedeu um perdão total a Nixon por quaisquer crimes que pudesse ter cometido enquanto estava no poder – ter ordenado ou no mínimo consentido com o assalto ao escritório da campanha adversária, mentido, ocultado provas, obstruído a ação da Justiça. E o ex-presidente jamais admitiu qualquer crime, ou pediu perdão por eles. David Frost, um apresentador de talk shows nascido na Inglaterra, que tinha tido e perdido um programa na TV americana e estava, na época da renúncia, comandando um programa na Austrália, teve a idéia de pedir uma entrevista a Nixon. A idéia acabou virando uma obsessão; durante meses e meses e meses ele continuou tentando. O agente literário de Nixon, Swifty Lazar (Toby Jones, o Truman Capote do filme Confidencial/Infamous), que era uma das pessoas do círculo do ex-presidente com quem David Frost entrava em contato, acabou sugerindo que ele aceitasse dar a entrevista. O secretário particular de Nixon, Jack Brennan (Kevin Bacon), também o incentivou a aceitar. Nixon havia recusado todos os pedidos de entrevista anteriores; não queria enfrentar, diante das câmaras de TV que já o haviam derrotado quando debateu com John Kennedy na campanha de 1960, um entrevistador sério, um repórter político experiente. O staff de Nixon, e depois o próprio ex-presidente, entenderam que seria um bom negócio falar com aquele inglês meio showman, mais acostumado a entrevistar personalidades do show business do que a tratar dos negócios sérios da política. Acharam que o ex-presidente poderia se sair muito bem, dar um show, mostrar-se como um estadista, talvez até voltar à política. E mais ainda: o apresentador de talk shows oferecia dinheiro, um bom dinheiro, pela entrevista, na verdade uma série de quatro entrevistas de duas horas cada. Acabaram fechando negócio pela quantia absurda de US$ 600 mil, mais um acordo previamente assinado pelas partes estipulando que apenas 25% do tempo seria reservado a Watergate, e os demais 75% a outros temas. É preciso também lembrar que Nixon tinha do que se gabar, nos 75% do tempo em que não seria questionado sobre Watergate. Apesar de ter afundado mais e mais os Estados Unidos na guerra do Vietnã, iniciada por seus antecessores democratas, apesar de ter ordenado uma invasão sangrenta do Cambodja, durante seu primeiro mandato, Nixon tinha trunfos na política externa. A guerra do Vietnã terminara; e o presidente tinha tido reuniões de cúpula antes inimagináveis com o líder soviético Leonid Brejnev e com o chinês Mao Tsé-Tung, reuniões que abrandaram bastante o clima quente da guerra fria. Para o entrevistador, só havia dois caminhos: ou ele conseguia encostar o entrevistado nas cordas, e esmurrá-lo até que confessasse seus crimes e pedisse perdão por eles, ou a entrevista não serviria para nada. Se fosse uma conversa morna, ninguém teria interesse em transmiti-la, e David Frost teria que arcar sozinho com o custo absurdo de toda a operação – seria o fim de sua carreira. Todo mundo sabia: a série de entrevistas seria uma luta de boxe, uma disputa de campeonato mundial. Todas as apostas eram de que Tricky Dick, como Nixon era chamado, daria uma surra no apresentador de talk shows bonitinho e bobão. O espectador acompanha os preparativos dos dois contendores para o enfrentamento, cada um com sua equipe. Nixon se cerca de um grande staff; de seu lado, David Frost e seu produtor, John Birt (Matthew Macfadyen), contratam dois jornalistas e estudiosos para auxiliá-los no trabalho de pesquisa, levantamento e organização de informações – Bob Zelnick (Oliver Platt) e Jim Reston (Sam Rockwell). Aqui há um detalhe interessante: esse Jim é James Reston Jr., o filho de James Reston, sujeito liberal, progressista, que foi um dos colunistas mais importantes do New York Times e do jornalismo americano nos anos 70 e 80; me lembro que, começando em jornal, li, admirado, muitos textos de James Reston, republicados em O Estado de S. Paulo e no Jornal da Tarde. O filme mostra que os jornalistas Zelnick e Reston Jr. ficavam exasperados, arrancavam os cabelos, porque, nas semanas que precederam as entrevistas, David Frost parecia não se dedicar ao trabalho, não se aprofundar nos temas; preferia ficar gozando a boa vida em festas e passeios em Los Angeles ao lado de Caroline Cushing, uma jovem beldade que ele conheceu na primeira classe de um vôo internacional (foto). Caroline é interpretada pela bela inglesa Rebecca Hall, que fez a Vicky de Vicky Cristina Barcelona. Ela funciona meio como o “female interest” do filme, a bonita figura de mulher que dá algum encanto aos olhos da platéia num filme povoado por senhores engravatados. Mas serve também para mostrar que o velho Nixon, por mais bandido que fosse, tinha uma qualidade: era tarado por mulher. Assim como aconteceu com Helen Mirren ao interpretar a Rainha Elizabeth II em A Rainha, de Stephen Frears, ou com a bela francesa Marion Cotillard, que ficou feia para fazer Edith Piaf em Piaf – Um Hino ao Amor, Frank Langella teve o melhor papel de sua vida como Richard Nixon. Ela é toda cheia de matizes; seu Nixon demonstra arrogância, prepotência, inteligência, safadeza com relação a sexo, insegurança, medo, uns momentos de bom humor, e até mesmo arrependimento. No papel do apresentador de talk shows meio playboy, mundano, festeiro, mulherengo, menosprezado pela imprensa dita séria, mas na verdade inteligente, rápido de raciocínio, seguro, conhecedor das manhas da TV, Michael Sheen enfrenta o duelo com Frank Langella, o duelo Frost/Nixon, de igual para igual. Está muito bem esse ator nascido no País de Gales em 1969 que, no filme A Rainha, interpretou, também com brilho, o primeiro-ministro britânico Tony Blair. Os dois atores tinham já representado os mesmos papéis no teatro. Não poderia dizer com toda certeza se pessoas menos interessadas em política, em História contemporânea, iriam desfrutar tanto deste filme bem realizadíssimo, mas imagino que, sim, iriam. É uma história fascinante, riquíssima, e o diretor Ron Howard de fato conseguiu contá-la com um ritmo de um bom filme de suspense. O filme vai num crescendo de tensão, como um bom thriller, até atingir, bem no finalzinho de seus 122 minutos que passam de maneira extremamente rápida, o clímax, um grande clímax. O filme teve cinco indicações ao Oscar no início deste ano de 2009: filme, direção, ator (para Frank Langella), roteiro adaptado e montagem. Não levou nenhuma estatueta da Academia, mas ganhou nove outros prêmios e teve outras 36 indicações. Segundo o iMDB, diversos diretores importantes demonstraram interesse em dirigir o filme baseado na peça Frost/Nixon: Outra informação interessante que o iMDB apresenta é que o diretor Ron Howard admitiu ter votado em Richard Nixon em 1972, em vez de em McGovern. É estranho, porque uns 95% da comunidade do cinemão americano votam nos democratas. Um lembrete para quem for ver o filme no DVD: não se pode deixar de ver, nas apresentações especiais, os trechos da entrevista do verdadeiro Nixon ao verdadeiro Frost. A direção de arte recriou o local da entrevista nos mínimos detalhes. Voltando ao começo, como diz o Gonzaguinha, como se deve fazer sempre: o filme nos traz lições, boas lições – embora eles lá no Império sejam tão diferentes da gente, vivam num mundo tão distante da gente. Nem é o caso de falar de Sarney, Collor, Renan, essa corja toda, hoje tão umbilicalmente ligada ao presidente que dizia que iria fazer tudo diferente, tudo ao contrário do que sempre foi feito. É o caso, no mínimo, de constatar de novo essa velha noção que não podemos nunca esquecer: a imprensa pode ser ruim, pode ser uma bosta, pode até mesmo ser vendida – mas é a melhor coisa que há. Sem imprensa que faça oposição ao poder, sem imprensa que denuncie, que investigue, o cidadão se fode, o Estado se agiganta, manda, prevalece. Não dá para compreender como ainda exista gente que já leu mais do que o Pato Donald e não entenda isto. Não dá para compreender como ainda existam jovens que defendam os Chávez, os Fidel, os Stálin, os Hitler, os Mussolini, os Gaddafi, os Khomeini, os Ahmadinejad da vida – porque eles são todos absolutamente iguais. Todos eles se colocaram na posição de deuses onipresentes, oniscientes, com o dom de promover a Grande Justiça Social (mas normalmente só enchendo seus próprios bolsos, e os dos parentes e amigos), e esmagaram a imprensa, e todos aqueles que fossem contrários a seus desígnios. Quem defende Estado forte, Estado grande, Estado sempre presente, não defende as pessoas – está contra elas. Se vc pensa em ser jornalista, meu filho, terá grande sucesso se escrever para A globo, folha de são paulo, ou veja. Uma emissora como A globo ter mais influência que o próprio presidente. O quarto poder precisa ser calado, antes que se torne o primeiro poder. […] de quem não consegue voltar bem à planície, conforme mostram dois belos filmes, Honra Secreta e Frost/Nixon – por coincidência estrelado pelo mesmo Michael Sheen que interpretou Tony Blair em A Rainha. Trata da perda dos valores morais da nação americana nos anos Nixon. De maneira profética, foi produzido e lançado pouco antes de estourar o escândalo Watergate, […] A sensação que tive é que a diretora procurou deixar as atrizes Catherine Keener e Rebecca Hall menos belas do que na verdade são; a garotinha Sarah Steele é feiozinha, e Oliver Platt, […] […] Amin Gaga) e A Rainha (Helen Mirren interpretando Elizabeth II). São dele também os roteiros de Frost/Nixon, Maldito Futebol Clube/The Damned United e A Outra/The Other Boleyn Girl. |
Que danada de descida ao mais fundo do fundo do poço deu a carreira dela, para ela ir parar neste Armadilhas do Amor/Serious Moonlight – uma absoluta, total imbecilidade, um coisa pavorosa, horrenda, de deixar o espectador morrendo de vergonha. Em 2008, Meg Ryan havia feito Mais do que Você Imagina/My Mom’s New Boyfriend, dirigido por um certo George Gallo, em que ela contracena com Antonio Banderas. Interpretava a mãe de um garoto que era gordíssima no início da ação, e, quando o rapaz volta para casa, algum tempo depois, ela havia emagracido um 380 quilos e estava namorando um gatão – o papel de Banderas. Um coisa grotesca; com dez, 15 minutos de filme, tivemos o bom senso de apertar a tecla stop. Este Armadilhas do Amor é grotesco – se não apertei a tecla stop e fui até o fim, o problema é meu, de insanidade absoluta. Mais do que Você Imagina é um horror, mas não pode ser pior do que este aqui. Nego chega de táxi, carregado de flores, muitas flores, a uma casa de campo. Bota flores em vasos, diversos vasos; espalha pétalas de rosa pela casa, no caminho entre a porta de entrada até o quarto, passando pela escada toda para o andar de cima. Em ação paralela, vemos mulher num posto de gasolina ligando para a secretária, dizendo que resolveu viajar naquela sexta-feira, que volta na segunda à tarde, que é para cancelar todas as reuniões marcadas para a segunda. Telefonema terminado, mulher recebe ligação do cara, dizendo que está entrando numa reunião, e só vai chegar no sábado à tarde. Mulher chega na casa de campo, vê as flores todas, liga para a secretária, diz que vai transar muito – e sai pela casa berrando o nome do marido, Ian (Timothy Hutton). O qual, evidentemente, fica muito surpreso ao ver chegar a mulher, Louise (o infeliz papel de Meg Ryan), muito antes da hora combinada. É o óbvio, o absolutamente óbvio: confiante em que Louise só chegaria no sábado de tarde, Ian tinha marcado encontro com a amante. Pego com a boca na botija, Ian conta tudo para Louise. E aí Louise diz que não, que não aceita aquilo de jeito nenhum, que ele jurou amá-la para sempre quando se casaram, e vai ter que continuar amando – e o amarra numa cadeira. (Ou, se estivesse numa sala de cinema, poderia ter usado a faculdade de levantar e cascar fora.) Ninguém é obrigado a ver um filme idiota. Os idiotas do esquerdoidismo vivem falando em “controle social”, expressão que na Novilíngua significa na prática proibir que sejam feitos ou exibidos filmes ou programas ou sejam divulgadas notícias de que não gostam – e o melhor argumento contra isso é sempre a liberdade, o livre arbítrio: meu, se você não gosta da Rede Globo, mude de canal; se você não gosta da Veja, compre outra revista, as bancas têm 200 milhares de títulos diferentes, tem Carta Capital, tem Caros Amigos… É óbvio que eu tinha a liberdade de apertar o botão de stop. E o fato é que, a partir desse começo idiota, o filme só piora, e piora muito, e piora demais. Na última seqüência, tentam – com uma incompetência abissal – nos convencer de que poderia ter havido uma reviravolta. É uma tentativa idiota, até porque o eventual espectador que tiver mais do que 35 de Q.I. já havia pensado nessa possibilidade, mas já a tinha descartado porque o que é mostrado no início do filme torna inverossímil e improvável e absurda a saída que se tenta na última tomada. Então é assim: neguinho pode, evidentemente, fazer o filme mais idiota que quiser. É um direito dele – it’s his privilege, como se diz, com acuradíssima exatidão, em inglês. Eu, pessoalmente, fico espantado com o fato de algum produtor ter dado o sinal verde para esse roteiro idiota, obtuso, calhorda, de mau gosto, vomitativo. Mas, ao mesmo tempo, imagino que é assim mesmo – devem ter feito alguma pesquisa de mercado, devem ter achado que haveria público para isso. A economia precisa andar, a indústria tem que fazer filmes, os cinemas têm que ter novos títulos para exibir, as locadoras, etc e tal. Em Harry e Sally – Feitos um para o Outro/When Harry Met Sally…, de Rob Reiner, de 1989, Meg Ryan protagonizou uma das seqüências mais antológicas de toda a história da comédia romântica, aquela extraordinária série de tomadas em que finge um orgasmo, para o absoluto espanto de Harry, o personagem de Billy Cristal, de todos os presentes à lanchonete e da audiência. Cabelos louros cacheados, olhos do mais brilhante azul, um domínio de tempo cênico extraordinário, virou a namoradinha da América – e do mundo. Em duas que fez ao lado do então namoradinho da América, Tom Hanks, homenageou os antigos – e jovens que sabem reconhecer os antigos são bons, são louváveis: em Sintonia de Amor/Sleepless in Seattle, de Nora Ephron, ela e Tom Hanks nos lembraram o amor triste de Cary Grant e Deborah Kerr em Tarde Demais para Esquecer/An Affair to Remember. E, em Mens@gem para Você/You’ve Got Mail, de novo de Nora Ephron, elas atualizaram, com a então recém-chegada novidade dos e-mails, e falando também da coisa de empresa come empresa e demite gente, A Loja da Esquina/The Shop Around the Corner, o delicioso clássico do mestre Lubitsch de 1940, com James Stewart e Margaret Sullavan. “A pretty face may last a year or two”, disse John Lennon, morrendo de ódio e de inveja do talento e da beleza de seu ex-parceiro. Em 2003, aos 42 anos, fez uma personagem que jogava no lixo todas as comedinhas românticas, no drama barra pesada de Jane Campion Em Carne Viva/In The Cut. Voltou à boa comédia romântica em 2008, na refilmagem de um clássico de George Cukor, Mulheres – O Sexo Forte/The Women. No mesmo ano, no entanto, fez a besteira Mais do que Você Imagina/My Mom’s New Boyfriend, e em 2009 fez essa besteira maior ainda aqui. Mas a culpa não é dela – neste filme, não daria para fazer nada bom. Torço para ver Meg Ryan, agora mulher madura, sempre linda, maravilhosa, em bons filmes, em bons papéis, em boas interpretações. Na minha opinião o filme fala sobre a necessidade das mulheres de se sentirem amadas e como abrem mão de si mesmas e não se valorizam. Há uma hora que Ian diz: -Vovê tem opiniões demais Loise. Encarei como uma crítica e sendo assim, achei o filme razoável. […] Michael e Alice são lindos (eles aparecem na tela sob a pele e os rostos belos de Andy Garcia e Meg Ryan), são absolutamente apaixonados, bem humorados, alegres, vivem de forma bastante confortável, […] […] (Eric Dane), um empresário muitíssimo bem sucedido, que namora a maior estrela da casa, Nikki (Kristen Bell), e está interessadíssimo em comprar o cabaré. […] que eu não conhecia ou de que não me lembrava (Kevin Connolly, Bradley Cooper, Ginnifer Goodwin, Justin Long). O elenco é tão bom, e tão bem escolhido, que o filme se dá ao luxo de ter Kris Kristofferson […] |
Maverick é uma daquelas arrematadas bobagens deliciosas, extremamente agradáveis de se ver. É totalmente contra-indicado para mal-humorados em geral e para a turma de nariz empinado e papo-cabeça em particular. Tínhamos visto o filme em 1995, Mary e eu, não muito depois de seu lançamento, em 1994. E não sei exatamente de onde tirei, na época, que o filme não fez sucesso. Aparentemente, não foi, de fato, um sucesso de crítica, mas teve boa bilheteria – US$ 183 milhões, segundo o site especializado Box Office Mojo. Uma comédia escrachada, que não se leva a sério e beira as loucuras de Mel Brooks A série de TV Maverick, criada por Roy Huggins, foi produzida entre 1957 e 1962. James Garner fazia o papel do protagonista, Bret Maverick, um almofadinha, extraordinário jogador de pôquer no Velho Oeste. O roteiro do filme, que usa o mesmo personagem da série de TV em uma trama inteiramente nova, é de autoria de William Goldman, o mesmo de Butch Cassidy and the Sundance Kid, o delicioso western com Paul Newman, Robert Redford e Katharine Ross de 1969. Autor de 29 roteiros, vencedor de dois Oscars, por Butch Cassidy e Todos os Homens do Presidente, Goldman sabe muito bem, portanto, como unir western e humor. Só que aqui ele foi muito fundo na comédia do que no hoje clássico filme de 1969. Soltou a franga – Maverick é uma comédia escrachada, sem vergonha de fazer rir com piadas às vezes bobas, juvenis, mas também com belas tiradas, diálogos inteligentes, irônicos. Às vezes o clima do filme beira as loucuras de Mel Brooks. James Garner, que fazia o Maverick da TV, aqui é o xerife Zane Cooper O diretor Richard Donner e Mel Gibson – que interpreta Maverick – se entendiam à perfeição; tinham feito juntos os três filmes da série Máquina Mortífera, entre 1987 e 1992. Para homenagear a série de TV que inspirou o filme, Donner colocou diversos atores do Maverick original para fazer pequenos papéis. Atores que haviam trabalhado em outras séries de TV também tiveram participações especiais, assim como um bom número de cantores country: Carlene Carter, Waylon Jennings, Hal Ketchum, Vince Gill, Clint Black, Kathy Mattea. E, claro: na maior homenagem possível à série original, o filme tem James Garner, o Maverick da TV, no terceiro papel mais importante, o do xerife Zane Cooper. Entre Maverick-Mel Gibson e o xerife Cooper-James Garner está Jodie Foster. E ela é uma das melhores coisas deste filme cheio de coisas boas. Criança prodídio, atriz extraordinária, diretora de poucos mas ótimos filmes, está no auge da beleza como Annabelle Bransford, jogadora de pôquer, malandra em tempo integral, ladra sempre que pode. Artista séria, atriz e diretora de filmes pesados, parece inteiramente à vontade nesta comédia descompromissada. Exatamente como Mel Gibson, que vinha de uma série de dramas e filmes de ação. Estavam os dois no topo de suas carreiras, na época do filme. Ela havia estreado na direção três anos antes, com Mentes Que Brilham/Little Man Tate, um filme sério sobre uma criança superdotada. Ele também havia começado a dirigir um ano antes de fazer Maverick, com O Homem Sem Face/The Man Without a Face, drama pesado sobre o relacionamento entre um garoto de 12 anos e um ex-professor solitário e recluso. Jodie Foster continuaria brilhando em tudo em que encosta a mão. Exigente, cuidadosa, tem uma filmografia bem mais rala que muitos atores de sua geração – e em geral escolhe bem seus papéis. Mel Gibson se meteria em encrencas tanto por causa de seu comportamento quanto por seus filmes. Foi preso por dirigir bêbado, seu A Paixão de Cristo despertou imensa polêmica – e ele, que havia sido um imenso astro nos anos 80 e 90, virou um Judas em quem a imprensa voltada para celebridades adora descer a lenha. Num gesto de coragem e de amizade, Jodie Foster o escolheu para fazer o papel principal em seu terceiro filme como diretora, o drama Um Novo Despertar/The Beaver, de 2011. Na abertura, super-hiper-big-close-ups de homens brutos e feios: uma citação de Sergio Leone Monta seu cavalo, e a corda está devidamente atada a um galho alto de árvore. Um deles, o líder do grupo, Angel (Alfred Molina), despede-se dele com frases irônicas – e joga no chão, bem próximo do cavalo de Maverick, um saco com uma grande cascavel. Sem o cavalo, o herói do filme que está começando será enforcado. Neste iniciozinho do filme, a câmara de Richard Donner e seu diretor de fotografia, o grande Vilmos Zsigmond, focaliza os rostos daqueles homens em super-hiper-big-close-ups. Richard Donner está citando, copiando, homenageando, ou gozando, ou todas as alternativas anteriores, o estilo de Sergio Leone! Aquela série de grandes close-ups iniciais nos remete diretamente aos western spaghetti do grande Leone, em especial Era Uma Vez no Oeste, de 1968. Uma grande sacada: um western cômico americaníssimo que cita o diretor que reinventou o western, Italian style, em filmes estilizados, às vezes gozativos. Prestes a ser enforcado, nosso herói se dirige a Deus – e ao espectador O herói prestes a ser enforcado conversa diretamente com o Criador – e também com o espectador. – “Senhor… Seja o que for que eu tenha feito para deixá-lo puto da vida… Se você pudesse me livrar desta e de alguma forma me dizer o que foi, prometo que vou retificar a situação.” Uma bela frase para se abrir um filme, essa do afiado William Goldman. E então o herói-anti-herói dirige-se ao espectador do filme, e diz que ele andava mesmo numa maré de azar. Maverick está entrando numa cidadezinha do Oeste montado num burro – seu cavalo puro-sangue havia sido roubado. Um sujeito todo vestido como almofadinha montado num burro é algo de fato impagável. Diálogos afiadíssimos, aventuras de todos os tipos: uma pândega, uma farra Daí a pouquinho, no saloon do hotel onde se hospedou, Maverick senta-se à mesa redonda onde um grupo eclético joga pôquer. Está ao lado de uma jovem loura e linda em vestido elegante – em termos de Velho Oeste, claro: um vestido de cor berrante. Ela se apresenta a ele com um sotaque sulista falso que nem nota de três guaranis: Uns dez minutos e uma briga contra quatro sujeitos mal-encarados depois, Annabelle Bransford beija Maverick e durante o ato surrupia-lhe a carteira. Maverick exige a carteira de volta, e, temendo ser denunciada, a moça a entrega. E logo Maverick leva até Annabelle sua camisa branca, que havia sujado um pouquinho durante a briga contra os quatro sujeitos. Maverick: – “Tem uma coisa que eu gostaria que você fizesse para mim”. Estamos aí com uns 15, talvez 20 minutos de filme, e a aventura está só começando – depois de muitos cortes no laboratório de montagem, que deixaram de fora diversas sequências, Maverick ficou com 129 minutos, o que Leonard Maltin, em seu guia de filmes, considerou longo demais. Ao longo desses 129 minutos – que passam bastante depressa -, surgirá o tal xerife Cooper, interpretado pelo ator que fez Maverick na TV; haverá ataques de índios, chefiados por um de nome Joseph, interpretado por um índio de verdade, Graham Greene (na foto acima), bom ator, homônimo do escritor inglês, num papel hilariante; aparecerão um arquiduque russo à procura de emoções fortes, e um grupo de religiosos atacados por brancos que se fantasiam de índios; e tudo vai terminar a bordo de um daqueles gigantescos navios que passeavam pelo Mississipi, dentro do qual se realizará um torneio mata-mata de pôquer. Um filme lackadaisical, sentencia o autor do guia de filmes mais vendido do mundo Leonard Maltin usa um adjetivo sonoro que eu jamais tinha visto antes para definir Maverick: lackadaisical. O primeiro dicionário que consulto (e é um bom dicionário) não contém o termo. “Afetada atualização da série de TV que desperta boas recordações, o filme depende do charme pessoal para levar adiante uma trama que perambula de maneira lenta demais – e longa demais. Gibson está engraçado como um tubarão das cartas a caminho de um jogo de pôquer de apostas altíssimas, e o elenco é cheio de rostos familiares do universo de velhos westerns da TV e da música country contemporânea. Garner, que estrelou a velha série de TV, foi escalado aqui como um xerife. Jean Tulard, no seu Guide des Films, sintetiza que a dupla de Máquina Mortífera (na França, L’Arme Fatale), Donner-Gibson, se reencontra para um novo sucesso popular. “Western para fazer rir, Maverick foi filmado com muito cuidado, atenção”. Jodie Foster tem um elogio a fazer a um ator com quem contracenou: No Blu-ray (e acredito que no DVD também), o filme vem acompanhado de um making off bastante diferente dos making offs tradicionais, sui generis mesmo. Em vez de ter aquelas padronizadas loas dos atores ao diretor e aos colegas, e vice-versa, tem um monte de gozações de uns aos outros. O diretor Donner comenta que Mel Gibson e Jodie Foster, recém-tornados diretores eles mesmos, sempre tinham alguma sugestão de como fazer tal e tal cena. E mesmo James Garner, que não se meteu a dirigir filmes, mas é um veterano, tinha também as suas próprias sugestões. Mel Gibson não sabia mexer com revólver nem com cartas de baralho, e a produção teve que botar experts nas duas coisas para tentar ensinar os truques básicos ao rapaz. E Jodie Foster lá pelas tantas diz que tem um elogio a fazer a um colega que contracenou com ela: (Claro, Anthony Hopkins, intérprete do assassino canibal que assustou a agente do FBI Clarice Starling em O Silêncio dos Inocentes, feito três anos antes de Maverick. Depois do elogio a Hopkins, tomadas rápidas de Mel Gibson, James Garner e Richard Donner, todos os três perguntando: Maverick é tão escrachado que não se leva a sério sequer no making off. |
Consegue ser quase sempre o próprio autor das histórias que filma, algo nada comum no cinemão comercial de Hollywood. O livro 500 Movie Directors o define como “prolífico escritor, produtor e diretor de comédias de costume e dramas para a tela pequena e a tela grande”, que consegue “boas caracterizações dentro de elencos de vários personagens”, e lembra que ele já ganhou 19 prêmios Emmy, o Oscar da TV americana, e, no cinema, é um dos cinco únicos diretores que já ganharam os Oscars de melhor filme, melhor direção e melhor roteiro para o mesmo filme. Seu primeiro – e extraordinário sucesso – foi o dramalhão Laços de Ternura/Terms of Endearment, de 1983, que levou as estatuetas da Academia de melhor filme, melhor direção, melhor atriz para Shirley MacLaine, melhor ator coadjuvante para Jack Nicholson, e melhor roteiro – de autoria do próprio diretor. Em 1987, Nos Bastidores da Notícia/Broadcast News teve sete indicações ao Oscar. Melhor é Impossível/As Good as it Gets, de 1997, deu a Jack Nicholson o Oscar de melhor ator e a Helen Hunt o de melhor atriz. Neste Como Você Sabe, de 2001, Brooks volta a dirigir Jack Nicholson, mas o grande ator faz apenas, assim como em Laços de Ternura, um papel secundário. É um papel importante, o quarto mais importante da trama, mas é secundário. Está quase tão grande, imenso, quanto Gérard Depardieu, e em algumas cenas, infelizmente, seu rosto faz lembrar o de Paulo Salim Maluf. Perder lugar na seleção de softball, para Lisa, é perder a razão de viver A personagem central da história é Lisa (o papel de Reese Witherspoon). O filme começa com um pequeno intróito: um garotinho tenta lançar, com um bastão, uma bolinha de beisebol colocada em cima de uma pequena torre. É ruim, o garoto, quase tão ruim quanto eu era nas peladas no meu tempo de menino na Serra, em Belo Horizonte, e seu bastão atinge não a bola, mas a torre. Aí uma garotinha que o observava pega o bastão e – tcham! – acerta de primeira. Se estivesse numa partida, faria um home run, embora eu não saiba bem o que seja um home run. A garotinha, claro, é Lisa, que reaparece já adulta como a grande jogadora da seleção americana de softball, ídolo da torcida, a que leva a seleção a vitórias na Olimpíada. Na minha santa ignorância, passei o filme todo achando que Lisa fosse uma jogadora de beisebol. No IMDb, vejo que é jogadora de softball – que, segundo a Wikipedia, é uma variação do beisebol, jogada com uma bola mais larga num campo menor. O técnico da seleção está para anunciar o nome das jogadoras convocadas para os jogos seguintes, e, numa reunião com suas auxiliares, dá a entender que Lisa, apesar de o número 1 da equipe, o Pelé, o Neimar, não estará entre as convocadas, por causa da idade – está com 31 anos, e o técnico parece ser daquele tipo que gosta de reinventar a roda. Para simplificar a apresentação da trama, digo curto e grosso que Lisa se verá de repente sem sua razão de viver mas envolvida em um triângulo amoroso. Será disputada por dois homens, dois sujeitos que não poderiam ser mais díspares, antíteses um do outro. De um lado, Matty (Owen Wilson, com aquela cara de pateta dele que serve perfeitamente para compor o personagem), um dos maiores astros do beisebol profissional americano, e portanto um dos atletas mais bem pagos do país. Mora num edifício de milionários em Manhattan, e é um narcisista comedor inveterado. Nunca tinha, em sua gloriosa vida de cabeça de vento, se envolvido a sério com ninguém – mas não é que com Lisa ele descobre que existe um troço chamado paixão? Do outro lado do triângulo há George (Paul Rudd), presidente de uma grande empresa criada por seu pai, Charles (o papel de Jack Nicholson). A grande empresa é gerida e controlada por Charles; George é apenas um bem intencionado, trabalhador, honesto e inocente testa de ferro do pai. O pai aprontou uma manobra ilegal – e a procuradoria dos United States of America abre um processo contra o presidente nominal da empresa, o pobre George. Acusado de um crime financeiro que não cometeu, do qual não sabia nada, nosso herói é aconselhado pelo pai e pelos advogados da empresa a renunciar ao cargo. Como terá ele mesmo que pagar a sua própria defesa, de repente tem que vender o belo apartamento em que vive para pagar os honorários milionários dos advogados. Perde o emprego e a casa, e, por consequência, também a namorada. Os primeiros contatos entre George e Lisa são fracassos abissais, memoráveis. George fica fascinado por ela, mas Lisa o considera um completo idiota, um sujeito inteiramente desajeitado. Paralelamente, o que era para ser um encontro com trepadas ocasionais entre a desportista amadora agora sem time e o desportista profissional bilionário começa a ficar mais sério. Brooks sabe jogar muito bem com essas imagens arquetipais do atleta tosco, machista, que até se esforça para ser menos tosco e machista, e do homem desajeitado, à primeira vista desagradável, mas que tem coração enorme e sabe ouvir as mulheres. Como Você Sabe tem ótimas piadas, situações engraçadas, diálogos afiados, faz uma gostosa referência a Kramer x Kramer, e há boas interpretações, especialmente de Reese Witherspoon e Paul Rudd. Não é dos melhores filmes de James L. Brooks, mas tem mais qualidades que muita comedinha romântica que Hollywood produz. Já da Reese… ela é que dá razão à este filme (ao menos para mim). Dois ótimos desempenhos dela que me vêm logo à mente são “Johnny e June” e “Feira das Vaidades” . Vale lembrar que o filme que colocaste hoje no “50 anos”, tu fazes uma referência à ele, neste aqui. |
É um grande filme, este O Vôo/Flight, que Robert Zemeckis lançou em 2012, com Denzel Washington no papel central. E é uma cara, requintada produção do cinemão comercial que rompe algumas regras, algumas convenções. Ao contrário do que ditam as normas, segundo as quais o clímax, o auge, a grande explosão vêm ao final da narrativa, aqui vêm logo no início, nos primeiros 30 minutos, mais ou menos, dos fascinantes 138 de duração do filme. O Vôo abre como um filme de ação, como um filme catástrofe – dos mais maravilhosamente realizados, artesanalmente impressionantes. Esses cerca de 30 minutos iniciais são de prender o fôlego do espectador, de assustar, de eletrizar. (Não tenho idéia do que seja isso, mas dizem que é um horror.) Em seguida, nos 100 minutos restantes, o que era filme de ação, filme catástrofe, vira um sério, denso, pesado drama psicológico. É preciso advertir: quem não viu ainda o filme não deveria continuar lendo Ando cada vez mais avesso a spoilers, a revelar o que acontece nas tramas dos filmes a partir aí dos primeiros 15, 20 minutos. Outro dia mesmo, ao escrever sobre A Garota do Parque, um envolvente drama familiar, Mary me chamou à atenção, dizendo que revelar o que acontece após os oito minutos iniciais do filme seria spoiler. No caso de O Vôo, é muito difícil falar qualquer coisa do filme sem revelar o que acontece nessa primeira meia hora de narrativa. Por isso, vai aqui o aviso: se o eventual leitor ainda não viu o filme, e não leu nenhuma sinopse, o melhor é parar por aqui. Se gostar de cinema, que procure ver Flight, belo filme, duas indicações ao Oscar (ator para Denzel Washington, roteiro original para John Gatins), 11 prêmios e outras 31 indicações (inclusive o Globo de Ouro e o prêmio do SGA, o sindicato de atores, para Denzel). É um vôo entre Orlando, na Flórida, e Atlanta, a capital da vizinha Georgia. Não é um vôo longo, de forma alguma; coisa de 1h20 minutos, algo como uma viagem entre São Paulo e Florianópolis. Era o vôo das 9 horas da manhã, e era uma manhã de muita chuva na Flórida, região volta e meia açoitada por tempestades, tornados, furacões. O avião ainda estava no início da subida para a altitude normal de cruzeiro quando enfrentou uma turbulência brava, bravíssima, apavorante. O comandante Whip Whitaker (o papel de Denzel Washington, esse Deus Apolo, esse ator mais ícone a cada filme que faz) localiza num dos instrumentos do grande jato uma zona acima da região da turbulência, e leva a aeronave para lá. Conhece muito bem pelo menos duas das comissárias de bordo, Katerine Marquez, a Trina (Nadine Velazquez), e Margaret Thomason (o papel de Tamara Tunie, a bela atriz que interpreta a legista Melinda Warner na série Law & Order: Mas é a primeira vez que voa com o co-piloto Ken Evans (Brian Geraghty), rapaz bem mais jovem que ele. Depois de deixar a zona de turbulência, o comandante Whip deixa o avião nas mãos do co-piloto Ken, e vai até o lado de fora da cabine, para dirigir algumas palavras aos passageiros, dizer a eles que dentro de tantos minutos estarão chegando a Atlanta. Aproveita para fazer uma piada sobre a rivalidade entre os times de futebol americano de Flórida e Georgia. Os comandantes da aviação comercial são dados a falar gracinhas para os passageiros. Fica bastante claro para o espectador que não houve barbeiragem alguma do co-piloto, que naquele momento tinha o controle do jato. Passa a dar ordens – seguras, firmes – tanto para o co-piloto quanto para a comissária Margaret, que ele chama para ajudá-los. Fica claro, fica óbvio para o espectador que o comandante sabe o que está fazendo. Que está tentando domar a fera que teve alguma pane grave. O comandante Whip parece um experimentado cowboy tentando parar um estouro de boiada. Usando só os controles manuais, dando ordens ao co-piloto e à comissária, ele gira o grande jato para que ele fique de cabeça para baixo. De ponta cabeça, como dizem os paulistas em sua sintaxe estranha. Sim, como o transatlântico Poseidon, do filme catástrofe O Destino do Poseidon de 1972, refeito em 2006 como Poseidon. De cabeça para baixo, o comandante Whip consegue fazer com que o jato interrompa sua queda e se estabilize na horizontal, até que passa as áreas densamente habitadas de Atlanta e, na área rural, se possa ver um campo. Aí ele revira o jato para a posição normal – e o aparelho cai de uma altura não muito elevada. A câmara passa a ser os olhos de Whip, e por alguns instantes o espectador não vê nada muito distintamente. Algum tempo depois que o comandante Whip recobra a consciência, no hospital, ele recebe a notícia: das 106 pessoas a bordo, morreram seis – quatro passageiros e dois membros da tripulação; 96 sobreviveram, uns 30 e tantos com ferimentos. O comandante fez o melhor possível, fez milagre – mas estava bêbado e chapado O autor da trama e do roteiro do filme poderia ter contado a história assim como fiz nos parágrafos acima. Poderia, se quisesse, ter guardado algumas informações para dar depois que o grande acidente já havia acontecido. Mas não: ele preferiu – ainda bem – revelar desde bem o início informações que ainda não dei. Ao sentar-se na cabine de comando, Whip Whitaker estava um tanto bêbado de álcool e um tanto doidão de maconha e cocaína. Como tantos filmes do cinemão comercial das últimas décadas (e até mesmo de filmes independentes e autorais), O Vôo não tem créditos iniciais. Assim, Mary e eu vimos o filme sem saber quem era o diretor, cujo nome só aparece nos créditos finais. Abre num hotel, em que Whip e a comissária Trina passaram a noite se entupindo de drogas – a permitida, o álcool, e as proibidas, maconha e cocaína – e também de sexo, que ninguém é de ferro. Às 7 e pouquinho da manhã, Whip teve que atender, no celular, a uma ligação da ex-mulher, Deane (Garcelle Beauvais). A ex-mulher, é claro, pedia dinheiro – verdade que para a educação do único filho do casal, Will Junior (Justin Martin). Whip não comeu um bom café da manhã – tomou um trago de um resto de cerveja quente, deu um tapinha no baseado de Trina e mandou ver uma carreirinha de coca. Naquele momento em que foi falar com os passageiros, passada a zona de turbulência, aproveitou para surrupiar duas garrafinhas de vodca do estoque do avião e jogá-las num copo de suco de laranja, e dali para o estômago vazio. Para tornar mais tensos ainda os minutos iniciais, há uma jovem enfiando droga na veia Ao longo dos apavorantes, eletrizantes 30 primeiros minutos de narrativa, portanto, o espectador está plenamente consciente de que o cara está chapado. Ao mesmo tempo, é óbvio que o comandante Whip fez tudo o possível e o impossível e conseguiu, no braço, no muque, no traquejo, na experiência, na competência, impedir a morte de 96 pessoas. Como se fosse pouco ver sequências bem realizadíssimas, de um realismo cru, em que um avião enfrenta duríssima turbulência, e depois, por um problema mecânico, vai perdendo altitude, perdendo altitude, até cair no chão – e tendo no comando um piloto chapado –, o autor da história e do roteiro John Gatins ainda botou, nessa primeira meia hora de filme, cenas apavorantes de uma viciada em drogas pesadas. Entre uma seqüência e outra do avião que está para cair, vemos uma jovem e bela mulher, Nicole (o papel da inglesa Kelly Reilly), procurando desesperadamente uma dose de heroína com um amigo, envolvido na produção de filmes pornô em Atlanta. Nicole diz a ele com todas as letras que está profundamente necessitada de ficar doidona. O amigo fornece um pacotinho, mas insiste: aquela droga é forte demais. Nicole não poderá, de forma alguma, metê-la nos canos; é para aspirar, o que já terá um efeito violentíssimo. Nicole vai para o pequeno apartamento do qual ela não paga aluguel faz um ou dois meses. Primeiro tem uma discussão com o zelador, que exige o pagamento dos aluguéis atrasados ou em dinheiro ou em serviços sexuais. Nicole consegue expulsar o cara do apartamento – e injeta a droga violenta na veia. Quando o avião, de cabeça para baixo, está passando sobre Atlanta, rumo a uma área desabitada em que o comandante Whip possa tentar fazer um pouso forçado, vemos uma rápida tomada em que paramédicos estão levando Nicole numa maca para uma ambulância. Nessa altura, o espectador ainda não sabe se a overdose de Nicole foi fatal ou não. Como acontece com milhões de drogados, Whip percebe que manter a sobriedade é duríssimo Chega a ser nauseante, vomitativa, a quantidade de droga nesse início de filme. Cazuza, que gostava das drogas, as lícitas e as não, dizia que é bom “algum veneno contra a monotonia”. Mas, meu Deus do céu e também da terra – poderá pensar o espectador de O Vôo neste início de narrativa -, precisa ser tanta droga, e droga tão pesada? Não entendo coisa alguma das drogas ilícitas, assim, por conhecimento próprio, mas dá para saber, é claro, que sair da dependência é uma das coisas mais difíceis que há. Sei bastante sobre o álcool, e sei bem que sair da dependência do álcool é um desafio dificílimo. É preciso doses maciças, mastodônticas de força de vontade, determinação, culhão – e em geral nem mesmo elas são o suficiente. Quando sai do hospital – depois de, na escadaria, onde foi fumar um cigarro desses que ainda são vendidos legalmente, ter conhecido Nicole, a drogada que havia sobrevivido à overdose –, Whip foge do assédio dos repórteres que estão de tocaia diante de sua casa e se refugia na fazenda que havia sido de seu avô e seu pai. Joga fora toda a imensa quantidade de bebida que há lá. Já havia recusado a provisão de vodca que havia sido levada para o hospital por seu grande amigo e fornecedor de todos os tipos de drogas, Harling Mays, um tipo que seria terrivelmente engraçado se não fosse trágico (uma interpretação notável do gordão John Goodman). Mas logo em seguida, ao ser apresentado por outro velho conhecido, membro do sindicato dos pilotos, Charlie (Bruce Greenwood), a um advogado de renome trazido de Chicago para defendê-lo, chamado Hugh Lang (o papel de Don Cheadle), cai a ficha: a imprensa toda o trata como herói, 96 pessoas sobreviveram por causa da sua competência, mas seis pessoas morreram, haverá processos por indenização na Justiça, haverá severa, cuidadosa investigação pela agência que regula a aviação comercial. Como acontece na vida de tantos milhões e milhões de drogados, também para Whip a determinação de permanecer sóbrio dura bem pouco. Além de ter tido aquele bom número de prêmios e indicações citados lá em cima, O Vôo parece ter tido razoável sucesso de público. Feito com um orçamento estimado em US$ 31 milhões, faturou três vezes isso, US$ 93 milhões, só nos Estados Unidos, e mais US$ 68 milhões fora. Eis aí algumas informações sobre o filme e sua produção, muitas delas tirada do IMDb: * O autor e roteirista John Gatins usou alguns elementos de um acidente real, acontecido com um avião da empresa Alaska Airlines em 2000. Aquele avião teve um problema gravíssimo com o estabilizador horizontal, que o fez perder altitude com o nariz para baixo a uma velocidade de 13.300 pés por minuto. Na tentativa de estabilizar o aparelho, os pilotos chegaram a colocá-lo na posição invertida, de cabeça para baixo. Apesar de todo o esforço dos pilotos, no entanto, ao contrário do que acontece no filme, não houve sobreviventes. Ele ganhou o prêmio de coadjuvante por Tempo de Glória (1989) e o de melhor ator por Dia de Treinamento (2001). As outras indicações foram por Um Grito de Liberdade (1987), Malcom X (1992) e The Hurricane (1999). * Foi o segundo filme dirigido por Robert Zemeckis que mostra um acidente aéreo, depois de Náufrago (2000), aquele em o personagem interpretado por Tom Hanks se salva quando o avião em que viajava cai no mar, e sobrevive durante longos meses em uma ilhota perdida no meio do Pacífico, como uma espécie de Robinson Crusoe moderno. * Foi também o segundo filme dirigido por Zemeckis que mereceu a classificação R, de “restricted”, algo semelhante ao nosso proibido para menores de 16 anos – por causa do uso de drogas e cenas de sexo. Anteriormente, apenas seu filme de 1980, Carros Usados, tinha tido essa classificação rigorosa. Zemeckis fez vários filmes para toda a família, ou que agradam às plateias juvenis, como a trilogia De Volta para o Futuro, Uma Cilada para Roger Rabbit, O Expresso Polar, A Lenda de Beowulf. * Numa entrevista, os produtores Steve Starkey e Jack Rapke explicaram que o jato mostrado no filme não é idêntico a qualquer tipo de aeronave comercial existente – usa elementos de diversos tipos de avião. Na entrevista, eles também fizeram questão de afirmar que não houve acordo comercial algum com qualquer um dos fabricantes das diversas marcas de bebidas mostradas no filme. * É forte e impressionante o uso da canção “Sympathy for the Devil”, de Mick Jagger-Keith Richards, na trilha sonora. A música toca alto quando vemos pela primeira vez o personagem interpretado por John Goodman, o doidão que fornece todo tipo de droga ao amigo Whip Whitaker. O traficante Harling Mays está chegando ao hospital para visitar Whip, logo após o acidente, levando com ele um monte de revistas de sacanagem, um pacote de cigarros (esses da indústria) e uma grande quantidade de vodca (que Whip recusará) – e está ouvindo Stones em altíssimo volume. Por coincidência, ou não, “Sympathy for the Devil também apareceu em outro filme com John Goodman e Denzel Washington, Os Possuídos (1998). * O uso de canções como música incidental no filme é excelente. Há um momento em que Nicole joga sua bolsa numa mesa, e vemos material usado por drogados. Nesse momento, toca a música “Under the Bridge”, do Red Hot Chili Peppers, que tem a ver com uma experiência do vocalista do grupo injetando heroína na veia sob uma ponte no centro de Los Angeles. * Na primeira seqüência em que aparece a personagem Nicole, num estúdio de filmes pornô, alguém diz a ela que deveria fazer o papel de Desdêmona numa versão sacana de Othelo. A atriz que faz Nicole, a inglesa Kelly Reilly, já interpretou Desdêmona no West End de Londres, ao lado de Chiwetel Ejiofor no papel de Othello e Ewan McGregor no de Iago. * Já tinha havido um filme em que o piloto bebe demais e comanda um avião numa ressaca infernal, e, além disso, ainda põe o avião de cabeça para baixo. Chama-se Na Rota do Oriente (1093), e o piloto era interpretado por Tom Selleck. O respeitabilíssimo site AllMovie deu apenas 3 estrelas em 5 ao filme. Em sua crítica, Perry Seibert escreve que a sequência inicial, a que mostra o trágico vôo, é uma peça inigualável de cinema, uma evocação implacável e perturbadora de uma experiência de se chegar bem perto da morte. “Infelizmente, o resto de Flight é um drama antiquado sobre o vício.” Não acho absolutamente antiquado fazer dramas sérios sobre alcoolismo e dependência de drogas. Cada um tem o direito de ter sua opinião, é claro. A minha é de que O Vôo é um grande filme. Concordo que é um grande filme, e que quanto mais filmes sobre dependência de álcool/ drogas melhor. Uma amiga falou dele para mim, e eu resolvi ver (queria saber se daria pra indicá-lo a uma prima, cujo marido é alcoólatra) achando que seria chato, pois geralmente é o que ocorre com filmes sobre esses temas, mas acabei gostando. Tem as partes mais arrastadas, outras pesadas (quem é que gosta de ver os outros se drogando?) mas o filme é mesmo bom. Eu não tenho paciência com viciados de maneira geral, para colocar de forma leve, não sinto empatia. E o que vejo geralmente em filmes assim é uma certa condescendência dos familiares, o que não ocorre aqui, e eu achei ótimo. Em certos momentos dá uma certa pena do Whip, afinal, ele é um excelente profissional e não é má pessoa; e como lá as leis funcionam, enquanto assiste a gente vê que o futuro pode não ser muito bom pra ele, mas ao mesmo tempo as consequências não deixam de ser por causa de suas ações. Sobre a parte do filme que é pura adrenalina, pelo que andei lendo não é possível que um avião daquele tipo voe de dorso por mais que alguns segundos, por causa do combustível (de todo modo, aquela sequência é tipo UAU). E algumas manobras que o Whip e o co-piloto fazem parece que também não são possíveis naquela situação, mas é tudo eletrizante mesmo assim. No mais, Denzel está maravilhoso, como sempre, esplêndido em seus 58 anos. Eu dava no máximo 50 pra ele, e quase caí da cadeira quando vi que ele está com quase 60 (adorei o “deus Apolo” – ele é um deus Apolo e muito mais). É um filme que recomendo, e sobre o tema acho que foi um dos melhores que já vi, mesmo com as partes puxadas (mas como fazer um filme sobre vício em alcoolismo/drogas sem mostrar um pouco como é que funciona? Expressei mal meu comentário anterior quando disse que o Whip era um excelente profissional. Eu quis dizer que ele era excelente naquilo que fazia: pilotar aviões. Mas encher a cara de bebida e drogas e ir trabalhar colocando as vidas dos outros em risco não faz de ninguém um bom profissional, pelo contrário. Eu não lembro se ele fazia isso sempre, já faz um tempo que assisti, mas provavelmente sim. Lembro que uma das comissárias amiga dele, na hora em que a coisa começou a ficar feia, disse algo como “eu te avisei”, no sentido de “eu disse pra você parar”, assim como a ex também deve ter falado até cansar, não aguentar mais e se separar. Gostei principalmente da primeira parte que está de facto electrizante; a continuação embora com qualidade perde um tanto em comparação. Gostei de voltar a ver o Denzel Washington numa boa interpretação depois de ter andado perdido em filmes de baixa qualidade. Forrest visita a Casa Branca em três oportunidades, e aí o diretor Robert Zemeckis – que domina como poucos os milagres dos efeitos especiais, da tecnologia, e já havia feito […] […] nasceu e o dia em que você descobriu por quê”. O protagonista, interpretado pelo monumento Denzel Washington, é um leitor voraz de boa literatura. Aí, aos 30 minutos, o diretor Antoine Fuqua grita Shazam e […] |
Um filme que trata de um dos mais graves problemas do mundo – o conflito entre israelenses e árabes – com graça, com um suave humor, e um grande, incontido humanismo, um imenso respeito e afeto pelas pessoas comuns. E que, não contente em falar desse conflito, aborda ainda alguns temas eternos e básicos – solidão, família, dificuldade de comunicação, a desesperada necessidade de comunicar – de uma forma emocionante, tocante, ao mesmo tempo profunda e simples. A trama é simples como a conta de 1 + 1, que às vezes dá briga, às vezes dá guerra, às vezes dá o infinito (como em Lennon-McCartney ou Tom-Vinicius ou George-Ira Gershwin), e às vezes até dá 2. Um grupo de oito policiais músicos egípcios é convidado para fazer uma apresentação em um centro cultural árabe em uma pequena cidade perto do deserto de Neguev, no Sul de Israel. É a Orquestra Cerimonial de Alexandria, e o uniforme de seus membros é tão emproado e imaculado quanto o nome da banda. Ao chegar ao aeroporto israelense, eles descobrem que não há ninguém da embaixada egípcia, ou do centro cultural, esperando por eles para levá-los até o local da apresentação. Estão perdidos, sozinhos, em terra estranha – estranha e inimiga histórica. A única forma de comunicação haverá de ser numa terceira língua, o inglês. Pegam um ônibus, e são deixados numa estrada à beira de um vilarejo mínimo, minúsculo. Depois de alguma hesitação, caminham até um pequeno restaurante, na verdade uma pequena lanchonete, onde perguntam pelo centro cultural árabe. A essa altura – estamos aí com uns dez minutos de filme -, o diretor Eran Kolirin já nos mostrou um pouco sobre aquele grupo de policiais músicos. O líder, o regente, é o tenente-coronel Tawifiq Zacharia (Sasson Gabai), um homem sério, sisudo, rígido; a admitir que está em apuros e precisa pedir ajuda externa, prefere fingir que a situação está sob controle e que eles conseguirão vencer os obstáculos. Lida com seus subalternos à maneira da caserna: dá ordens a seu imediato, para que ele as retransmita à tropa – mesmo sendo a tropa pequena e composta de músicos, não propriamente de soldados na frente de batalha. Seu imediato é Simon (Khalifa Natour), sujeito paciente, controlado, que até se sai bem no papel de amortecedor entre as tensões entre a chefia e os chefiados. O terceiro elemento mais importante daquele pelotão musical egípcio perdido no meio do deserto israelense é Khaled (Saleh Bakri), rapaz jovem, pouco afeito aos axiomas da farda, questionador das decisões do comandante. Então, com dez, 15 minutos de filme, no máximo, estamos com o pelotão de oito egípcios em fardas imaculadas diante do pequeno restaurante, na verdade uma pequena lanchonete de um pequeno vilarejo perdido no meio do deserto. O tenente-coronel Tawifiq atravessa a rua e aproxima-se de dois civis sentados diante da lanchonete. Civil 1, de camisa vermelha (em hebraico, para dentro da lanchonete): – Dina, venha aqui. Dina pergunta quem os convidou, Tawifiq diz que foi o departamento cultural de Bitah Tikva, Dina e o civil perguntam se é Pitah Tikva. A Orquestra Cerimonial de Alexandria está longe, muito longe de onde deveria estar – e não há ônibus saindo daquele lugar em que estão neste dia; eles terão que passar a noite ali. O que vai se seguir é uma pequena grande lição de como fazer cinema sério, maduro, adulto, que diz coisas, que provoca emoção no espectador, que investiga um microcosmo como exemplo do macro, do painel gigantesco – sem ser nem por um momento chato, sisudo, professoral, pretensioso, e sem se meter a criativóis, invencionices, maneirismos agrada-críticos. O encontro-desencontro entre o egípcio Tawifiq e a israelense Dani é mostrado com uma elegância e uma competência raras; não é muito o que é dito, o que não é dito é uma imensidão, e tudo passa com muita força para o espectador. Aliás, o filme é extraordinário no tanto que os personagens não dizem, apenas mostram. Mary reparou como o diretor soube usar com maestria o silêncio, os momentos de silêncio. O pequeno discurso de Dani sobre os tempos em que ela era jovem e via com a mãe filmes egípcios – “nós todas amávamos Omar Sharif” – é de chorar. As pessoas – o filme mostra esta grande verdade de uma forma magnífica, emocionante, tocante -, as pessoas comuns são muito maiores, mais sábias, melhores do que seus Estados, seus governos, as ideologias de seus países. Além do cinema, o que servirá para promover um pouco de encontro, um pouco de comunicação entre aqueles grupos tão absolutamente díspares, os policiais egípcios e os civis israelenses, será outra forma de arte, a mais universal delas, a música. Khaled, fã de Chet Baker (e a israelense Dani nunca ouviu falar dele), o violinista da banda, e um violonista não mais que sofrível, se demonstrará bom no sax. E com isso, com seu amor por Chet Baker e seu até então desconhecido talento para tocar o sax, ele vai diminuir as distâncias que o separam de seu comandante e band leader. Tanto o egípcio Sasson Gabai, que faz o tenente-coronel, quanto a israelense Ronit Elkabetz, nos papéis principais, são extraordinários atores, dão um show de interpretação – contida, suave, profunda, sem explosão. Ronit Elkabetz, essa atriz de presença forte, é também autora de roteiros e já dirigiu filmes. Eu disse lá em cima que ela é uma mulher bonita, grande, figura forte, cabelos negros longos. Ela de fato é uma mulher bonita, uma figura forte, uma presença extraordinária na tela – uma força assim à la Anna Magnani. Não é uma beleza Barbie, hollywoodyana, bollywoodyana, cinematográfica, global, padrão clássico. Não, é muito mais que isso; é uma daquelas belezas fortes de gente normal, gente como a gente, não manequim, modelo – gente de carne e osso, belíssima carne, belíssimos ossos. O diretor Eran Kolorin fez aqui seu primeiro longa-metragem, depois de ter escrito e dirigido episódios para TV. Este seu filme de estréia passou na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes de 2007; ganhou 38 prêmios em festivais mundo afora e teve outras nove indicações. Festivais mundo afora costumam premiar filminhos-cabeça, filminhos feitos para impressionar os críticos – o contrário deste filme aqui. Vc já disse tudo, não há muito mais o que dizer. A atriz é mesmo muito bonita, uma beleza natural, sem ser anoréxica ou sem estar penteadinha, como a beleza fabricada por Hollywood ou pela “Grobo”, como vc já disse. Desde a primeira vez que vi o personagem do coronel Tawifiq Zacharia , me deu vontade de chorar. Sei lá, ele tinha uma cara tão sofrida (ou eu estava muito sensível), e quase no final ficamos sabendo que ele carrega mesmo uma grande dor. Enfim, é um filme bonito mas ao mesmo tempo difícil, pq mostra os infortúnios ocultos, e acho que cada pessoa tem pelo menos um. Vc só esqueceu de dizer uma coisa: homem não gosta de perguntar endereço em nenhum lugar do mundo, rs. Uma curiosidade sobre o filme, pra quem não sabe: ele foi barrado na lista de filmes estrangeiros indicados ao Oscar, por ter muitas falas em inglês. Vai entender a Academia… Ah, e por falar nisso, até o inglês meio sofrível deles ficou interessante. Nunca tinha visto uma fita Israelita e, para estreia, fiquei impressionado. […] comentou que O Concerto a tinha feito se lembrar de outro filme extraordinário, outra obra-prima: A Banda, em que egípcios e israelenses, pessoas simples, gente comum, ficam se conhecendo através da […] |
Já vi muito filme na vida, mas acho que poucos começam com uma sequência tão violenta – e uma série de sequências tão francamente incomodativas, perturbadoras desagradáveis, repulsivas mesmo – quanto este Wild, que o diretor canadense Jean-Marc Vallée lançou em 2014. O espectador ouve os ruídos de uma respiração absolutamente descontrolada antes de ver qualquer pessoa na tela. É um resfolegar forte, alto, que até parece ser de uma mulher no auge do gozo. Não, não é: é de uma mulher que sente muita dor, uma dor física imensa. Estamos diante de uma paisagem belíssima, estrondosa, o alto de uma montanha magnífica, e então a câmara mostra a heroína, na figura de Reese Witherspoon. Está gemendo de imensa dor, porque tirou as botas e as unhas estão ensaguentadas. E então ela faz uma força imensa, e arranca a unha de um dos dedões dos pés, e dá um grito de dor imenso, gigantesco, incomensurável. Mas a violência da primeira seqüência de Wild não terminou ainda, não, senhor. O movimento que Cheryl, a personagem interpretada por Reese Witherspoon, faz para arrancar a unha é tão violento que a bota que ela havia retirado para examinar o estado lastimável de seus pés acaba caindo ribanceira abaixo. Uma ribanceira imensa, incomensurável como a dor de quem arranca a unha do seu próprio pé. Diante da tragédia, Cheryl pega o outro pé de sua bota, tornado agora absolutamente inútil, e o joga montanha abaixo, enquanto dá um berro furioso de fuuuuuuuuck! Cheryl está absolutamente sozinha numa montanha altíssima, longe de qualquer sinal de civilização, e terá a partir de agora que andar sem as botas. Por que, raios, eu, que absolutamente morro de medo de qualquer pequena dor, iria me expor a um filme que começa com uma pessoa arrancando a unha do dedão, e que vai ter que a partir daí caminhar sem botas para proteger os pés? Resolvi continuar vendo o filme – sem saber absolutamente nada sobre Jean-Marc Vallée, canadense do lado de fala francesa, o diretor – porque ele tem sido fartamente elogiado, e o desempenho de Reese Witherspoon tem recebido loas e mais loas. A atruz recebeu indicações para o Oscar, o Globo de Ouro, o Bafta e o prêmio do Screen Actors Guild, o sindicato dos atores, e mais diversas indicações em festivais ao redor do mundo – e de fato seu desempenho é extraordinário, magnífico. E o filme, de resto, é soberbamente bem realizado em todos os quesitos técnicos – fotografia, movimentos de câmara, trilha sonora, direção de arte, reconstituição de época – a ação se passa duas décadas atrás, em meados dos anos 1990. O roteiro (de Nick Hornby, o autor dos livros que deram origem a Alta Fidelidade, 2000, e Um Grande Garoto, 2002) usa e abusa, como tem sido cada vez mais comum, de idas e vindas no tempo, misturando o hoje, os dias em que Cheryl está caminhando, com acontecimentos do passado da moça. Eu, pessoalmente, achei que enfrentar aqueles 115 minutos de duração de Wild é uma experiência torturante, excruciante, pavorosa. Wild mostra uma bela loura se chicoteando ao longo de 115 minutos O filme se baseia numa história real, que foi contada num livro de memórias publicado por Cheryl Strayed em 2002, Wild: From Lost to Found on the Pacific Crest Trail – selvagem: de perdida a achada na Trilha Crista do Pacífico. O livro foi um fantástico sucesso; ficou durante sete semanas consecutivas como número 1 da celebrada lista de best-sellers do New York Times; três meses e pouco após ser lançado, foi escolhido para abrir a seleção do Clube do Livro de Oprah Winfrey 2.0. É um relato em primeira pessoa de como Cheryl, em 1995, aos 26 anos de idade, caminhou sozinha por 1.800 quilômetros na Pacific Crest Trail. 1.800 quilômetros é pouco menos que a distância, por estradas, entre São Paulo e Salvador. A Pacific Crest é uma trilha para andarilhos que atravessa os Estados Unidos de Sul a Norte – começa junto da fronteira do México, não muito longe de Tijuana, no México, e San Diego, na Califórnia, e vai até a fronteira com o Canadá, não muito distante de Vancouver. A trilha fica de 160 a 240 km da costa do Pacífico – e boa parte dela é no cume de largos trechos da Sierra Nevada e Cascade, embora haja também um trecho dentro do deserto de Mojave, perto da fronteira de Califórnia e Nevada. Ela alterna altitudes desde praticamente 0, ou seja, o nível do mar, até 4 mil metros, no topo da Sierra Nevada. O filme mostra que Cheryl não era uma montanhista e/ou andarilha experimentada, tarimbada, treinada. Era uma danada de uma amadora: pelo jeito, nunca tinha sequer armado uma barraca na vida. Não compra o gás correto, e então passa os primeiros dias sem poder usar o fogareiro – só para dar um pequeno exemplo. E até mesmo usava botas mais apertadas do que seria o recomendável! Para os montanhistas e andarilhos experimentados, tarimbados, treinados e bem equipados, fazer essa trilha deve ser uma experiência gloriosa, extasiante, nirvânica, celestial: a paisagem é estrondosamente maravilhosa. A questão é que Cheryl não está fazendo a trilha para aproveitar a vista, a beleza: está se submetendo a uma provação para pagar pecados, para expiar culpas, para se livrar do peso dos erros que vinha acumulando nos últimos meses, depois que sua mãe, Bobi, uma mulher forte, alegre, cheia de vontade de viver (bem interpretada por Laura Dern, na foto abaixo), havia morrido de câncer. Após a morte de Bobi, Cheryl abandonou o marido, Paul (Thomas Sadoski), o estudo, o emprego, tudo, para se afundar na heroína e numa trepação sem fim, com o primeiro que aparecesse – e apareceram dezenas. Até que então um dia resolveu parar com aquela dissipação autodestrutiva e, para pagar os pecados, para expiar as culpas, para se livrar do peso dos erros, submete-se à tarefa dura, duríssima, de enfrentar a trilha por montanhas e desertos, do cume gelado ao calor sufocante. Wild é um filme que mostra uma bela loura se chicoteando ao longo de 115 minutos. Quem não está a fim pagar pelos pecados, o que é que tem a ver com todo aquele sofrimento? Mas é uma história real, e, afinal de contas, uma história de superação. Cheryl, que, ao se divorciar de Paul, passou a adotar oficialmente como sobrenome o adjetivo strayed – perdido, desgarrado, extraviado – ao fim e ao cabo deu a volta por cima, tornou-se famosa e respeitada entre os trilheiros americanos e, ao contar sua experiência de se chicotear, vendeu muitos livros, deve ter juntado um monte de dinheiro. O Box Office Mojo não tem o valor do custo do filme, mas mostra que ele rendeu US$ 52 milhões (US$ 37,8 no mercado interno, US$ 14,6 mundo afora). Não é um blockbuster, mas é um belo resultado para um drama sobre seres humanos. Nascido em Montreal, em 1963, tem 13 títulos na filmografia como diretor, entre eles o recente e muito badalado Clube de Compras Dallas (2013), o bom A Jovem Rainha Victória (2009) e C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor (2005). Pelo que vi dele, A Jovem Rainha Victória e este Wild aqui, é competente, seguro, domina o ofício. A Cheryl real aparece em uma tomada, e sua filha faz o papel dela criança A indicação de Reese Witherspoon ao Oscar foi sua segunda, e de novo por interpretar uma personagem real: ela havia sido indicada antes pelo papel de June Carter, a cantora da sagrada família do country que se casou com Johnny Cash, em Johnny & June/Walk the Line (2005). Laura Dern, que faz, como já foi dito, a mãe da protagonista Cheryl, foi indicado ao prêmio de melhor atriz coadjuvante. Nenhuma das duas levou – mas suas interpretações são de fato extraordinárias. Na vida real, Laura Dern é apenas nove anos mais velha que Reese Witherspoon: a primeira nasceu em 1967, e a segunda, em 1976. O IMDb aponta, em sua página de Trivia – informações, histórias sobre a produção –, que a verdadeira Cheryl Strayed tinha 26 anos quando começou a fazer a trilha Pacific Crest; Reese Witherspon estava bem mais velha, tinha 38 quando o filme foi feito. Não que isso seja um defeito, ou chegue a comprometer: a atriz parece ter uns 30 anos. E Reese Witherspoon tem tudo a ver com o filme, com o papel. A própria autora mandou os originais para a atriz, antes mesmo da publicação do livro, porque achava que ela seria perfeita para interpretar o papel. Reese e seu agente não são bobos nem nada, e imediatamente compraram os direitos de filmagem do livro – antes que ele virasse o estrondoso sucesso que virou. Cheryl Strayed aparece rapidissimamente no filme, embora nem dê para ver seu rosto direito. Ela faz a motorista que dá uma carona a Cheryl–Reese bem no inicinho da narrativa, e a deixa no motel em que ela passa uma noite antes de ir para o início da trilha, no extremo Sul da Califórnia, junto da fronteira com o México. Nas sequências de flashback, em que a protatonista se lembra de acontecimentos da sua infância, quem faz papel dela criancinha é a filha de Cheryl na vida real, Bobbi Strayed Lindstrom. Sim: ao final de sua aventura pelos 1.800 quilômetros da Pacific Crest Trail, Cheryl Strayed deixou de ser strayed, perdida, desgarrada, extraviada. Em 1999, casou-se com o diretor de cinema Brian Lindstrom; vivem em Portland, Oregon, não muito longe do final da trilha, e têm dois filhos. Além de seu livro autobiográfico que deu origem ao filme, Cheryl Strayed publicou outros dois, Torch e Tiny Beautiful Things: Agora, por que raios os exibidores brasileiros mudaram o título do filme de Wild – selvagem – para Livre, ah, isso aí nem Freud seria capaz de explicar. |
Sempre tive uma paciência de Jó, um estômago forte para agüentar abacaxis. Com a existência, nos últimos anos, deste site, passei a abandonar pela metade ainda menos filmes do que antes. Mas é pragmático: se vejo até o fim, posso fazer mais um post, e manter o compromisso (insano, eu sei) que assumi comigo mesmo de botar um post novo a cada dia. É uma relação pequena, mas bem eclética, com filmes de diferentes estilos, vindos de diferentes países. Alguns têm qualidades, são admirados por muita gente – mas não me bateram, só isso. Tudo Isto é Fado, co-produção Portugal-Brasil, começa com samba, e com belas imagens do Rio de Janeiro. Os protagonistas são dois rapazes, amigos, um português trambiqueiro e um brasileiro dono de uma loja de aluguel de DVDs e venda de livros. Parece que eles vão depois de algum tempo parar em Portugal, onde conhecem uma garota e se apaixonam os dois por ela e partem os três para um grande golpe. Os atores são tão ruins, mas tão ruins, mas tão ruins, de dar vergonha na gente, de deixar o espectador embaraçado, sem jeito, que tiramos o filme com uns dez, 15 minutos. Uma pena danada, porque o diretor Luís Galvão Teles havia me deixado uma impressão muito boa quando vi Mulheres – Amizades Simples, Vidas Complicadas/Elles, que ele dirigiu em 1997. Elles tem um elenco ótimo – Miou-Miou, Carmen Maura, Marthe Keller, Marisa Berenson, Joaquim de Almeida. Já este aqui tem Deborah Secco; ela aparece numa seqüência bem no começo do filme; encontra-se com o rapaz dono da locadora, em uma confeitaria linda do Rio – será a Colombo? Mas quem disse que um rosto bonito e um corpão dispensam saber atuar? Parece que a intenção deste filme é nobre: denunciar, criticar essa coisa da sociedade moderna de transformar a violência em show, a indústria do infotainment da televisão – os programas que misturam informação e entretenimento para mentes pobres e/ou doentias. A questão é aquela antiga: ao tentar criticar uma realidade, ele acaba fazendo exatamente como aquilo que pretende criticar – o filme se diverte com a violência, brinca com ela. A ação começa com dois sujeitos chegando a Nova York, um russo e um tcheco. O tcheco é o líder, o russo é um gozador, tira fotos de tudo; ao funcionário da alfândega que pergunta o propósito de sua viagem, faz um discurso gozativo sobre a América, terra dos bravos e da liberdade. Os dois vão à casa de um outro russo, ou tcheco, que evidentemente participou de um assalto com eles, acabou ficando com todo o dinheiro e fugiu para os Estados Unidos, enquanto os dois foram presos. Quando o tcheco ouve o antigo comparsa dizer que gastou o dinheiro, mata-o a golpes de faca, e mata também a mulher dele, enquanto o russo filma tudo com uma câmara que tinha acabado de roubar de uma loja. Entre uma seqüência e outra sobre essa dupla, vemos uma discussão em um canal de TV sobre violência e ibope. Uma executiva do canal quer suavizar um programa tipo Datena; o Datena deles insiste em que o povo quer ver é violência. E rapidinho vemos que ele tem um contrato com um policial – interpretado por um Robert De Niro careteiro e preguiçoso – que se deixa filmar durante suas ações. Aí aparece Edward Burns, esse bom diretor e ator que precisava de dinheiro, como todo mundo, e se sujeitou a trabalhar nesta josta. Ele anda no Central Park, é interceptado por um rapaz que quer assaltá-lo; avisa que é fria, o rapaz insiste, ele dá umas porradas no pivete e o algema em uma árvore e continua indo para onde está indo; é um investigador dos bombeiros, e vai examinar o que sabemos que é o prédio onde moravam o russo e sua mulher, assassinados pelo tcheco invocado, que em seguida ateou fogo no imóvel. Eram uns 15 minutos do filme que pretensamente quer denunciar a busca frenética, louca pelos 15 minutos de fama que une policiais e gente dos meios de comunicação. Deu pra mim – tive a sanidade de apertar a tecla stop. “Livremente inspirado” no livro La Princesse de Clèves, de Madame de Lafayette A bela Junie (Léa Seydoux), uma garota de uns 16 anos que perdeu a mãe, chega a um novo colégio. Passeia pelos corredores e salas com seu rosto belo e triste e vira a cabeça de professores e alunos. As seqüências dentro e fora das salas de aulas são longas, entediantes, chatas, chatas – e apertamos a santa tecla de Stop com uns 15 minutos de chatice. A capinha do DVD diz que Christophe Honoré é “um dos mais talentosos e intrigantes autores da nova geração do cinema francês” e que Anne Seydoux “tem algo de uma jovem Anna Karina, que foi uma das musas de Godard (e da nouvelle vague)”. Quando eu tinha 15 anos, adorava Godard e achava Anna Karina o máximo. Sim, é uma raridade no cinema brasileiro dos últimos anos, e também uma ousadia: um filme de época, que reconstitui a vida no Rio de Janeiro de 1899. São basicamente duas histórias paralelas: a de Oswaldo Cruz (Bruno Giordano), voltando ao Brasil depois de três anos de estudos no Instituto Pasteur, em Paris, e chegando a um Rio abandonado, sem as mínimas condições de higiene, assolado por epidemias, e a de Esther (Carolina Kasting), uma jovem judia polonesa atraída para uma terra distante pela promessa de um casamento, e que, ao chegar, descobre que está presa a um esquema de tráfico de escravas brancas e obrigada a trabalhar num bordel. Oswaldo Cruz e Esther chegam no mesmo navio, no início da ação – e a partir daí o filme vai mostrando, paralelamente, suas histórias. Me esforcei para ver, mas não consegui passar de uns 20 minutos. Apesar das boas intenções, da coragem de fazer um filme de época, de até conseguir bons resultados com o figurino e a direção de arte, infelizmente tudo me pareceu muito, mas muito ruim, com atuações horrorosas dos atores principais, situações de dar vergonha no espectador, em especial nas cenas no bordel. Foi o primeiro filme do diretor André Sturm, que fundou a produtora e distribuidora Pandora Filmes. Foi também a estréia no cinema da atriz catarinense Carolina Kasting, que fez vários trabalhos na TV (Hilda Furacão, Cabocla). Tenho o estômago forte – ou, no mínimo, não tão fraco quanto muita gente. No entanto, não fui longe neste filme espanhol que, parece, tem sido muito bem falado. Vi uns 20 minutos de filme, e aí não agüentei mais. A idéia inicial é de fato excelente – o novo cinema espanhol é rico em idéias inteligentes, grandes sacadas. Uma jovem repórter de TV, Angela Vidal, interpretada por Manuela Velasco, bonita e ótima atriz, que trabalha para um programa chamado “Enquanto Você Dorme”, está fazendo uma reportagem sobre uma noite na vida de uma equipe de bombeiros. Vai a um quartel dos bombeiros, com seu cinegrafista, Pablo, e começa a fazer entrevistas lá. No meio da noite, surge um chamado: moradores de um prédio de apartamentos ouviram gritos pavorosos no apartamento de uma senhora; a porta estava trancada. Uma unidade da polícia já estava lá, mas os bombeiros vão também. A grande sacada é que o filme que estamos vendo é o que o cinegrafista Pablo está filmando. É como se a câmara dos cineastas Jayme Balagueró e Paco Plaza fosse exatamente a câmara do cinegrafista Pablo. E os movimentos da câmara são ótimos, os atores são bons, é tudo rápido, nervoso. Agüentei a primeira onda de violência – quando policiais e bombeiros entram no apartamento, a mulher morde o pescoço de um dos policiais, que vai perdendo sangue rapidamente, ali, diante do espectador. Mas, quando veio a segunda onda – um policial caindo de um andar para outro, abrindo um buraco no teto do térreo –, foi demais para mim. O filme é de fato bem feitíssimo, os caras têm talento. Que me lembre nunca consegui assistir a um filme Português, até ao fim. Aliás vi, ou tentei ver tão poucos… Talvez há muitos anos e não me lembre. Nem me lembro do nome do último que tentei ver, apenas me recordo que tinha um actor de que gostava muito e que já faleceu – Mário Viegas. Teve um programa na tv sobre poesia (ele dizia muito bem poesia) e no YouTube há algumas poesias retiradas desse programa. |
Este aqui é um daqueles filmes de aventura que o cinemão americano faz sempre – é tão imbecil, tão babaca, tão desprovido de qualquer lógica ou seriedade, tão inverossímil, que às vezes fica até engraçado. Para quem gosta de passatempo com belas paisagens, muitos tiros, tapas, explosões, é um prato cheio. A trama é intrincada, como se usa atualmente no cinemão de Hollywood, com um bando grande de personagens, e subtramas, e encontros, e surpresas nunca muito surpreendentes. Mas, basicamente, trata-se de um casal de aventureiros-mergulhadores-pesquisadores, um tanto à la Indiana Jones, que passaram anos à procura de um fantástico tesouro – o dote para a nova rainha da Espanha, em seu casamento com o então rei Felipe número não importa qual – que seria levado das Américas para a Espanha em galeões que naufragaram no Caribe em 1715. Quando a ação começa, o casal de mocinhos está separado; está, especificamente, para se divorciar, a pedido dela. Ele está enrolado em dívidas para com um cantor de rap bandidaço dono de uma ilha no Caribe, e tentando pelo bilionésimo mergulho encontrar traços do tal tesouro submergido. Ela está trabalhando como iatemoça no barco gigantesquérrimo de um bilionário, que, por uma dessas coincidências fantásticas, está naquele momento ali por perto daquela ilha específica do Caribe. O casal é interpretado pela dupla Matthew McConaughey-Kate Hudson, que havia tido um bom sucesso em 2003 com Como Perder um Homem em Dez Dias; a indústria sempre gostou de usar casais na tentativa de repetir sucessos. O casal em questão não chega, é claro, a não ser nenhum Spencer Tracy-Katharine Hepburn, mas por que não ser, assim, nesta primeira década do século, algo como Rock Hudson-Doris Day dos anos 60? McConaughey – que começou bem, fez bons papéis em Amistad e Contato, ambos de 1997, antes de virar arroz de festa em comedinhas românticas, é do tipo bonitão, e então os produtores tiveram o cuidado de botá-lo em cena a maior parte do tempo sem camisa, exibindo os brações malhados. Kate Hudson, a filha de Goldie Hawn, tem um daqueles rostos tão barbiemente perfeitos que parece criação de designer gráfico, e também tem feito comédias românticas às mancheias. Por que diabos será que os produtores não a mostram mais tempo sem tanta roupa? Houve aí um caso claro de privilegiar o homem-objeto, para felicidade das mulheres e do público gay-homem. Bem, brincadeira à parte, é preciso dizer que tanto o bonitão McConaughey quanto a barbiemente linda Kate fazem mais caretas estapafúrdias neste filme do que Jim Carrey e Burt Lancaster conseguiram ao longo de todas as carreira deles. E temos ainda Donald Sutherland no papel do biliardário dono do big iate. Sutherland, grande ator, é daqueles que trabalham demais; deve fazer uns três filmes por ano, e não parece ser muito exigente – topa tudo por dinheiro, até uma bobagem como esta aqui. O biliardário Nigel que deram para ele interpretar tem uma filha que é assim uma espécie de Paris Hilton; Gemma (Alexis Dziena) tem a inteligência e a sensibilidade de uma minhoca e a futilidade de uma starlet pós-sucesso no BBB nº 429 – mas a gente sabe que no fim tudo vai dar certo, ela e papai vai resolver as diferenças. E, ao contrário do que diz a letra de Leonard Cohen, e do que acontece tantas vezes na vida real, os bandidos vão se dar mal e os mocinhos vão vencer. Pelo que vejo na filmografia dele, os melhores momentos do diretor Andy Tennant foram Anna e o Rei, de 1999, uma versão sem música da história de O Rei e Eu com Jodie Foster, e Hitch, Conselheiro Amoroso, a comedinha romântica simpática com Will Smith e Eva Mendes, de 2005. Agora, por que na Austrália, se o próprio Caribe fica ali muito mais perto de Hollywood, é um mistério tão complicado quanto tentar entender por que eu agüentei ver este filme inteirinho, até o fim, apesar das sugestões da Mary para, no mínimo, darmos umas avançadinhas rápidas. Vai ver não privilegiaram cenas da barbie sem roupa pq a barbie é uma bruxa, como diria Rubem Alves. Como o cinema já apresenta nudez feminina em 99,9% das vezes, de certo resolveram dar um refresco e decidiram presentear as mulheres :D. Pena que o filme é uma bomba e eu não vou ver os músculos do McConaughey. […] Famosos; o filme teve muita badalação e sucesso, e a menina tinha apenas 21 anos. Se fizer menos comedinhas românticas babacas e aproveitar a sorte que teve por trabalhar com Altman (Dr. T e as Mulheres) e James Ivory (Le […] […] tenha sido por isso que tenha me divertido com esse filmezinho menor. Andy Tennant não é nenhum Hawks, o escocês Gerard Butler teria que crescer muito para chegar ao charme de […] |
Adivinhe Quem Vem para Jantar / Guess Who’s Coming to Dinner É fascinante, espantoso, chocante como Adivinhe Quem Vem para Jantar é um grande filme. Claro, sabia de muita coisa sobre ele, porque é um filme marcante, importantíssimo, mas tinha até dúvidas se já vira antes ou não. Elas dizem que vi, sim, o filme, em 1969 – mas eu de fato me lembrava muito pouco dele. Foi um choque revê-lo agora – é um filme extraordinariamente bom. Ele é tão bom quanto é importante – mas entre ser importante e ser bom há distância tão grande quanto intenção e gesto. Todo o Godard dos anos 60 é mais do que importantérrimo. É importante, importantérrimo, pode até ser genial – mas é chato, profundamente chato, horrorosamente chato, cruelmente chato. A vida é curta demais – não vou perder meu tempo com coisa profundamente, horrorosamente, cruelmente chata. Rever Adivinhe Quem Vem para Jantar foi uma experiência maravilhosa, gratificante, emocionante. Não é preciso ser chato para ser bom e ser importante. Essa é uma verdade que os cinéfilos de nariz empinado desconhecem. Os cinéfilos de nariz empinado acham que, para ser bom, um filme tem que ser profundamente, horrorosamente, cruelmente chato. Adivinhe é uma demonstração clara de que um filme pode ser bom, e importante, sem ser chato. Os Estados Unidos só acabaram legalmente com seu próprio apartheid em 1964 O mundo mudou demais, de 1967, quando Stanley Kramer fez Adivinhe, até hoje. Em muitas coisas, mudou para pior; em muitas outras, para melhor. (Não no Brasil dos últimos 11 anos, em que houve violento retrocesso, mas eu gostaria de não falar de cotas, do racialismo que o PT vem implantando no Brasil, nesta anotação. A África do Sul teve a sorte imensa de contar com um dos maiores estadistas de que a História tem notícia para conduzir o processo de saída do apartheid rumo a uma sociedade plural. Até os anos 60, em diversos Estados americanos – o país que se diz do sonho e da esperança –, o segregacionismo era legal, garantido por lei. Não tinha o nome ignominioso de apartheid, mas era idêntico a ele. As pessoas de pele negra tinham que se sentar atrás nos ônibus, não tinham direito a voto; havia banheiros separados para as pessoas de pele clara e as pessoas de pele escura. Havia bares, lojas que não admitiam a entrada de pessoas de pele escura. O casamento entre pessoas de cor de pele diferente era proibido por lei. Um diálogo extraordinário do filme nos lembra que isso era lei em 16 ou 17 dos 51 Estados americanos. Não canso nunca de lembrar que apenas em 1964, durante o governo de Lyndon B. Johnson, foi aprovado o Civil Rights Act que proibiu a discriminação contra minorias raciais, étnicas, nacionais e religiosas. Os Estados Unidos só acabaram legalmente com seu próprio apartheid em 1964 – apenas 30 anos antes do fim do regime nojento, abjeto, da Áfríca do Sul. O filme é uma beleza de estudo sobre a distância entre intenção e gesto Nas últimas décadas, passou a ser politicamente incorreto ser racista, no país da economia mais poderosa do mundo. Em 2008, um homem de pele escura foi eleito presidente do país. Lembrar essas verdades, essas obviedades todas, é fundamental para se compreender bem a grandeza do filme de Stanley Kramer. Adivinhe Quem Vem para Jantar é hoje um filme tão poderoso, fascinante, como era quando feito, quase meio século atrás, quando o mundo, e os Estados Unidos em especial, era muito pior, em relação ao racismo. Hoje, quando o pior do racismo nos Estados Unidos já passou, já virou poeira da História, dá para admirar o filme como uma beleza de estudo sobre a distância entre intenção e gesto. Os pais da moça loura não são reacionários; são liberais, progressistas Embora este seja um dos filmes mais emblemáticos, mais importantes dos anos 60, não é obrigatório que todo mundo saiba do que se trata, e então vai aqui uma sinopse. No Havaí, um homem, John, e uma mulher, Joey, se apaixonam. A primeira tomada do filme mostra um avião se aproximando – John e Joey estão chegando do Havaí para San Francisco, a cidade dela. John, veremos mais tarde, tem 37 anos, já havia sido casado e perdera a mulher e o filho num desastre. Chegam a San Francisco para que Joey apresente o futuro marido aos pais. John é um médico de currículo perfeito, respeitadíssimo no meio, com cargo na Organização Mundial de Saúde. Mas a questão principal é que os pais de Joye são liberais, no sentido político e americano do termo, ou seja, avançados, progressistas, pra frente. O pai de Joey, Matt Drayton, veremos em seguida, é o dono de um jornal progressista; passou a vida defendendo o que é correto. Joey tem absoluta certeza de que os pais aceitarão como natural o fato de estar para se casar com um negro. Quando se trata da filha, porém, surge a distância entre intenção e gesto, entre a certeza política na teoria e a prática. Tanto a mãe de Joey, Christina (interpretada pela maravilhosa Katharine Hepburn), quanto o pai (o gigante Spencer Tracy, em seu último filme) ficam perplexos quando a intenção liberal, honesta, correta, se choca com o gesto, a verdade dos fatos. Se a humanidade não se destruir, seja através de bombas atômicas coreanas do Norte, iranianas, israelenses, seja através da incapacidade de compreender que as mudanças climáticas são assunto sério demais, é bem possível que lá pelo ano de 3013 Adivinhe Quem Vem para Jantar seja mostrado nas aulas de História como uma beleza de exemplo não apenas da questão maior – aquela doença perversa, felizmente então já há muito desaparecida, do racismo –, mas também sobre essa coisa tão humana que é a distância entre intenção e gesto. A grande sacada do filme é exatamente o fato de que os pais de Joey são liberais, intelectuais, anti-racistas – mas de repente têm que enfrentar o fato de que o que pensam, ou acham que pensam, vire verdade com sua própria filha. As distâncias entre intenção e gesto podem ser enormes, amazônicas, jupiterianas. Digamos que Joaquim da Silva é (assim como eu mesmo sou) absolutamente contra a pena de morte, e contra a Lei de Talião, aquela do olho por olho, dente por dente. Suponhamos agora que, num sequestro-relâmpago que se deu mal, um bandidinho mate a filha do correto, íntegro Joaquim da Silva. E que as gravações dos circuitos internos, e mais um criterioso trabalho da Polícia, identifiquem o assassino da sua filha. Um dos muitos brilhos do filme é este: ele nos põe na situação de quem foi surpreendido por uma notícia que não esperava. É isso que o filme nos diz, nos joga na cara, nos questiona, nos provoca. Ao rever esta maravilha agora, fiquei pensando em que tipo de argumento alguém poderia usar para dizer que é um filme ruim. Bem, boa parte dos cinéfilos de nariz empinado poderia simplesmente dizer que é um filme americano. Essas pessoas deveriam ganhar – como diria o Elio Gaspari – uma passagem de ida, sem volta, para Havana, Caracas ou Pyongyang. Hahá, mas sempre haveria também quem dissesse que é uma estrutura muito teatral. Quando fizeram o primeiro filme, em 1942, ele estava com 42 anos (é de 1900, nove anos mais velho que minha mãe), e ela tinha 35 (nasceu em 1907). Spencer Tracy morreria no mesmo ano em que o filme foi produzido; tinha apenas 67 anos, mas parecia muito mais, o que é natural – com o passar do tempo, as pessoas foram envelhecendo cada vez mais com aspecto jovem. Bruce Springsteen, só para dar um exemplo, comemorou 64 durante sua estadia no Brasil, em setembro de 2013, exibindo um fôlego de garoto de 20. Creio que, até a consagração de Meryl Streep, Katharine foi a recordista de Oscars. Teve incríveis 12 indicações ao prêmio e venceu quatro, uma delas exatamente por seu papel como Christina Drayton neste filme aqui. Spencer Tracy teve um pouco menos: sete indicações (uma delas, já póstuma, por sua interpretação como Matt Drayton), das quais venceu duas. Spencer Tracy é uma daquelas figuras que são muito mais importantes do que qualquer prêmio. Me permito transcrever aqui o que escrevi depois de ver um dos muitos belos filmes estrelados por ele, Conspiração do Silêncio/Bad Day at Black Rock: Spencer Tracy estava com 55 anos em 1955, mas parecia mais velho. Spencer Tracy tinha o cabelo todo branco, aos 55 anos, e os ares de um senhor de uns 70. Talvez porque carregasse nos ombros uma carreira longa, esplêndida, extraordinária, e uma imagem imaculada de o mais respeitado ator do cinema americano. Poderia não ser o mais famoso, ou o que desse maior bilheteria, mas era o mais respeitável, o mais respeitado. (…) Spencer Tracy era o retrato acabado da dignidade.” Dignidade – comentou Mary, quando li esse trecho que havia escrito sobre Spencer Tracy para ela – é um produto que há de sobra em Adivinhe Quem Vem para Jantar. O trailer de Adivinhe ressalta o fato de que seus três atores principais são vencedores do prêmio da Academia. É um bom argumento para vender o filme para as platéias. Mas poderia perfeitamente ter ressaltado também o fato de que os três atores principais são exemplos de dignidade. O personagem interpretado por Sidney Poitier é digno – e belo – como o próprio ator. Aconteceu de, durante passagem pelo Havaí, conhecer a bela loura – e aconteceu de os dois se apaixonarem perdidamente. Aos 37 anos, muito mais maduro que a amada de apenas 23, tinha seriíssimas dúvidas sobre qual seria a reação dos pais dela à vontade da garota de se casar com um homem de pele negra. Joey não tinha preocupação alguma quanto a isso: como havia aprendido com os pais que o racismo é algo abjeto, nojento, abominável, estava tranquila. Os muito jovens, é natural, não conhecem ainda a distância entre intenção e gesto, entre as opiniões e a realidade dos fatos. John diz para os atônitos pais da moça algo que não havia dito para a própria namorada, iminente esposa: só se casará com ela se tiver a absoluta e total aprovação deles. Um pouco mais tarde, Christina, a mãe, perguntará a Joey quão íntima havia sido a relação entre os dois nos dias que haviam passado juntos no Havaí. Como é uma mulher moderna, liberal, avançada, logo em seguida dirá que não tem direito de fazer aquela pergunta. Mas Joey, livre leve e solta como são as filhas de pais modernos, liberais, avançados, não perde a chance: “Você quer saber se dormimos juntos?”, pergunta ela, num diálogo que só poderia existir num filme americano a partir de então, 1967, toda a revolução comportamental acontecendo, os velhos preceitos do Código Hays virados letra mortas. John, 37 anos, poderia perfeitamente ter comido a moça – não comeu porque ela era jovem demais; queria antes ter a aprovação dos pais da moça para o casamento. O monsenhor Ryan (uma deliciosa interpretação de Cecil Kellaway), o maior amigo do casal, esbanja dignidade, sabedoria, amor à vida, às pessoas. Como os pais de Joey, assustam-se, apavoram-se ao ver que a namorada do filho tem cor de pele diferente da deles. Aos olhos do pai (Roy E. Glenn Sr.), em especial, parece uma indignidade o filho se casar com uma moça de cor pele diferente. O autor do argumento e do roteiro, William Rose, fez um monte de coisa boa Todos os diálogos do filme, os enfrentamentos entre esse bando de pessoas dignas, são absolutamente brilhantes. De fato, a estrutura da narrativa – toda centrada em diálogos, em enfrentamento de posições, em discussões de idéias – faz lembrar teatro filmado. É um roteiro original, escrito diretamente para o filme por William Rose. Trabalhou com o diretor Stanley Kramer (e com Spencer Tracy) na comédia Deu a Louca no Mundo/It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World, de 1963. Os Russos Estão Chegando!, a arrasadora sátira sobre a paranóia americana durante a guerra fria dirigida por Norman Jewison – que dirigiu Sidney Poitier em outro filme virulentamente anti-racismo, No Calor da Noite/In the Heat of the Night, do mesmo ano de 1967. William Rose é o autor do argumento e do roteiro de Quinteto da Morte/The Ladykillers, a deliciosa comédia inglesa de Alexander Mackendrick de 1955 com Alec Guinness e um então jovem e desconhecido Peter Sellers, que os irmãos Coen refilmariam – também deliciosamente – em Matadores de Velhinhas/The Ladykillers, de 2004, com uma das mais fantásticas interpretações cômicas de Tom Hanks. Com o prêmio de melhor atriz para Katharine, a Grande, foram dois os Oscars para o filme, que teve oito outras indicações – para filme, direção, ator para Tracy, ator coadjuvante para Cecil Kellaway, atriz coadjuvante para Beah Richards (que faz a mãe de John), direção de arte, montagem e trilha sonora. Seria talvez necessário falar um pouco sobre Stanley Kramer, esse diretor não fugia de temas controversos, polêmicos – ao contrário, corria atrás deles. Mas esta anotação já está grande demais, e então basta lembrar que esse cineasta desaforado, corajoso, foi o autor de Julgamento em Nuremberg (1961), em que Spencer Tracy faz o papel central, à frente de um elenco de grandes astros de várias nacionalidades, e de Acorrentados/The Defiant Ones (1958), em que Sidney Poitier divide com o branco de olhos azuis Tony Curtis os papéis centrais. Acorrentados, exatamente como este Adivinhe Quem Vem Para Jantar, é, além de um belo filme, uma beleza de panfleto mostrando que, entre todos os muitos tipos de crimes que a humanidade inventou, o racismo é um dos mais abjetos. Acho que já vi algumas vezes esse filme e sempre ficava indignada com a reação dos pais da mocinha, ultraliberais, ao saber que a filha branca e loura pretende casar com um médico negro. Nunca tinha pensado na sua hipótese de que a explicação é que a prática difere muito dos conceitos teóricos em que se acredita. O fato de os pais do médico também serem contra o casamento me deixou um pouco perplexa pois, tanto quanto eu saiba, um negro casar com uma branca, pelo menos no Brasil, é há muito tempo símbolo de ascensão social. E o mais interessante nessa reação contrária dos pais é que ambas as mães acabam aceitando bem o casamento dos filhos. Não esqueço a atitude firme da mãe do médico quando fala a ambos os pais que eles se esqueceram o que é paixão, a transfiguração de sentimentos que seus filhos estão sentindo, por isso se opõem de forma tão ferrenha a uma união baseada no amor. De fato, avançamos em relação ao racismo, o pior passou, mas não completamente e nem como deveria. Acho que você está sendo otimista ao dizer que em cem anos o filme será usado apenas como exemplo do que era o racismo, mas torço para que eu esteja errada. Os diálogos são mesmo brilhantes, e o roteiro é quase perfeito, a não ser por duas questões: o machismo da mãe da Joey ao dizer que ela foi muito feliz nos anos em que pôde ajudar o marido, e que a filha também seria feliz pelo mesmo motivo (acho que naquela época a mulher só existia em função do marido e de um casamento). A outra é quando o personagem do Sidney Poitier diz ao pai da Joey que já havia pensado na questão dos filhos (sofrerem racismo), pois um casamento sem filhos não é casamento. Realmente, há enorme distância entre intenção e gesto, e às vezes eu faço esse exercício de me imaginar em determinada situação; não é fácil colocar em prática o que se prega. Eu acho o filme bastante teatral, sim, mas isso eu acho de todos os filmes de antigamente; as cenas eram muito mais marcadas, tomadas longas, as falas eram quase que declamadas, etc. É verdade que os personagens esbanjam dignidade, e isso nos faz gostar ainda mais do filme. A alegria e a felicidade (sem falar na bondade) da Joey são contagiantes, a retidão moral e a educação de John Prentice são admiráveis, e tudo o mais que você já falou dos outros. São pessoas das quais eu gostaria de ser amiga ou de ter na família. Fiquei espantada ao saber a idade do Spencer Tracy; como você disse, as pessoas aparentavam mais idade, e com 40 anos já eram consideradas velhas. Aliás, o tempo todo fiquei pensando que o casal já era meio avançado na idade para ter uma filha tão nova, ainda mais para a época, onde se casava jovem e logo vinham os filhos. Me chamaram a atenção o carinho entre a família, a cumplicidade afetuosa entre mãe e filha (a personagem da Katharine várias vezes se emociona ao longo do filme) e a mente aberta, avançada, o espírito evoluído do monsenhor. And last but not least, não pude deixar de notar como a maquiagem da Beah Richards estava claramente alguns tons abaixo da cor da pele dela; maquiagem para a pele negra só veio surgir há pouco tempo. Prezado Sérgio, Acompanho seu site há alguns anos, mas nunca havia me manifestado anteriormente. A sua profecia de que o filme será objeto de aulas de história é perfeita, contudo, penso que os direitos civis são mera alegoria na obra. O binômio “intenção x gesto” pode ser empregado nos mais variados temas/conflitos decorrentes da evolução constante do conceito de família e de hábitos da sociedade, razão pela qual a película não envelhece. Logo, além de aulas de história, avalio que o seu mote/potencial deveria ser explorado também pelos ramos da sociologia e filosofia. Aproveito a ocasião para parabenizar pelo seu trabalho, sou fã do site! É muito interessante o que você diz sobre o “Adivinhe quem vem para jantar”. […] and Mike, no Brasil A Mulher Absoluta, foi o sétimo dos nove filmes com o casal mil de Hollywood, Spencer Tracy e Katharine Hepburn. […] lembra um diálogo de um dos muitos filmes importantes sobre o racismo nos Estados Unidos, Adivinhe Quem Vem Para Jantar, de 1967, o casamento entre pessoas de cor de pele diferente era proibido por lei em 16 ou 17 dos […] |
Na revisão, este filme feito em 1962, no auge do auge da guerra fria, às vésperas da crise dos mísseis russos em Cuba, se mostra menor do que na lembrança, e muito menor do que a fama que acabou adquirindo. Me pareceu menor, inclusive, do que a refilmagem com Denzel Washington e Meryl Streep, feita em 2004 por Jonathan Demme. Uma sinopse básica: militar americano (Laurence Harvey), que lutou na Guerra da Coréia, foi preso pelos comunistas e sofreu lavagem cerebral, vai tentar assassinar um político. Mas um colega dele (Frank Sinatra) pode saber como evitar o crime. É incompreensível a atração da personagem de Janet Leigh pelo oficial à beira de um colapso mental (interpretado por Sinatra) que ela conhece no trem. A própria personagem da mãe dominadora, interpretada aqui pela Angela Lansbury e na refilmagem por Meryl Streep, fica mal explicada. Não dá para entender a coexistência do discurso anticomunista ferrenho dela com a sua associação com a União Soviética e China. Num momento o oficial de Sinatra está enlouquecendo rapidamente, no momento seguinte ele é a tranqüilidade em pessoa. O amor desesperado do personagem de Laurence Harvey pela filha do senador progressista parece inviável, impossível, não tem verossimilhança alguma. O filme ganhou uma aura, uma fama, uma respeitabilidade como poucos. Vejo por exemplo que Pauline Kael, normalmente azeda, foi um dos que endeusaram o filme: O filme faz algumas brincadeiras maravilhosas e loucas com a dieita e a esquerda; apesar de ser um thriller, talvez seja a sátira política mais sofisticada já feita em Hollywood”. “Eis aqui um filme que foi feito em 1962 e parece que foi feito ontem. Em nenhum momento falta tensão e uma reviravolta cínica em The Manchurian Candidate – e o que o é mais surpreendente é como o filme hoje pode ser visto como uma comédia política, assim como um thriller”. |
Eu tinha muito medo do que seria feito do livro, que trata muito bem, e partindo de uma idéia realmente simples, da atração fatal exercida pelo dinheiro fácil, da ligação profunda entre ganância e violência, tragédia: a tragédia cai, literalmente, sobre a cabeça de um grupo de pessoas simples, comuns, na forma de US$ 4,4 milhões encontrados em um aviãozinho acidentado num bosque próximo a uma cidade gelada do Meio Oeste americano. Ele e o diretor Raimi poderiam ter se perdido com as imposições de Hollywood. Numa década de filmes cínicos, de banalização ou até mesmo endeusamento da violência – basta lembrar do último Roland Joffe, coitado, Misteriosa Paixão/Goodbye Lover, de 1997 -, este vai firme contra a corrente. Ele consegue criar o mesmo clima claustrofóbico, pesado, denso, do livro; e mostra bem a inevitabilidade da tragédia. O livro vai num crescendo que termina em banhos de sangue; perdi a conta dos assassinatos mostrados. E, mesmo assim, remando contra a corrente, não é um filme violento – é um filme denúncia contra a violência que, segundo ele quer mostrar, é inerente a esse tipo de sociedade baseada na acumulação de dinheiro. Os crimes são mostrados com educação, até da forma a mais elíptica possível. E, como em Os Imperdoáveis, como na vida real, vêm seguidos por e embrulhados em uma profunda dor. Quando, bem no início do filme, os três personagens se deparam com o saco de dinheiro, Hank (Bill Paxton) defende que entreguem tudo para a polícia, e Lou (Brent Briscoe), o amigo bêbado e imprestável de Jacob (Billy Bob Thorton), diz: Muito mais tarde, quando Hank diz que vai queimar o dinheiro para que a vida deles volte a ser como era antes, a mulher dele, Sarah (Bridget Fonda, a fantástica atriz das mil caras), faz um discurso de doer o coração, um manual sobre a impossibilidade de a sociedade capitalista trazer felicidade às pessoas. O que antes era para ela a vida normal do comum dos mortais agora é impensável, é uma miséria profunda, uma mediocridade inescapável – agora que ela passou a sonhar alto com a vida gastando a fortuna. Mais do que me lembro que acontecia no livro, aqui o peso sobre Sarah é fortíssimo. Hank é basicamente uma figura correta; desde o início tudo em que ele pensa é entregar o dinheiro para a polícia – talvez até por ser um tanto medroso, medíocre, mesmo, acomodado, pé no chão – anyone ambitionless as me, como diz a canção da Joan Baez; falta de ambição, na sociedade capitalista, é crime de primeiro grau. A ganância que explode primeiro em Lou se sedimenta e fortifica em Sarah; é ela que dá todos os conselhos a Hank, que os vão arrastando mais e mais para dentro do inferno. Nos velhos noirs dos anos 40, a mulher era a fonte de todo o mal – de toda a ambição, o que é mais ou menos sinônimo. “Sarah já fez mais de um crítico lembrar-se da diabólica Lady Macbeth, que de longe aciona os cordames da espantosa trama em que seu marido se envolve”.) Billy Bob Thorton, com seu jeito de absolutamente anormal, está brilhantíssimo. A tragédia que começa com a necessidade do dinheiro sujo, a ganância, e vai assumindo proporções cada vez mais terríveis, assustadoras. Sam Raimi, um diretor jovem (nasceu em 1959), trabalhou com os irmãos Coen; foi co-autor do roteiro de Na Roda da Fortuna/The Hudsucker Proxy, de 1994. Se você não viu o filme, não leia a partir de agora E o final é um brilho, com a decisão de Hank de finalmente queimar o dinheiro, já que gastar uma nota que fosse significaria inevitavelmente a descoberta de todos os crimes, a prisão. Ficam lá ele e a mulher, vivendo a vida quase como se fosse antes de tudo, só que condenados à tristeza eterna do arrependimento – dela por ter tido uma fortuna à mão, e não a ter usado; dele por ter participado de tantos crimes, e por ter perdido tudo, até mesmo a simpatia da mulher. |
Conta-se uma bela história de uma criança despertando emoções e generosidade insuspeitadas em um homem maduro de 55 anos; mas conta-se, com ela, junto com ela, atrás dela, ou sobretudo, a história política do subjugado diante do representante do imperialismo. Do imperialismo seja ele qualquer; é especificamente o checo diante do russo, mas poderia ser qualquer um, o indiano contra o inglês, o brasileiro primeiro contra o inglês e nos últimos quase cem anos contra o americano; para se chegar à conclusão de que os seres humanos são mais importantes do que a política, do que as divisões que a política impõe. E que domínio de técnica, que estupendo domínio de técnica, que beleza de narrativa. De uma certa maneira, me ocorre agora, é uma espécie de continuação de A Confissão, do Costa-Gavras, 40 anos depois do fim do stalinismo. Vejo numa notinha da Premiere americana: o ator que faz o personagem central, o violoncelista checo, é o pai do diretor. O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1997. Baseado em uma idéia (é assim que aparece na apresentação) de Pavel Taussig |
Exatos 60 anos depois de ter sido feito – as filmagens foram entre setembro e novembro de 1954 –, e 52 anos depois que eu o vi pela primeira vez, O Pecado Mora ao Lado/The Seven Year Itch continua sendo um filme absolutamente delicioso. Tornou-se, com o tempo, um grande clássico, dos maiores que há, e tem uma das seqüências mais antológicas de toda a história do cinema. Mas o mundo mudou demais, e então o que era na época uma grande ousadia – embora o roteiro tenha sido duramente mutilado pelo Hays Office, o órgão da autocensura dos grandes estúdios de Hollywood –, hoje parece tão inocente quanto um filme de Lassie, de Shirley Temple. E as histórias sobre o filme, sobre como foi sua produção, são tão absolutamente fascinantes quanto os maravilhosos diálogos escritos por Billy Wilder e George Axelrod e as interpretações memoráveis de Tom Ewell e Marilyn Monroe. Hum… Por que Tom Ewell e Marilyn Monroe, assim, nessa ordem? O papel principal do filme é do pobre Richard Sherman, editor de livros baratos, bem casado, pai de um garotinho de uns seis anos, que, como a imensa maioria dos nova-iorquinos, no auge do verão escaldante e úmido, despacha a família para um lugar mais aprazível, ao Norte, e acontece de ganhar como vizinha no prédio de apenas três andares em que mora uma loura deslumbrantérrima. O pobre Sherman – sujeito de imaginação imensa, capaz de criar fantasias criativíssimas na cabeça, já que sua profissão é descobrir como transformar em apelativas, chamativas, sensacionalistas, as capas de livros muitas vezes sérios, sisudos, grandes clássicos – está exatamente no sétimo ano do casamento. Um dos manuscritos que ele examina, de autoria de um psiquiatra muito doido, afirma que, no sétimo ano do casamento, a imensa maioria dos homens sente uma coceira danada, uma necessidade premente de ser infiel à mulher, de ter uma aventura extra-conjugal. The Seven Year Itch – a coceira do sétimo ano, como diz o título original. Os exibidores brasileiros, que muitas vezes inventam títulos estapafúrdios, dessa vez criaram um que se ajusta perfeitamente à história: O Pecado Mora ao Lado, embora muito distante do original, é um belo título. O desempenho de Tom Ewell é um espetáculo, mas é Marilyn que rouba a cena E é interpretado por Tom Ewell, um ator de quem hoje pouca gente se lembra. Acontece que o papel da Garota (ela não tem nome, quer dizer, seu nome não aparece em momento algum), bem menor que o de Sherman, coube a Marilyn Monroe. E então, mesmo não aparecendo na tela em diversas, diversas sequências, mesmo aparecendo muitíssimo menos que Sherman-Tom Ewell, Marilyn rouba o filme. Nisso, Marilyn se parece com outra deusa do sexo de Hollywood, Mae West. Quando Mae West fez seu primeiro filme, Noite Após Noite, de 1932, em que tinha um papel pequeno, o ator que fazia o protagonista da história, George Raft, afirmou: O desempenho de Tom Ewell é um espetáculo, e não é à toa: ele havia feito o papel de Richard Sherman no teatro – a peça, de autoria de George Axelrod, estreara na Broadway em 1952, e foi um imenso sucesso durante três anos. Mas o que fica na memória do espectador, a marca do filme é Marilyn. Nos créditos iniciais – um grafismo belo, esperto, inteligente, criado pelo genial Saul Bass –, quem aparece primeiro é Marilyn. Quando as filmagens começaram, em setembro de 1954, Marilyn já era a maior estrela de Hollywood. Em 1953, havia aparecido nua no número 1 da revista Playboy; entre 1953 e 1954, tinha brilhado em Torrente de Paixão/Niagara, Os Homens Preferem as Louras, Como Agarrar um Milionário, O Rio das Almas Perdidas e O Mundo da Fantasia. Como se não bastasse, na mesma época havia se casado com Joe Di Maggio, o maior nome do beisebol de então, o esportista mais adorado pelos americanos e americanas, o Pelé, o Neymar daqueles anos. Os biógrafos e estudiosos do cinema americano são unânimes em dizer que The Seven Year Itch foi um dos motivos principais para o final abrupto do casamento. Quando o filme estreou, no dia 1º de junho de 1955 – o dia em que Marilyn completava 29 aninhos de vida –, Joe Di Maggio compareceu à festa, num cinema da Times Square sobre o qual havia um cartaz com uma foto de Marilyn de 16 metros de altura, boa parte deles ocupada pelas coxas dela, a saia levantada pelo vento do metrô. Logo após os créditos iniciais de Saul Bass, vemos um mapa – imitando os mapas muito antigos – da ilha de Manhattan. Começa uma música imitando canções dos indígenas da América do Norte, vemos uma típica aldeia indígena, enquanto uma voz em off, emproada, empostada, como as dos locutores de antigamente, diz o seguinte texto: – “A ilha de Manhattan deve seu nome aos seus primeiros habitantes, os índios Manhattan. Havia um costume entre eles: a cada mês de julho, quando o calor e a umidade ficavam insuportáveis, eles mandavam suas mulheres e filhos em viagem rio acima, para as montanhas, ou, se tivessem meios, para a costa.” Um dos índios olha para trás, para onde está a câmara, arregala os olhos, e chama a atenção dos outros. Aparece na tela o que faz o índio, e em seguida todos os índios, arregalarem os olhos, cara de quem está babando: uma índia gatíssima caminha sozinha. – “Os maridos ficavam na ilha cuidando dos negócios: fazendo armadilhas, pescando e caçando. Na verdade, nossa história não tem nada a ver com os índios. Os maridos em Manhattan ainda mandam embora as mulheres e os filhos, e ficam cuidado dos negócios: fazendo armadilhas, pescando e caçando. Agora, queremos que você conheça um marido típico de Manhattan, cuja família está saindo para a viagem de verão.” E então acompanhamos Richard Sherman-Tom Ewell se despedindo de Helen (Evelyn Keyes) e do garotinho Ricky (Butch Bernard). Quando Helen e Ricky entram para a plataforma, Sherman percebe que haviam esquecido o grande remo do caiaque do garoto. Sherman tenta entrar na plataforma para entregar o remo, mas é impedido pelos funcionários: só entra quem tem passagem. Passa por ali uma mulher gostosa: dezenas de homens agora solteiros pelo verão vão atrás dela, exatamente como os índios da sequência anterior. Sherman fala para si mesmo (ao longo de toda a narrativa, Sherman vai falar alto para si mesmo) algo do tipo: – “Não, não, não. Não me lembrava de forma alguma dessa fantástica seqüência inicial com os índios. Também pudera: vi O Pecado Mora ao Lado pela primeira vez em 1962; é bem possível que tenha revisto uma ou duas vezes ali pelos anos 70 ou 80, uma época em que deixei de anotar muitos dos filmes que via, ocupado demais com muito trabalho e frilas e a vida conturbada. O fato é que só anotei aquela primeira vez, em 1962, o ano em que Marilyn morreu. O Cine Guarani, na Rua da Bahia, pouco acima do Maletta, programou um festival de Marilyn, um filme por dia. Está lá anotado no meu primeiro caderninho de cinema, com letra de criança, que, entre os dia 24 de agosto e 2 de setembro, o garoto Sérgio Vaz viu Os Desajustados, Adorável Pecadora, Torrente de Paixão, O Mundo da Fantasia, Nunca Fui Santa, O Pecado Mora ao Lado e Como Agarrar um Milionário. “A santidade da instituição do casamento e do lar será preservada” Cheio de boas intenções, disposto a resistir às tentações da solteirice durante o verão sufocante, pegajoso. Aí, toca a campainha no seu predinho de três andares, ele abre a porta, e adentra no hall e no filme The Girl, na pele de Marilyn Monroe. Aí, como diria o gago da piada, fô fô fô fô… Os vizinhos do segundo andar – Sherman mora no térreo – haviam viajado para a Europa, e sublocado o apartamento, durante aqueles meses de verão, para A Garota. Aí, como diria o gago da piada, fô fô fô fô fô fô… Na peça que fazia um tremendo sucesso na Broadway, fô fô fô fô fô fô…,, sim. No teatro não havia Hays Office, não havia o Motion Picture Production Code, o código de autocensura da Motion Pictures Producers and Distributors of America (mais tarde renomeada para Motion Pictures Association of America). O teatro – sem dúvida por atingir muitíssimo menos gente que o cinema – sempre tinha sido mais livre. Ainda nos anos 30, Mae West, já citada aí acima, falava de sexo de maneira aberta, escrachada, nos teatros de Nova York. Foi ela cruzar o país e começar carreira em Hollywood que as ligas de decência todas se ouriçaram. Foram os protestos dos conservadores, moralistas, católicos, cristãos de maneira geral contra o que consideravam abuso de licenciosidade do cinema nos primeiros anos da década de 30 que levaram a associação dos grandes estúdios a criar o código, que passaria para a história como Código Hays por causa do nome do rigoroso censor-chefe, Will H. Hays, O Código Hays foi adotado em 1930, e nos anos seguintes tornou-se ainda mais rígido – ao menos em parte como uma reação à desabrida Mae West, uma mulher de fato sem medo de ser feliz e sem papas na língua. “Nenhum filme será produzido que possa fazer abaixar os princípios morais daqueles que irão vê-lo. Desta forma, a simpatia da audiência jamais deve ser jogada para o lado do crime, do fazer errado, mal ou pecado. Princípios corretos de vida, sujeitos apenas às exigências do drama e do entretenimento, devem ser apresentados. A lei, natural ou humana, não será ridicularizada, nem simpatia pela sua violação será criada. (…) A santidade da instituição do casamento e do lar será preservada. (…) O adultério, às vezes material necessário para a trama, não deve ser tratado explicitamente, ou justificado, ou apresentado de forma atraente.” O Código passou a sofrer duros ataques no final dos anos 50 e ao longo dos anos 60 – até cair de maduro em 1968, quando foi instituído o sistema de classificação etária da MPAA que está em vigor até hoje. Cineastas como Billy Wilder, Otto Preminger e Elia Kazan, entre outros, insistiam em ousar, em forçar a barra para fazer passar coisas proibidas. Mas o fato é que nos anos 50 a pressão conservadora, moralista, era violentíssima. O autor reconhece que a censura fez a história ficar sem sentido Billy Wilder e o próprio autor da peça The Seven Year Itch, George Axelrod, trabalharam juntos no roteiro. A batalha entre eles e os censores do Hays Office foi duríssima. Os censores cortavam trechos e trechos do roteiro como se fazia na época da ditadura com as letras de Chico Buarque, Taiguara e tantos outros compositores. Wilder e Axelrod reescreviam, reapresentavam os trechos reescritos, os censores faziam novos cortes. Como, segundo o Código, “a santidade da instituição do casamento e do lar será preservada”, decidiu-se que Richard Sherman e A Garota simplesmente não se comiam! O que se vê em O Pecado Mora ao Lado é que Sherman e A Garota trocam três beijinhos. O pecado que mora ao lado são três selinhos desses absolutamente inocentes. Em um excelente documentário sobre a produção de The Seven Year Itch, feito em 2000, que acompanha o filme no DVD lançado pela Fox, o autor George Axelrod diz, com imensa dose de lógica, que, a rigor, a rigor, a história ficou sem sentido: ora, se não aconteceu coisa alguma entre Sherman e A Garota, então por que raios ele fica tão absolutamente tomado pela culpa? Só por ter desejado, ter fantasiado que houvesse alguma coisa de fato entre ele e aquela mulher estrondosamente bela, aquele convite descomunal ao desejo, à luxúria? Ora, qualquer pessoa, de qualquer uma das diversas opções sexuais hoje tão exigentes de seus direitos, que tivesse ficado junto com aquela Marilyn toda naquelas condições e não a tivesse desejado teria que ser condenada ao inferno dos chatos e loucos sem graça. Apesar de todos os cortes determinados pelo Hays Office, no entanto, o filme é deliciosamente safado – ou não seria um filme de Billy Wilder. Como é, é todo cheio de insinuações gostosas, de brincadeiras sacanas engraçadíssimas. E, como é um filme com Marilyn Monroe, acaba sendo muito mais sensual do que a maioria dos filmes de sexo explícito que a TV a cabo mostra todas as madrugadas. A bunda de Marilyn quando ela sobe as escadas, logo na primeira sequência em que ela aparece e bate a campainha, e entra carregando o ventilador, cujo fio fica preso na porta… Meu Deus do céu e também da terra. A piadinha do tomateiro que cai do segundo andar no banco em que Sherman estava sentado até um segundo antes… A Garota aparece na tela com os ombros nus – e a insinuação é de que ela está peladinha de tudo, ao dizer que vai até a cozinha se vestir, porque naquele calor ela bota a roupa íntima no congelador… O momento em que Marilyn tira o cinto e ergue a blusa para sentir o ventinho frio que sai do aparelho de ar condicionado da sala do apartamento de Sherman… A cena de Marilyn na banheira – uma das loucas fantasias que passam pela cabeça de Sherman – enquanto ela conta ter sido atacada por um homem casado para o bombeiro que tenta tirar o dedão o pé dela de dento da torneira… Sherman bota para tocar Rachmaninoff, mas a Garota gosta é do Bife Aliás, como são bem sacadas todas as sequências das fantasias que passam pela cabeça super imaginativa de Sherman, o editor de livros que consegue fazer uma capa apelativa até mesmo para o clássico extremamente família Little Women, de Louisa May Alcott (1832–1888). É uma maravilha a fantasia de que a secretária da editora o ataca pedindo sexo, de que a enfermeira da noite do hospital em que operou do apêndice o ataca pedindo sexo. Wilder goza até o cinema: antecipando-se várias décadas a Mel Brooks e às paródias de filmes, do tipo Apertem os Cintos… O Piloto Sumiu, ele goza uma das mais antológicas sequências de filmes americanos, o apaixonado beijo de Burt Lancaster e Deborah Kerr em A Um Passo da Eternidade/From Here to Eternity – ela mesma, aliás, a esplêndida sequência do filme de Fred Zinnemann de 1953 uma vigorosa afronta ao Código Hays. Gregory Peck, então um dos maiores galãs de Hollywood, é citado como o antípoda de Sherman, um sujeito feioso, sem qualquer charme. A mais hilária é bem no final, quando Tom MacKenzie, o bonitão pretenso paquerador da esposa Helen, chega ao apartamento e A Garota está na cozinha, preparando o café da manhã. E Sherman diz que ele vai querer saber quem é a loura que está na cozinha, e Tom MacKenzie diz: Aí Sherman diz: – “Ah, bem que você gostaria de saber! Sherman bota na vitrola Rachmaninoff, o Concerto número 2 para piano, e imagina A Garota chegando numa roupa elegante. E aí A Garota chega de blusa e calça comprida confortável, esportiva… e a música que mexe com ela, em vez do solene Rachmaninoff, é O Bife! E, quando ele tenta atracar-se com ela, e caem ao chão (e o espectador pode ver, por alguns rápidos segundos, as coxas fartas de Marilyn), ele fica culpado, mortificado, envergonhado, e diz que aquilo nunca tinha acontecido antes com ele – ao que ela candidamente responde: A sequência antológica: o vento do metrô levanta a saia de Marilyn Mas é claro que, de todas as sequências engraçadas, safadas, divertidas, deliciosas, a melhor, a absolutamente antológica, é a do vento que sai dos dutos do metrô, no passeio, e levanta a saia da Garota. Tinham ido ao cinema ver The Creature from the Black Lagoon. Fiquei em dúvida se o filme existiu mesmo ou foi uma invenção de Wilder e Axelrod. Não, não, existiu mesmo – deve ser uma absoluta delícia de produção não B, mas Z: é de 1954 mesmo, foi dirigido por Jack Arnold, e estrelado por Richard Carlson e Julie Adams. Saem do cinema, e A Garota está encantada com O Monstro da Lagoa Negra (este foi de fato o título do filme no Brasil). Está encantada com O Monstro da Lagoa Negra como as criaturas de narizinho empinado ficam ao sair do cinema após ver Amor, de Michael Heneke, ou Uma Eternidade e um Dia, de Theodoros Angelopoulos. Apiedou-se do monstro, ficou profundamente triste com o destino dado ao monstro. Aí pára sobre a grade no passeio em cima do respiradouro do metrô. Passa um metrô, o vento sai de baixo do passeio e joga a saia branca rodada de Marilyn Monroe para cima. Naquele calor insuportável do auge do verão pegajoso de Manhattan, até o vento que sai do duto do metrô é mais fresquinho – e A Garota faz uma expressão de mais puro prazer. A Fox convocou a imprensa toda para testemunhar a filmagem da seqüência A vida muitas vezes imita a arte, a arte em geral tenta imitar a vida, mas há momentos em que a ficção não tem absolutamente nada a ver com a realidade. A sequência é maravilhosa, é engraçadíssima, virou antológica, é uma das imagens mais emblemáticas do cinema americano. O por trás das cenas, no entanto, é triste a não mais poder. Aos 28 anos de idade apenas, maior estrela de Hollywood, Norma Jean vivia, para aproveitar a belíssima imagem criada por Bernie Taupin na canção de Elton John, como uma vela ao vento. Não uma vela de barco, que infla, cresce com o vento, mas uma vela de cera, cuja pequena chama o vento apaga. Incensada, desejada pela multidões, a maior deusa do sexo do século, Norma Jean era insegura, instável – a candle in the wind. No pequeno – 24 minutos – mas belíssimo documentário Back Story: The Seven Year Itch, há trechos de depoimentos de Billy Wilder em que ele fala disso. Tinha que repetir várias vezes a mesma tomada, até que Marilyn conseguisse dizer a fala como ele esperava – mas, quando ela enfim conseguia, era a mais absoluta maravilha. (O filme Sete Dias com Marilyn/My Week with Marilyn, sobre as filmagens de O Príncipe Encantado/The Prince and the Showgirl, mostram exatamente a mesma realidade: as filmagens foram duríssimas, um inferno – mas, quando a gente vê Marilyn no filme, é impossível imaginar tanto drama, porque as imagens afinal escolhidas são maravilhosas, estonteantes.) O casamento com Joe Di Maggio já não ia muito bem. Di Maggio era do tipo que achava que lugar de esposa é em casa, cozinhando e cuidando dos filhos. Por que ele achou que Marilyn abandonaria a carreira para ficar em casa, isso é um mistério impenetrável. Nem mesmo o extraordinário Gay Talese, em seu famoso perfil do ídolo do beisebol, conseguiu chegar sequer perto de uma resposta. Mas o fato é que Marilyn estar filmando em Nova York, seguida em cada passo por toda a imprensa, e ele estar do outro lado do país, em San Francisco, não facilitava as coisas. E então Di Maggio voou para Nova York, para ficar junto da esposa. Estava lá quando Billy Wilder filmou a sequência do vento do metrô. Tinha a certeza absoluta de que teria um gigantesco sucesso de bilheteria. E então, para incendiar ainda mais o circo, convocou a imprensa para acompanhar as filmagens da sequência, em locação perto da Times Square, no umbigo de Manhattan. Toda a imprensa estava lá, batalhões de fotógrafos, uma multidão de 5 mil pessoas – homens babando como os índios babavam pela gostosona na sequência inicial, como os nova-iorquinos da atualidade babariam ainda na estação ferroviária pela gostosona moderna. Há testemunhos de que Marilyn tomou o cuidado de vestir duas calcinhas, uma sobre a outra, para que não houvesse possibilidade de se avistarem os pelos pubianos. A saia rodada de Marilyn subia até a cabeça dela, e o mundo inteiro via a calcinha de Marilyn. No dia seguinte, ou dois dias depois, Di Maggio voltou para a Costa Oeste. A vida muitas vezes imita a arte, a arte em geral tenta imitar a vida, a arte imita a arte, a vida imita a ficção. Apenas dois anos antes das filmagens de O Pecado Mora ao Lado, ainda antes de estourar como grande estrela, Marilyn havia feito o papel de uma mulher bonita e gostosa que se dá bem nos concursos de miss, ou de Mrs. Em Travessuras de Casados/We’re not Married, de 1952 a personagem de Marilyn, Annabel Norris, expõe o corpo inteiro nos concursos – e o maridão, Jeff, não vê problema algum nisso. Ao contrário: ele incentiva a homarada a olhar para aquela preciosidade toda que dorme em sua cama. Fantástico: eu não havia percebido a semelhança entre a situação de Joe Di Maggio com a de Jeff Norris, o marido da personagem de Marilyn em We’re Not Married. Quem chamou minha atenção para isso foi Mary, sempre atenta, muito mais que eu. Eu, que não tenho nenhum pingo de sangue siciliano, digo aqui: me sinto muito mais próximo do Di Maggio pessoa real do que do de Jeff Norris da ficção. Só na ficção – ou numa Escandinávia fictícia – o sangue do marido é de barata. Os cartazes mostram as coxas todas que no filme não puderam aparecer Nada do que foi filmado em locação, na rua de Nova York, a céu aberto, diante de fotógrafos dos jornais e daquela homarada babante, foi aproveitado. A produção teve que construir uma réplica do cinema que exibia The Creature from the Black Lagoon e da rua de Nova York dentro dos estúdios da Fox em Hollywood para que as tomadas fossem refeitas. E foi necessário filmar 40 novas tomadas da saia branca de Marilyn subindo até sua cabeça e mostrando toda a amplidão de suas coxas, até a calcinha. Na versão finalmente aprovada do filme, na montagem final que chegaria aos cinemas depois da grande estréia no dia do 29º aniversário de Marilyn, o que o espectador vê é apenas o iniciozinho das coxas. O mesmo que já havia sido visto em O Inventor da Mocidade/Monkey Business, de 1952, em que Marilyn faz um papel secundário, antes de virar estrela. Censura, moralismo caolho e calhorda, ligas de decência, essas tristezas ficariam para trás muito rapidamente, nos anos que se seguiram a O Pecado Mora ao Lado. O talento dos realizadores, dos atores, o brilho do filme, tudo isso continua intacto, 60 anos depois. Billy Wilder e Marilyn voltariam a se encontrar, poucos anos depois, em 1959, em Quanto Mais Quente Melhor/Some Like it Hot. O segundo filme que fizeram juntos conseguiria a proeza de ser ainda melhor do que o primeiro. Além da cena do vestido levantado pelo vento, a cena mais estupenda é aquela em que ela informa que sua calcinha estava na geladeira, para apagar o fogo que a consumia… Apesar da crítica do autor, creio que o filme ganhou com a frustração da relação adúltera. O Monstro da Lagoa Negro é um clássico do terror, que marcou meus 9 ou 10 anos de idade e que, surpreendentemente, se passa na Amazonia, e como em King Kong o monstro se apaixona pela bela (Julie Adams).Tal foi o sucesso que houve uma sequência – A Volta do Monstro da Lagoa Negra. Uma discordância: apesar do mito Marilyn, a grande fêmea do sec. Esse filme não teve apelo para mim, penso que por eu ser mulher, e a história não segurar, devido aos inúmeros cortes no roteiro. Li que eles não quiseram optar por um galã (o protagonista é feiosinho demais, verdade seja dita), para que ficasse mais crível ou interessante, algo assim, mas precisava ser um homem tão sem sal e sem charme? Adorei a frase “Ora, qualquer pessoa, de qualquer uma das diversas opções sexuais hoje tão exigentes de seus direitos” (…). Quanto ao restante do parágrafo, como sou hétero demais (li essa expressão esses dias, escrita por uma mulher, e achei *hilária) se eu estivesse no mesmo lugar que MM, o máximo que faria seria tirar uma selfie pra postar nas redes sociais! Seu texto destrincha e discorre maravilhosamente bem sobre tudo, com riqueza de detalhes (que eu particularmente adoro), que não há o que acrescentar. Apesar de todos os cortes, o filme conseguiu ser mesmo safado, as tiradas são boas. Algumas partes eu achei meio maçantes, em compensação tem outras ótimas e super engraçadas. Para mim valeu mais para conhecer a marcante e icônica cena do vestido levantado pelo vento do metrô, uma das mais famosas do cinema. Espero que você decida rever e escrever sobre Some Like it Hot. E ainda tem Tony Curtis, gato demais, e impagável imitando Cary Grant, e Jack Lemmon, que me faz rir muito, toda vez! As historinhas de bastidores são ótimas, com MM sendo MM e esquecendo as falas. Uma comédia divertida, sofisticada e com uma Marilyn maravilhosa, mas não completamente divertida. Os tons azuis são predominantes e o ambiente é belo e caseiro. Os diálogos inteligentes e as interpretações soberbas mas há comédias melhores Sabrina é a prova de que Billy Wilder é um dos mais magníficos, mais maravilhosos textos do cinema. Meu Deus: ela trabalhou em E o Vento Levou… (1939) e em O Pecado Mora ao Lado (1955): neste, foi a esposa do protagonista, interpretado por Tom Ewell, que viaja de férias […] |
É muito impressionante como Steven Soderbergh já começou bem – e, além disso, ainda contou com a sorte grande, incrível, de ganhar a Palma de Ouro em Cannes com seu primeiro filme, este sexo, mentiras e videotape. De lá para cá, em menos de 20 anos, dirigiu 17 filmes, produziu 30 obras (entre longas e episódios para TV), escreveu roteiros, trabalhou como ator, fotógrafo e montador, teve três indicações ao Oscar, venceu uma vez (em 2001, como melhor diretor por Traffic), colecionou 22 prêmios mundo afora e teve outras 40 indicações. Fez filmes difíceis (Kafka, de 1991), fez estouros de bilheteria (a refilmagem de Onze Homens e um Segredo/Ocean’s Eleven e suas duas continuações), fez bons filmes de sucesso comercial (Erin Brockovich, Uma Mulher de Coragem, de 2000), fez um filme exatamente, integralmente como se tivesse sido produzido nos anos 1940 (O Segredo de Berlim/The Good German, de 2006), fez filme experimental chato que nem a fome (Full Frontal, de 2002), fez uma biografia de Che Guevara tão absurdamente longa que teve que ser dividida em dois filmes, ou ninguém aguentaria (Che:The Argentine e Che: O bicho é absolutamente incansável; o dia dele deve ter 48 horas. Era um rapazote de 26 anos quando escreveu e dirigiu este sexo, mentiras e videotape – mas, ao contrário da imensa maioria dos jovens estreantes, não quis inventar muito, experimentar, abusar do criativol, Uma das poucas dessas marcas bobas de juventude que o filme tem é exatamente o título, que o autor fazia questão que fosse grafado apenas em minúsculas, sabe-se lá por quê. (Nos anos 60 um monte de neguinho gostava dessa bossa de evitar maiúsculas. Fora essa bossinha no nome, só há duas ousadias formais em sexo, mentiras e videotape. Por umas quatro ou cinco vezes ele brinca com o som na hora da montagem de seqüências – o som da seqüência anterior entra na seguinte, ou antecipa-se numa seqüência um diálogo que aparecerá na próxima. A outra nem chega propriamente a ser ousadia, porque em 1989 já se tinha feito de quase tudo na linguagem de cinema: é uma sacada esperta, inteligente, de adiar para o espectador só ver depois o que os personagens estão vendo nos videotapes gravados por Graham, o personagem de James Spader. O estreante Soderbergh evitou ousadias formais, estilísticas, maneirísticas no seu primeiro longa-metragem para ousar no conteúdo. Até hoje, quase 20 anos e tanta cena de sexo, tanta trepada, tanto Instinto Selvagem depois, o filme de estréia do cara ainda permanece inquietante, perturbador. Ann (Andie MacDowell) é uma mulher que leva uma vida vazia, numa pequena cidade do Sul dos Estados Unidos. (Não se menciona o nome da cidade; sabe-se que é Sul por causa do calor; só nos créditos finais estará dito que o filme foi feito em Baton Rouge, na Louisiana). É casada com John (Peter Gallagher), um advogado bem sucedido, que a fez parar de trabalhar; cuida da casa, faz terapia e conta para o terapêuta que não tem mais feito sexo, mas não vê grande problema nisso. John, o marido, é um garanhão, que trepa com Cynthia (Laura San Giacomo), irmã de Ann e em tudo sua antípoda – sensual, liberta, extrovertida, passional. A vidinha modorrenta de Ann é sacudida com a chegada à cidade de Graham, que tinha sido colega de John no colégio; Graham tem um jeitão meio hippie, meio boêmio, usa cabelo comprido, só usa roupas esportivas, não tem profissão definida. Uma tarde saem juntos, Ann e Graham, para procurar uma casa para ele alugar – enquanto John aproveita a ausência da mulher para satisfazer uma fantasia de Cynthia, que é trepar na cama da irmã. Ann e Graham conversam; embora seja um tanto tímida e recatada, Ann sente confiança em Graham, a ponto de dizer a ele que não tem feito sexo (ela jamais havia usado a expressão trepar) com o marido, e que acha que as pessoas supervalorizam a importância do sexo. Graham conta para ela que é impotente – só consegue ter ereção quando está sozinho, nunca junto de uma mulher, o que o torna, na prática, como ele mesmo diz, impotente. As situações estão colocadas para que comece a haver uma série de conflitos. É muito impressionante como, aos 26 anos, conseguiu belíssimas atuações dos quatro atores que fazem os papéis centrais – além deles, apenas aparecem no filme outras cinco pessoas, mas sem qualquer destaque; tudo é centrado no quadrado amoroso. Andie MacDowell, especialmente, está brilhante, perfeita, numa atuação digna de atriz com muito estudo e preparo sério em boas escolas de teatro. O que torna a direção de atores de Soderbergh ainda mais soberba, porque ela não tinha nada de experiência dramática: depois de uma carreira como modelo, estava começando na profissão; tinha participado antes apenas de dois filmes e alguns episódios de séries de TV. Por sua interpretação de Ann, recebeu três indicações para prêmios, inclusive o Globo de Ouro. |
A vida de Anne (Juliette Binoche), a protagonista de Elles, é um horror insuportável. As jovens Charlotte e Alicja levam vidas bem mais leves, quase tranquilas, prazerosas. Anne é jornalista, mãe de dois filhos, classe média para média alta. Charlotte (Anaïs Demoustier) e Alicja (Joanna Kulig) são garotas de programa em meio expediente. Bem, a rigor, não são exatamente tranquilas, prazerosas, as vidas das moças. Um dos clientes de Alicja urina em cima dela, e Charlotte já teve pelo menos uma experiência de agressão violentíssima, quando um cliente enfiou o gargalo de uma garrafa em seu ânus. Ao contrário – não parecem humilhadas, ofendidas, com o fato de se prostituírem. Alicja (na foto ao lado) veio da sua Polônia natal para estudar em Paris. A vida é cara, e rapidamente ela percebeu que não daria para viver com conforto apenas com o dinheiro que a mãe lhe enviava. E então demonstra orgulho por, após um mês de prostituição em meio período, enquanto continua seus estudos (será mesmo que continua?), estar morando bem em Paris. Além disso, é chegada a uma vodca, o que seguramente ajuda a tocar a vida. Charlotte (na foto abaixo) fez a opção de vender o corpo simplesmente porque os trabalhos que tinha antes, como garçonete, eram muito duros e mal pagos. Vive com os pais, tem namorado firme, e seu maior problema, o que a incomoda, é o fato de ter sempre que mentir para os conhecidos, e esconder de onde vem o dinheiro que ganha. Às vezes até se diverte: conta para Anne, a jornalista, que o cliente que vai ver naquela noite é bonitinho. Um peso imenso, uma carga tripla de trabalho sobre os ombros da protagonista Anne está fazendo uma reportagem para a revista Elle sobre estudantes – moças de classe média, não pobres, miseráveis – que se prostituem. Quando a ação começa, Anne está escrevendo o texto que terá que entregar na manhã seguinte. As roteiristas – a própria diretora, a polonesa Malgoska Szumowska, e a francesa Tine Byrckel, jornalista e psicanalista – comprimiram em um único dia toda a ação. Como em tantas narrativas clássicas e/ou modernas, do Ulysses de James Joyce a Sábado de Ian McEwan, passando por Matar ou Morrer/High Noon de Fred Zinnemann a Pacto Sinistro/The Rope de Alfred Hitchcock. A narrativa de Elles começa então no alvorecer de um dia, para terminar na manhã do dia seguinte. Mas haverá flashbacks, para mostrar Anne entrevistando Charlotte e Alicja – e também alguns dos fatos que as duas moças relatam para a jornalista, alguns de seus encontros com clientes. Escrevendo, reescrevendo, ouvindo as fitas com as entrevistas, conferindo as anotações. A primeira seqüência que o espectador vê, na verdade, é de uma felação. As imagens dos atos sexuais descritos por suas entrevistadas povoam a cabeça de Anne, como um feitiço, como fantasmas. Veremos que a relação de Anne com o marido, Patrick (Louis-Do de Lencquesaing), não anda nada bem. Foi tragada pela rotina, pela correria, pelo excesso de trabalho dos dois, pela dupla ou tripla jornada de Anne. O filho mais velho, Florent (François Civil), um aborrescente aí de uns 15, 16 anos, fará comentários irônicos sobre a relação desgastada dos pais. Ao longo daquele dia após uma noite passada em claro, em que precisa terminar de escrever o texto de sua reportagem para entregar à revista na manhã seguinte, Anne terá que: * preocupar-se com Florent, que – ela ficará sabendo naquele dia mesmo – tem faltado às aulas na escola, e anda fumando maconha; * preocupar-se com Stéphane (Pablo Beugnet), o filho mais novo, aí de uns oito anos, que passa todo o tempo grudado em videogames; * visitar o pai doente no hospital (interpretado por Jean-Marie Binoche – o pai dela na vida real, segundo me confirmou a Jussara Ormond após uma pesquisa na internet); * cozinhar o jantar para o patrão do marido, que virá visitar o casal à noite; * cuidar da casa – pôr alguma ordem nas coisas espalhadas pelo amplo apartamento pelo marido e pelos dois filhos bagunceiros, desordeiros, incapazes de ajudar na tarefa básica de manter uma mínima ordem na casa; * ao final do dia, aprontar-se, botar um belo vestido, pentear o cabelo, apresentar-se perfeita diante dos convidados – e ainda seguir as recomendações do marido de não vir com papos feministas à mesa; * e, at last but not least, conviver com os fantasmas, as inquietações trazidas para dentro de sua cabeça pelas entrevistas com as duas jovens prostitutas, e encarar a frustação com sua própria vida sexual. A câmara de mão nervosa aumenta o clima de sufoco, tensão O que o filme mostra é que, dentro daquele amplo, confortável, bem mobiliado apartamento, a burguesa Anne leva uma vida besta. Poucas vezes o cinema terá mostrado com tanta força, tanta virulência, como é trágico o cotidiano de jornada dupla, tripla, quadrúpula da mulher moderna. A diretora Malgoska Szumowska e seu diretor de fotografia Michal Englert realçam esse clima sufocante fazendo a câmara de mão perseguir os apressados passos de Anne dentro de seu apartamento. A câmara de mão nervosa aumenta o clima de sufoco, tensão. Essas seqüências com câmara de mão são alternadas com tomadas em que a câmara fica fixa diante de Anne no trabalho no computador, ou diante dos rostos jovens e belos das atrizes que interpretam Charlotte e Alicja. Malgoska Szumowska é também bastante jovem; nasceu na Cracóvia em 1973; estava, portanto, com 38 anos quando Elles foi lançado. Vem de uma família ligada a texto e a cinema: o pai é um jornalista famoso, a mãe é escritora; tem um irmão diretor de cinema e uma irmã escritora. Sua filmografia como diretora tem 11 títulos – alguns deles são documentários de curta-metragem, e outros são segmentos de filmes assinados por vários realizadores. Seu filme anterior, 33 sceny z zycia, em inglês 33 Scenes from Life, de 2008, amealhou nove prêmios. Como diretora de atores, Malgoska Szumowska demonstra uma maturidade de profissional de décadas e décadas de estrada. Joanna Kulig, que faz a polonesinha Alicja, nasceu em 1982, estudou arte dramática na Cracóvia e já tem 16 títulos em sua filmografia. Belíssima, tem imensos olhos azuis; está maravilhosa como essa garota um tanto revoltada, um tanto arisca, fechada, difícil de se chegar perto. Anaïs Demoustier está igualmente perfeita como a jovem que não vê grande drama em se prostituir – um trabalho bem mais leve e muito mais bem pago do que os outros que poderia ter – e tem um jeitinho doce, tranquilo, de moça de boa família. Embora jovem demais (nasceu em 1987), já coleciona 38 títulos na filmografia – inclusive com o badaladíssimo diretor Christophe Honoré, A Bela Junie, e com o excelente Robert Guédiguian, As Neves do Kilimanjaro. Aos 47 anos, Juliette Binoche parece ter sido trabalhosamente produzida para parecer… ahn, não propriamente feia, porque isso seria impossível, mas desgastada, cansada, tensa, pouco cuidada, sem tempo para tratar de sua própria aparência – o que realça a diferença entre Anne e as garotinhas que contam para ela como são as trepadas com seus clientes, garotinhas cheias de juventude e cuidados com o visual. Após uma noite em claro e um dia inteiro estafante, no entanto, Anne-Juliette Binoche se produz, bota um vestido elegante e – shazam! – está pronta para aparecer não nos textos, mas na capa da Elle ou de qualquer outra revista feminina. Já foi indicada para 38 prêmios, e ganhou 18, inclusive um Oscar, um Bafta e um Urso de Prata em Berlim (por O Paciente Inglês, de 1999). Mas eu diria que sua interpretação como essa triste, pobre, angustiada Anne é um dos melhores de sua carreira maravilhosa. Cenas explícitas de sexo – mas o filme passa a anos-luz da apelação Em 1964 – quando, portanto, o mundo e o cinema eram bem diferentes, e passava-se muito longe das explicitudes todas que viriam depois –, Billy Wilder fez um filme, Beije-me, Idiota, em que mostrava uma dona de casa que queria ter seu dia de puta, e uma puta que queria ter seu dia de dona de casa. Uma tal de Liga Católica de Decência estigmatizou o filme com a classificação C, de condamned, condenado, a pior possível. Segundo Pauline Kael notou, Beije-me, Idiota foi recebido com os adjetivos grosseiro, obsceno, repelente. Beije-me, Idiota é um filme que pode ser visto hoje por qualquer criança. Elles tem seqüências de sexo bastante explícitas (o que me faz botá-lo na tag QuasePornô). Mas não chegam a ser sequências apelativas, ao contrário de diversos outros filmes que estão nessa tag. Nisso, Elles é o exato oposto, por exemplo, dos espanhóis Dieta Mediterrânea e Diário Proibido, que são pornôs apenas levemente disfarçados. Malgoska Szumowska mostra tudo com a mais absoluta naturalidade – a mesma naturalidade com que Charlotte e Alicja contam para Anne alguns detalhes de seu trabalho. A corajosa seqüência em que Anne se masturba, por exemplo, me pareceu mais angustiante, dramática, triste, desesperada, do que sensual. Um filme que mostra pequeninos detalhes cotidianos, como só uma mulher faria Mas, ao fim e ao cabo, além de expor o absurdo que é o fato de as mulheres na nossa sociedade terem jornada de trabalho dupla, tripla, quádrupla, o filme não teria como moral da história o fato de que é mais fácil, mais bem pago, mais prazeroso ser prostituta do que trabalhadora-dona de casa-esposa-mãe? Ao fim e ao cabo, é o espectador que tira suas conclusões. Em entrevistas, tanto a diretora Malgoska Szumowska quanto a co-roteirista Tine Byrckel disseram e repetiram que não pretendiam fazer qualquer julgamento moral – queriam mostrar uma realidade. Tine Byrckel conta que a idéia original de se fazer o filme foi da produtora Marianne Slot. “A mídia fala regularmente dessas jovens mulheres que se prostituem para conseguir terminar os estudos. A prostituição é o ato máximo de liberação para a mulher, ou um intolerável ato de submissão? Queríamos apresentar essas questões sem fazer qualquer julgamento, coisa que o cinema permite fazer mais do que qualquer outro meio de comunicação.” A co-roteirista conta que ela e a produtora Marianne Slot haviam ficado encantadas com o filme anterior de Malgoska Szumowska, 33 Scenes from Life. “Ela tem uma habilidade única de filmar o universo em todos os seus pequeninos detalhes.” Mary e eu ficamos impressionadíssimos com a capacidade dessa jovem realizadora polonesa de mostrar os pequenos, ínfimos detalhes de que é feito nosso dia-a-dia. Quando Anne chega do supermercado e vai guardar as compras na geladeira, por exemplo, deixa cair um pedacinho de carne no chão, e tem que reabir a geladeira para guardá-lo. Por várias vezes, a porta da geladeira não fecha; Anne primeiro tenta forçar a barra, mas depois tem que observar o que é exatamente que não está permitindo que a porta se feche. Ao jogar a roupa dos filhos dentro da máquina de lavar, Anne tem que se livrar de um boneco do homem-aranha, brinquedo do caçula, deixado ali. O boneco cai sobre ela, e Anne tem que mais uma vez jogá-lo para cima da máquina. São exemplos desses pequeninos detalhes, que de fato só uma realizadora mulher poderia mostrar tão bem. A diretora confessa que ficou chocada com o que ouviu de jovens prostitutas Tine Byrckel conta que ela e Malgoska Szumowska escreveram boa parte do roteiro em Varsóvia, e só mais tarde fizeram o que se costuma chamar de pesquisa de campo. Encomendaram à documentarista Hélène de Crécy uma série de entrevistas com jovens mezzo estudantes, mezzo prostitutas. “Ela ficou tão fascinada pelas histórias que fez um documentário, Escort, também produzido por Marianne Slot.” Malgoska Szumowska conta que, antes do início das filmagens, teve alguns encontros com jovens prostitutas. “Eu sabia, pela leitura dos jornais, que na Polônia muitas estudantes mulheres são forçadas a dormir com os donos dos quartos em que vivem. O relato de uma jovem que era bela e elegante me deixou uma impressão forte. Desde o início da entrevista, ela só falava sobre sexo, o que ela fazia e o que ela gostava de fazer. Chocada com o fato de que uma moça tão bonita e inteligente tivesse prazer de dormir com homens por dinheiro. E não era apenas para obter coisas vitais como casa e comida, mas também por prazer, para ter uma vida mais agradável. Na verdade, é muito diferente do que a maioria das pessoas pensam sobre prostituição.” Tine Byrckel diz que, ao imaginar a história de Elles, pensou em Mrs. Dalloway, de Virginia Wolf – no livro, como no filme dirigido pela holandesa Marleen Gorris, narra-se o dia na vida de uma mulher que está preparando um jantar, uma recepção para um grupo de amigos à noite. “O que me interessa é a exatidão nas pequenas emoções transmitidas por gestos espontâneos. Ela sabe mostrar a intimidade de seus personagens – com uma maestria rara. Cada espectador pode concluir o que bem entender, após ver este filme impressionante, atordoante. Mas uma conclusão é inevitável: eis aí uma realizadora de imenso talento. Geralmente gosto bastante de filmes escritos e/ou dirigidos por mulheres, por causa da sensibilidade que só as mulheres possuem, e dos detalhes que elas mostram, como você bem cita no texto (que como sempre, me deixou com vontade de assistir). A diretora foi muito inteligente ao convidar atrizes que conseguem falar com os olhos, ao utilizar muito a câmera subjetiva e praticamente nenhuma trilha sonora (A música mais significativa, aliás, é aquela interpretada pela Joanna Kulig). […] (interpretada por Anaïs Demoustier, na foto acima, de O Preço a Pagar, As Neves do Kilimanjaro, Elas, Thérèse Desqueyroux) parecem um casal feliz. |
E ele está tão forte agora quanto há 40 anos, quando vi o filme três vezes, entre dezembro de 1966 e março de 1967. É uma visão arrasadora da sociedade americana, em que quase, mas quase tudo é absolutamente podre, corrupto, sujo. Fez lembrar o que aquele autor inglês Ivor Montagu dizia em seu livro Film World – que Einsestein não poderia mesmo ter filmado nos Estados Unidos, como queria, A Tragédia Americana, porque seria devastador demais. Arthur Penn conseguiu fazer este filme devastador demais – e, por causa disso, só faltou ser crucificado. O filme abre com dois homens correndo, e diversos policiais indo atrás deles. Várias tomadas da fuga dos dois no meio do mato e dos policiais fortemente armados e com seus cães de caça atrás deles vão sendo mostradas ainda durante os letreiros iniciais, a apresentação, na qual o espectador vê os nomes de diversos grandes atores – Marlon Brando, Jane Fonda, Robert Redford, E.G.Marshall, James Fox, Robert Duvall, Marta Hyer, Janice Rule, Miriam Hopkins -, do produtor Sam Spiegel (de A Ponte do Rio Kwai e Lawrence da Arábia), do diretor Arthur Penn, um dos mais importantes do cinema americano, e, como roteirista, a escritora e dramaturga Lillian Hellman, uma das personalidades mais fascinantes do século. É um desfilar de nomes importantes, de grandes talentos, enquanto o espectador vai vendo a caçada humana – o início dela. Logo após o final da apresentação, o espectador vê que os dois presos fazem parar um carro na estrada; a intenção era amarrar o motorista, deixá-lo ali e fugir com o carro para o México, mas um dois mata o sujeito e foge sozinho, deixando para trás o companheiro, que – isso é mostrado explicitamente – havia ficado indignado com o assassinato. Nos primeiros 15 minutos, Arthur Penn apresenta aos espectadores a galeria dos muitos personagens da história e dos muitos temas que serão tratados no filme. É uma panorâmica da vida de uma pequena cidade do Texas, um microcosmo do país mais rico do mundo. O xerife Calder (Marlon Brando), que mora na própria delegacia, com a bela mulher (Angie Dickinson), recebe por telefone a informação de que Bubber Reeves (Robert Redford) fugiu da penitenciária, juntamente com um bandido perigoso. A conversa é ouvida por um cidadão que havia ido fazer uma queixa qualquer na delegacia, e ele se encarrega em seguida de espalhar a notícia para toda a cidade. . alguns moradores acusam o xerife Calder de prestar serviços a Val Rogers (E.G.Marshall), o homem mais rico da cidade; . o filho do milionário Val Rogers, Jake (James Fox), é casado, mas tem um caso com Anna Reeves (Jane Fonda), a mulher de Bubber, o fugitivo; . Bubber tinha ido parar na cadeia por furto de carros, e era muito amigo de Jake, o filho do milionário; . praticamente todos na cidade trabalham para o milionário Val Rogers, de uma forma ou de outra. Enquanto vai dando essa panorâmica, Arthur Penn aproveita para mostrar – em duas seqüências intercaladas às outras que apresentam os personagens principais da história – como os bancos esfolam os pequenos fazendeiros, como os muitos empreendimentos do milionário exploram a mão de obra barata e ilegal de imigrantes mexicanos, e como o racismo está profundamente impregnado naquela sociedade. Logo depois que Bubber Reeves é abandonado na estrada pelo colega, passa um carro velhíssimo com uma negra dirigindo, ao lado do filho, um garotinho de uns dez anos; o garotinho chama a atenção da mãe para o homem que, ao ver o carro se aproximar, foge para dentro do mato – “ele está com roupa de preso”, diz, e sugere avisar a polícia. É de tirar o fôlego – mas as coisas vão piorar cada vez mais; haverá traições de vários tipos, demonstrações de racismo, de inveja profunda, de ódio, de intolerância, de violência de todas as formas. O xerife Caldwell terá seu dia do xerife Will Kane, o personagem emblemático de Matar ou Morrer/High Noon, um homem sozinho tentando fazer cumprir as leis numa selva de loucos e covardes. A crítica americana foi absolutamente impiedosa, e, em uníssono, arrasou o filme – que, na Europa, não por mero acaso, colecionou elogios. Arthur Penn, como aconteceria anos mais tarde com Woody Allen, sempre foi mais badalado pela crítica européia do que pela de seu próprio país. Pauline Kael, cuja metralhadora giratória dispara contra a direita (chama, por exemplo, Dirty Harry de fascista, no que aliás tem toda razão), mostra que também atira na esquerda. Pela importância do filme, e da própria Pauline Kael, transcrevo a tradução feita por Sérgio Augusto em 1001 Noites no Cinema: “Marlon Brando fazendo o xerife de uma cidadezinha corrupta e sanguinária do Texas, em uma América mítica das fantasias sadomasoquistas dos liberais. Lillian Hellman escreveu o argumento (com material de Horton Foote), e as raposinhas de fato se soltaram.” Sérgio Augusto não explicou o que isso quer dizer, mas as raposinhas são uma referência a Little Foxes, uma das peças mais famosas de Lillian Hellman. Outra coisa: no original está dito que Lillian Hellman escreveu o screenplay, o roteiro, e não argumento, como Sérgio Augusto traduziu.) “Não restam uvas em nossas vinhas nesse fim de mundo de troca de esposas, ódio aos negros e aos seus defensores, onde as pessoas são motivadas por sexo baixo ou dinheiro graúdo, etiquetadas assim que dizem as primeiras falas. Muita gente no mundo inteiro culpa o Texas pelo assassinato de Kennedy – como se o assassinato houvese brotado do inconsciente da população local -, e o filme explora e confirma essa visão histérica, chegando a mostrar uma imitação dos tiros de Jack Ruby em Lee Oswald, com um cortês sulista racista, naturalmente branco, substituindo Ruby, e um herói totalmente inocente (Robert Redford) substituindo Oswald. O produtor Sam Spiegel disse que a história trata das “conseqüências da riqueza”, e o filme lembra uma Doce Vida caipira. Lillian Hellman manifestou em público seu desagrado com o resultado, e reconheceu-se em geral que o diretor, Arthur Penn (que tentou atear fogo em tudo com a velha bazuca de Elia Kazan), não teve controle sobre a produção. Mas o filme atinge algumas pessoas com muita força, e tem uma considerável reputação, sobretudo na Europa.” O livro The Films of Jane Fonda, de George Haddad-Garcia, publicado em 1981, reproduz trechos de críticas de vários jornais e revistas – Life, Time, The New York Times, New York Herald Tribune, New York Daily News – que disputam ferozmente para ver quem malha mais o filme. Um deles disse que o filme é a pior coisa que aconteceu com o cinema desde o ano em que Lassie interpretou um veterano de guerra com amnésia. Teve nego que chegou a dizer que Jane Fonda não servia para trabalhar em drama. Nesse mesmo livro, há uma declaração de Robert Redford, conhecido por suas posições liberais, progressistas, “de esquerda”, nas definições americanas. Segundo ele, o problema foi que o filme quis contar histórias demais, em vez de centrar-se na caçada humana e nos quatro personagens principais – o dele mesmo, Bubber Reeves, o fugitivo, a mulher dele, o papel de Jane Fonda, o milionário e o xerife: “Era uma caçada, mas o filme não foi uma caçada – ele tentou tratar de todos os conceitos liberais dos direitos civis”. Na sua belíssima autobiografia, Minha Vida Até Agora, Jane Fonda não presta a atenção devida ao filme que fez quando estava com 29 anos – o primeiro dos três que faria ao lado de Robert Redford, que na época estava, aos 30 anos, iniciando a caminhada para o super- estrelato. Ela apenas menciona os grandes nomes envolvidos na produção, e diz: No entanto, o que eu estava para descobrir era que nem mesmo o melhor pacote de talentos pode garantir o sucesso. Enquanto o filme foi razoavelmente bem na Europa, foi um fracasso total nos EUA.” Não fez sucesso nos Estados Unidos porque não faria mesmo, em hipótese alguma, porque é anti-americano demais. É uma imagem cruel demais essa que o filme mostra – ninguém gostaria de ver essa imagem no espelho. Não sei se existe uma definição melhor do que a tua,Sergio,para dizer porque este filme não fêz sucesso nos EUA. Uma cidade pequena lá nos cafundós do Texas onde existe de tudo;adultérios (escancarados)espancamentos,racismo(como sempre)e traições. Era irritante como aquela “gente”achava que o xerife era pau mandado do rei do petróleo. O filme é forte.A surra que aplicaram no xerife foi de uma covardia sem limites. Aquela festa na casa do Edwin(Robert Duvall)que coisa mais ridícula e idiota,um bando de adultos já indo prá fase dos “coroas” dando uma de “jovem guarda”. A intolerância era tal e tamanha que até aqueles(aí sim)jóvens foram atraz do prisioneiro. […] Lembrei desta frase ao ver, alguns minutos atrás, a notícia da morte de Dennis Hopper, aos 74 anos de idade. Imediatamente me ocorreu que Dennis Hopper foi se encontrar com James Dean e Marlon Brando. […] […] Lembrei desta frase ao ver, alguns minutos atrás, a notícia da morte de Dennis Hopper, aos 74 anos de idade. Imediatamente me ocorreu que Dennis Hopper foi se encontrar com James Dean e Marlon Brando. […] […] de O Milagre de Annie Sullivan/The Miracle Worker, o segundo dos poucos filmes dirigidos por Arthur Penn – pouquíssimos, mas o suficiente para garantir seu lugar entre os mais importantes cineastas […] […] até haver filmes tão pessimistas sobre a sociedade americana quanto Kansas City. Talvez Caçada Humana/The Chase, de Arthur Penn, Nos Tempos do Ragtime/Ragtime, de Milos Forman, Era uma Vez na América, de […] |
Interessante ter visto este filme apenas dias depois de ver This Happy Breed, do mestre David Lean, de 1944. São duas obras do mesmo país, falando sobre o mesmo tema, a guerra, mas de forma tão absolutamente diferente. Entende-se e admite-se que Lean tenha feito um filme que elogia a coragem, o brio dos ingleses; é puro esforço de guerra, era 1944, havia o nazismo a combater, o nazismo que matava milhões de inocentes e despejava bombas sobre a Inglaterra. Este outro filme é panfletaço sobre o horror da guerra e a imbecilidade que é cada ser humano ser obrigado a participar dela. Conta a história de alguns homens que a Primeira Guerra enlouqueceu, e o trabalho de um oficial médico cujo dever é torná-los prontos para voltar para o front. Nesse processo, ele (uma fantástica interpretação do grande Pryce) vai percebendo a grande loucura que é o seu próprio trabalho. |
Os protagonistas do filme são Diane Keaton e Sam Shepard, dois bons, belos, inteligentes, simpáticos atores, ele também bom dramaturgo, ela também cineasta interessante – e então resolvi experimentar. Nunca tinha ouvido falar deste Herança de Amor, título brasileiro que não tem nada a ver com o original The Only Thrill, algo tipo a única emoção, o único tremor. Fiquei sabendo depois que o filme, de 1997, estava estreando na programação do Telecine. Ao longo do filme, fiquei com a sensação de que é assim uma espécie de cruzamento de A Última Sessão de Cinema com Tudo Bem no Ano que Vem. Mais ou menos isso – só que bem inferior aos dois. De A Última Sessão ele tem o local da ação, uma cidade pequena do interior do Texas da metade do século XX, onde o sexo é o principal assunto, mais as referências ao cinema, a filmes. De Tudo Bem no Ano que Vem, tem a característica de se passar ao longo de um período muito grande de tempo, e a narrativa dar grandes saltos na cronologia. Mas, para quem não viu os dois filmes citados, não está muito objetivo. Tentando objetivar, é assim: é um pequeno drama sobre pessoas bem comuns que simplesmente não conseguem ser felizes no amor; não conseguem romper barreiras, explicitar o que sentem, entregar-se aos sentimentos, viver juntos – e só vão perceber totalmente que jogaram a vida fora quando não há mais tempo para aproveitar o que poderia ter sido bom. Com mais objetividade, o AllMovie sinteza: “é um drama sobre amor e como ele pode dar errado”. A ação começa em 1966 – não guardei o nome da pequena cidade texana, mas isso importa pouco, ou nada. Carol Fitzsimmons (Diane Keaton) é viúva – perdeu o marido em um acidente de carro. Para sobreviver, trabalha como costureira, e oferece seus serviços a Reese McHenry (Sam Shepard), dono de uma grande loja de roupas da cidade. Bonitão, rico, comerciante não mal de vida, com um Cadillac conversível, Reese é um sujeito procurado pelas mulheres; Joleen (Sharon Lawrence), casada com um amigo de Reese, dá em cima dele, e ele a come num motel de vez em quando. Mas não quer compromisso, e comunica a Joleen que não quer mais vê-la. Reese ama a esposa, que está em coma; com um código de honra rígido, ele não esconde de ninguém que jamais terá um caso firme com outra mulher enquanto a esposa estiver viva. Reese e Carol têm uma transa de um dia – um dia de verão, em que a filha dela, Katharine (Diane Lane), de uns 13 anos, está em um acampamento com o filho dele, Tom (Robert Patrick). Durante todo esse período, Reese e Carol conviveram como bons amigos; vão ao cinema nas tardes de toda quarta-feira, e depois conversam e bebem em um bar da cidade. Tom e Katharine – que nunca mais tinham se revisto ao longo desses 12 anos – se reencontram, e têm um romance de uma semana. Não dá, é claro, para saber se essa história – o roteiro, de Larry Ketron, é baseado numa peça de teatro de autoria dele mesmo, The Trading Post – poderia ter rendido um bom filme, nas mãos de um diretor mais talentoso. O filme é dirigido por Peter Masterson, que é também escritor e ator, mas que não chega a ser um grande cineasta; seu filme mais famoso é Regresso para Bountiful, de 1985. Nem mesmo os atores principais estão muito bem – não estão ruins, mas não chegam a brilhar. (Por coincidência, ou não, os dois haviam trabalhado juntos em um filme bem gostoso, simpático, anti-yuppie, anti-carreirismo, pró-valores corretos, solidariedade, amizade, Presente de Grego/Baby Boom, feito dez anos antes de Herança de Amor, em 1987.) Até mesmo as referências a cinema, a filmes, que estão bastante presentes na história, parecem ralas, meio bobinhas, meio forçadas, meio para encher lingüiça. Carol é uma apaixonada por filmes – Reese, antes de conhecê-la, não dava a menor bola para cinema. Passam a freqüentar a matinê das quartas-feiras, vêem os filmes de cada uma das épocas – em 1978, o segundo período de tempo dos vários focalizados na história, o cinema da cidadezinha está às traças. Reese diz a Carol que as lojas já estão recebendo um aparelho que exibe os filmes dentro das casas das pessoas, na TV, uma novidade chamada videocassete. Carol diz que aquilo é um absurdo, filme é para se ver no cinema, na tela grande, as luzes se apagando, pipoca na mão. Dá a sensação de que querem com isso tentar algo da mágica de A Última Sessão de Cinema. Assim como seus personagens não conseguem sequer tentar ser felizes, o filme não consegue deixar de ser só fraquinho. Regina Lemos seguramente faria um texto brilhante sobre isso; faço apenas um pequeno registro. É fascinante ver como Carol Fitzsimmons, texana viúva classe média de cidade pequena, se veste exatamente, exatíssimamente igual a Annie Hall do filme do mesmo nome, de 1977; a Mary de Manhattan, de 1979. Fantástico: ela se veste como os personagens nova-iorquinos – intelectuais, modernos, charmosos, uptodate – de Diane Keaton. Ela se veste, enfim, como a nova-iorquina Diane Keaton, e não como Carol, a texana do interior. É um delicioso caso de a verossimilhança ser jogada fora para que a atriz seja ela própria, para que sua personalidade seja preservada. Para gostar deste filme, é preciso ter amado pelo menos uma vez na vida. Se deixar a mente intrometer e ficar fazendo julgamentos, assim como na vida, não haverá graça. É um filme inesquecível que serve para nos alertar, para nos acordar para a vida e para o amor, porque o tempo passa sim meu amigo, e como passa. Annie Hall, de 1977, foi a primeira obra-prima de Woody Allen. Genial, brilhante, o filme solta faíscas de talento a cada minuto. Até a Academia se rendeu, e premiou o filme com quatro Oscars, nas categorias mais importantes: melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original, melhor atriz para Diane Keaton. […] |
A versão original, feita 66 anos antes, em 1945, é um grande clássico. Tem no papel título uma das maiores estrelas do cinema, Joan Crawford; o diretor é Michael Curtiz, o autor de Casablanca, entre muitos outros belos filmes. Mildred Pierce original (no Brasil, Alma em Suplício) teve seis indicações ao Oscar: melhor filme, melhor roteiro, melhor fotografia, melhor atriz para Joan Crawford, melhor atriz coadjuvante para Eve Arden e Ann Blyth. Só Joan Crawford ganhou o prêmio, mas o filme é sem dúvida um dos melhores melodramas já feitos pelo cinema americano. O filme de Michael Curtiz, no entanto, não é fiel ao romance Mildred Pierce, que havia sido publicado em 1941. Já a refilmagem de 2011 é, por tudo o que se diz (eu mesmo não li o livro), extremamente fiel à história original. Segundo a Wikipedia, diversos dos diálogos do romance foram fielmente transcritos, palavra por palavra. É uma minissérie de cinco capítulos com cerca de uma hora cada um, co-produzida pela HBO e pela Metro-Goldwyn-Mayer. Teve um orçamento de US$ 20 milhões, bastante confortável para um filme feito para a TV. A reconstituição de época – a história se passa em Los Angeles e arredores, entre 1931 e 1937 – é uma daquelas obras de artesanato perfeitas, que enchem os olhos do espectador. Edward Lachman, diretor de fotografia; Mark Friedberg, desenho de produção; Peter Rogness, direção de arte, e Ann Roth, figurinos. Fizeram questão de gastar muito, de esnobar: há longos travellings pelas ruas de uma Los Angeles reconstruída meticulosamente; vêem-se dezenas e dezenas de carros dos anos 1930 passando pelas ruas; há dezenas e dezenas de cenários de interiores de casas, lojas, restaurantes, tudo cheio de pequeninos detalhes. O IMDb informa, por exemplo, que Kate Winslet usa 66 diferentes roupas ao longo da série. O que não deixa de ser um tanto irônico, já que a história se passa na Grande Depressão, o período mais negro da história dos Estados Unidos, com milhões de desempregados e famintos, e a minissérie foi feita em 2010, quando o país (assim como o resto do mundo) ainda não havia se recuperado da grande crise econômica iniciada em 2008, a segunda maior da história econômica americana. Para o Globo de Ouro, teve indicação de melhor obra na categoria de minissérie e/ou filme feito para a TV, melhor ator coadjuvante para Guy Pearce, melhor atriz coadjuvante para Evan Rachel Wood e melhor atriz para Kate Winslet. Só por Kate Winslet já valeria a pena ver Mildred Pierce 2011. Além do apuro técnico, do deslumbre visual, mas há muito mais. A trama é excelente, forte; trata de vários temas importantes, de forma corajosa. A direção, de Todd Haynes, esse jovem diretor de imenso talento, é impecável. Bem, Kate Winslet é mesmo um show, em qualquer filme de que participa. Eu ousaria dizer que Kate Winslet é hoje a atriz mais completa, mais versátil, mais talentosa do cinema de língua inglesa depois de Meryl Streep. Mas a moça, nascida em Reading, perto de Londres, em 1975 (estava portanto com 36 anos em 2011), já ganhou 48 prêmios e teve outras 69 indicações, numa carreira de 40 títulos. Teve seis indicações ao Oscar – ganhou um, por O Leitor, de 2009. Seis indicações ao Bafta – ganhou dois, como coadjuvante em Razão e Sensibilidade, de 1996, e como atriz principal por O Leitor. Não seria fácil para nenhuma atriz interpretar o papel que foi feito por Joan Crawford no auge de sua força na tela. Não deve ter sido fácil nem mesmo para Kate – mas ela se sai maravilhosamente bem na prova de fogo. O escritor Stephen King, autor de tantos livros adaptados para o cinema, escreveu sobre a minissérie; reclamou que é longa demais, mas fez os maiores elogios a Kate Winslet, e terminou dizendo: A ação de Mildred Pierce se estende, como já foi dito, por vários anos. Começa em 1931, período que ocupa os três primeiros dos cinco capítulos da minissérie; no quarto capítulo, há um salto no tempo para 1937. A personagem título participa praticamente de todos os fatos mostrados ao longo dos 341 minutos de duração. Tudo gira em torno de Mildred Pierce – portanto, Kate Winslet está em cena praticamente ao longo de todas essas 5 horas e 41 minutos. A vida dela é uma série interminável de duríssimas batalhas, provações, privações. Dá a volta por cima como o narrador do samba de Paulo Vanzolini – mas, assim que acaba de dar uma volta por cima, é abatida por um novo golpe. E aí, de novo, ela “reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Para ser nocauteada novamente pelo destino, pela vida, por algumas das pessoas que a cercam. Bem no início da narrativa, Mildred incentiva o marido, Bert Pierce (Brían F. O’Byrne, excelente, na foto abaixo), a cascar fora de casa. Está cansada de saber que Bert tem uma amante, uma tal Maggie Biederhof. Nas primeiras tomadas, Mildred está na cozinha, preparando tortas e bolos que vende para pessoas da vizinhança, em Glendale, norte de Los Angeles. Moram numa casa confortável, algo como classe média média da Califórnia, o que para nós mais pareceria classe média para alta. Quando ele entra na cozinha para tomar um refresco e dizer que vai sair, Mildred puxa a discussão. Como em tantas discussões, o tom vai subindo – e bem rapidamente chega-se ao ponto em que Mildred diz que, se ele sair e for se encontrar com a tal Biederhof, então que faça a mala e saia de casa de uma vez. A minissérie de quase 6 horas de duração está nos seus primeiros 7 minutos quando Bert Pierce pega uma malinha, entra no seu carro e vai embora. Mildred está sozinha na vida para cuidar das duas filhas, Veda (Morgan Turner), de uns 12 anos, e Ray (Quinn McColgan), de uns 7 ou 8. Mildred ainda está trabalhando na cozinha quando entra Lucy (o papel da sempre ótima Melissa Leo), a melhor amiga dela. – “Você acaba de entrar para o maior Exército da Terra. Você é a grande instituição americana que nunca é mencionada no 4 de Julho.” (Seria necessário lembrar que o 4 de Julho é o 7 de Setembro deles, o dia da Independência?) Todd Haynes e seu co-roteirista, Jon Raymond, fazem questão de não explicitar qual era o passado daquele casamento que se desfaz bem no iniciozinho da história. Não há flashback algum, em toda a narrativa, que segue rigorosamente a ordem cronológica. Enquanto o marido traidor e a mulher trabalhadora discutem, a câmara passeia um pouco pela casa da família. Vemos um quadro com o desenho de um empreendimento imobiliário chamado Pierce Homes, depois uma foto daquele loteamento. Assim, aqui e ali vão sendo dadas ao espectador algumas pinceladas de informações. Dá para deduzir que a família de Bert tinha algum dinheiro, alguns imóveis; que Bert havia criado aquele loteamento, e tinha juntado algumas economias. Mas isso foi no passado, antes de a ação começar e o país mergulhar na depressão a partir do crack da Bolsa de Nova York em 1929. Naquele início de história, em 1931, Bert – como muitos milhões de americanos naqueles anos da Grande Depressão – estava desempregado. Provavelmente ainda tinha algum dinheiro poupado, mas Mildred tinha que se virar cozinhando para fora para conseguir enfrentar as despesas diárias, comprar as roupas das duas garotas. Nas primeiras semanas após Bert sair de casa, ele não dá pensão alguma para Mildred. E ela, até então apenas uma dona de casa sem qualquer preparo para um trabalho fora, se vê na necessidade de procurar um emprego – qualquer um que seja. As sequências, neste primeiro capítulo, de Mildred à procura de um emprego são de uma magnífica beleza – e de uma tristeza profunda. Lá pelas tantas, a câmara do diretor de fotografia Edward Lachman mostra um close-up dos pés de Mildred. Ela tira por um momento o sapato do lugar, e a câmara mostra que há sangue no ponto em a parte de trás do sapato encosta no iniciozinho da perna. Um melodrama sobre família criado por um escritor notável por suas tramas policiais É fascinante ver que essa história comovente, esse grande melodrama que mostra as durezas enfrentadas por uma mulher de fibra na luta pela sobrevivência, tenha sido escrito por um homem, e não por uma mulher. Não seria de se estranhar se a autora de Mildred Pierce, o romance que deu origem ao grande clássico de 1945 e a esta minissérie de 2011, fosse assinado por uma Fannie Hurst, que teve vários de seus livros transformados em filmes – Imitação da Vida, feito em 1934 com Claudette Colbert e refeito em 1959 com Lana Turner no papel central, Acordes do Coração, de 1946, com Joan Crawford no papel central, Esquina do Pecado, de 1932, com Irene Dunne como protagonista e refeito em 1961 com Susan Hayward. São, todos esses filmes citados aí, melodramas cuja figura central é sempre uma mulher batalhadora lutando numa sociedade machista. “A grande instituição americana que nunca é mencionada no 4 de Julho”, como diz, com uma ironia cruel, a personagem de Melissa Leo. Pois não só o autor é homem como é um escritor que ficou famoso por suas históriais policiais. Eu não me lembrava disso, e fiquei espantadíssimo ao ler seu nome dos créditos iniciais no primeiro capítulo da série. James Mallahan Cain (1892–1977) foi, diz a Wikipedia, “um escritor e jornalista americano. Embora ele próprio se opusesse com veemência a ser rotulado, ele é em geral associado à escola de ficção americana sobre crimes com os detetives hardboiled, e é visto como um dos criadores do romance noir. Diferentemente de muitos de seus personagens – gente classe média média, ou média baixa, de pouca instrução –, Cain nasceu em uma família razoavelmente abastada de Maryland e teve ótima educação. O pai era professor respeitado e a mãe, cantora de ópera, e o jovem James chegou a pensar numa carreira como cantor. (O tema ópera está bem presente nos dois capítulos finais de Mildred Pierce.) Formou-se no Washington College, do qual seu pai foi diretor, e começou a carreira de jornalista em Baltimore. Seu primeiro romance foi The Postman Always Rings Twice, lançado em 1934. Antes mesmo que Tay Garrett fizesse O Destino Bate à Sua Porta, um então jovem diretor italiano filmou a história, sem dar o crédito ao autor; Obsessão/Ossessione, de 1942, foi o primeiro filme de Luchino Visconti. A mesma história trágica seria filmada novamente nos anos 1980 por Bob Rafelson, com Jessica Lange e Jack Nicholson nos papéis que no filme de 1946 foram de Lana Turner e John Garfield. O mundo gira e a Lusitana roda, e então, no filme de 1981, Jack Nicholson come Jessica Lange em cima da mesa da cozinha do bar à beira da estrada. Fã dos velhos melodramas, Todd Haynes era o nome ideal para refazer Mildred Pierce A primeira versão de Mildred Pierce, vi muitos anos atrás, e não me lembro como são as insinuações de sensualidade. Na minissérie de agora, há várias seqüências bem claras de sexo, quase quasepornôs. O diretor Todd Haynes é um apaixonado pelos melodramas dos anos 1940, 1950. Em 2002, quando estava com 41 anos (nasceu em 1961 em Los Angeles, a cidade em que se passa a trama de Mildred Pierce), fez um filme extraordinário, Longe do Paraíso/Far From Heaven, com Julianne Moore, Dennis Quaid e Dennis Haysbert. Longe do Paraíso é uma bem feitíssima homenagem ao maior diretor de melodramas do cinema americano, o alemão de nascimento Douglas Sirk – não por coincidência o autor do citado acima Imitação da Vida. Longe do Paraíso é uma espécie de adaptação de uma das histórias filmadas por Douglas Sirk, Tudo o que o Céu Permite/All That Heaven Allows, de 1955. Assim como a personagem de Jane Wyman no filme dos anos 50, a personagem de Julianne Moore é uma mulher de classe média alta, que vive uma vida confortável num belo subúrbio americano. Assim como no anterior, a mulher vai sentir atração por um homem mais pobre que ela, um jardineiro. Assim como no anterior, os conflitos familiares vão explodir durante uma festa. Muitos dos temas de Longe do Paraíso estão em Mildred Pierce. Nos dois, o personagem central, o foco da história, é uma mulher. Nos dois, a protagonista tem que enfrentar os preconceitos de uma sociedade hipócrita. Mildred Pierce, no entanto, mais do que Longe do Paraíso, vai fundo na questão dos preconceitos sociais – o desprezo que os mais ricos têm pelos menos afortunados, mesmo quando estes conseguem, através de trabalho duro, suado, amealhar suas próprias fortunas. Aferrada à sua condição de classe média, resiste o quanto pode à idéia de trabalhar em posições consideradas inferiores. E sua filha Veda é o preconceito social ambulante, o classismo escarrado, nojento, abjeto. Todd Haynes é bom de melodrama, de dramas com boas observações sociais, mas não é cineasta de um gênero só. Em 2007, por exemplo, fez Não Estou Lá/I’m Not There, um filme belíssimo (mas complexo, difícil como o personagem retratado) sobre “as várias vidas de Bob Dylan”. Era o nome mais certo para fazer uma refilmagem de Mildred Pierce. Já considerava esta anotação pronta quando dei com um artigo de Artur Xexéo publicado em O Globo em 27 de abril de 2011, mais de dois anos atrás. O texto de Xexéo é ótimo, como sempre, e traz uma informação bem importante que não estava na minha anotação. “Pode um romance, escrito 70 anos atrás, retratando modos e costumes de sua época, fazer algum sentido em 2011? Mildred Pierce, a minissérie que a HBO está exibindo e cujo último capítulo vai ao ar no próximo domingo (1º de maio de 2011!), está provando que sim. (…) O livro de James M. Cain, escrito em 1941, virou um film noir clássico em 1945, inspirou uma telenovela brasileira em 1988 e agora é uma minissérie de TV que, neste 2011, destaca-se na dramaturgia fílmica americana deixando para trás qualquer filme de cinema que aquele país tenha produzido este ano. (…) “Quem tiver a chance de ver o filme, disponível em DVD (no Brasil, a versão em disco foi rebatizada de Alma em Suplício) e figurinha carimbada na programação de canais especializados em títulos de outrora, certamente verá semelhanças entre ele e a novela Vale tudo, de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva. No filme e na novela, a crise econômica — década de 40 nos Estados Unidos, anos 80 no Brasil — envolve toda a ação. O negócio da protagonista (Mildred no cinema, Raquel na novela) é comida. O ex-marido de Mildred e o ex-marido de Raquel são desempregados e gente boa.” O texto já está bem grande, e, se algum heróico leitor tiver conseguido chegar até aqui, poderia perfeitamente deixar o texto de lado agora. O que vem a seguir é uma observação extremamente pessoal – e depois algo que pode ser um spoiler. Dei de presente o DVD da minissérie para minha filha, alguns meses atrás. Era um bom presente, já que todas as referências à série eram extremamente positivas, mas era também interesseiro, porque eu poderia aproveitar e ver os DVDs dela. Outro dia fucei os DVDs de Fernanda e peguei uma dúzia de filmes emprestados. Perguntei se já tinha visto Mildred Pierce, e ela disse que não, mas que eu poderia pegar numa boa porque ela não teria tempo mesmo de ver, dedicada que está a cuidar de Marina. Quando terminamos de ver a série, Mary comentou que foi ótimo que Fernanda não tenha tido tempo de ver Mildred Pierce. Não é, de forma alguma, uma obra que deva ser vista por mulheres que deram à luz há pouco tempo. Mildred Pierce é uma das mais cruéis histórias de relação mãe e filha que já foram filmadas. Os conflitos entre a mãe (interpretada por Ingrid Bergman) e a filha (vivida por Liv Ullmann) de Sonata de Outono de Ingmar Bergman são fichinha perto do que a pobre Mildred Pierce vive com Veda, a filha primogênita (interpretada por Morgan Turner nos três primeiros capítulos e por Evan Rachel Wood, na foto, nos dois últimos). Veda é uma das criaturas mais abomináveis que já passaram por uma tela. A rigor, os confrontos entre Mildred e Veda são uma das bases de toda a trama, são um dos temas básicos da obra. Eu não quis salientar isso mais no começo desta anotação porque os confrontos vão num crescendo, e só explodem mais abertamente a partir do quarto capítulo, e então antecipar isso pode de fato ser um spoiler. Acho – acho, não; tenho a certeza de que não vou devolver Mildred Pierce para minha filha. Comprei o filme de 1945 se não me engano por alguma dica sua aqui no site. No filme de 1945 realmente não havia nada comparado ao que se vê hoje, talvez se veja mais do que seja necessário (e olhe que não sou moralista). Mas no filme de 1945 há uma cena (se não puder publicá-las no site, sendo spoiler, eu entendo)na qual Mildred surprende Veda beijando seu marido (de Mildred), pelo que me lembro, que beijo!Esse ficou mais marcado em mim que qualuqre outra cena explícta ou não que vi no cinema! Ótima minissérie, mas assim como o Stephen King eu também achei longa; o quarto episódio foi quase desnecessário, com apenas um acontecimento importante. O quinto também foi meio arrastado até culminar com o flagra (pelo qual “esperei” desde o começo, porque era óbvio que ia acontecer alguma coisa entre aqueles dois). Kate Winslet está muito bonita, não me lembro de tê-la visto tão magra antes. Acredito que ela não tenha emagrecido tanto, até porque não era gorda, mas ainda assim fez uma baita diferença no rosto dela. Só nos dois últimos episódios é que ela ficou meio estranha no papel, era jovem demais pra ter uma filha naquela idade. Guy Pearce conseguiu ser o canastrão de sempre (me espanta saber que ele recebeu indicação de melhor ator coadjuvante!), mas todos os outros atores muito bons (não gostei da atriz que faz a filha já adulta. E por que ninguém deu uma daquelas tortas pra ela comer todos os dias, durante as filmagens? Eu não sabia que os personagens Raquel e Maria de Fátima tinham sido inspirados no romance que originou o filme. Quando a novela passou pela primeira vez eu era pré-adolescente, via apenas uns pedaços, não seguia, mas lembro de ficar chocada com o desprezo e o ódio gratuito que a Maria de Fátima tinha pela mãe, e não sentia a menor vergonha em demonstrar, assim como a víbora Veda. Essa relação de crueldade na minissérie é tão grande que às vezes eu terminava de ver um episódio e ficava pra baixo por um tempo (concordo que jovens mães felizes não têm por que assisti-la). As cenas de sexo são bem claras mesmo, algumas bastante sensuais, outras vexatórias (como a primeira noite da Mildred com o Wally. Cara tosco e desajeitado), mas não acho que chegaram ao ponto do quase pornô (tanto que você citou isso, mas não etiquetou o filme). Ainda estávamos longe da revolução sexual, mas a Mildred levava uma vida sexual agitada. Isso ficou meio fora de contexto, até porque ela era conservadora, e as pessoas certamente falariam mal (até hoje falam!), mas a minissérie mostra o fato como algo natural para a época. Voltando à relação mãe-filha: acredito que a Mildred era culpada também pelo relacionamento doentio. Apesar de tudo de ruim que a Veda fazia, ela continuava como um capacho dela, era praticamente uma empregada submissa da megera. Acho que esse tipo de relação é uma simbiose, que deve gerar prazer e culpa. E o pior é que realmente existem relações assim, eu conheço algumas. A Mildred também tinha um pouco da Veda, aquele orgulho de se achar superior, aquela obsessão em querer que a filha fosse uma pianista famosa a todo custo não era normal. […] indicado a seis Oscars, vencedor de melhor atriz para sua estrela, e, agora em 2011, uma aclamada minissérie de TV da HBO dirigida por Todd Haynes com a fantástica Kate Winslet no papel título. […] Tudo ia muito bem com a comercialização de uísque clandestino na região – o xerife era um freguês de carteirinha do produto dos irmãos – até que chega ali um assistente do promotor mau como o diabo, chamado Charlie Rakes (interpretado, histrionicamente, exageradamente, caricaturalmente, pelo australiano Guy Pearce). […] |
Não é um daqueles filmes de que é fácil gostar, este Seis Graus de Separação, que o australiano Fred Schepisi fez nos Estados Unidos em 1993. Baseia-se em uma peça de teatro nova-iorquina, sobre gente muito rica do lugar mais rico de Manhattan, o umbigo do capitalismo. Parece uma inside joke, uma piada interna, uma piada contada na festa da firma, que só o pessoal da firma entende. Seis Graus de Separação, me pareceu, é muito inside joke nova-iorquina para nova-iorquinos. E é um filme todo feito de ironia, uma ironia corrosiva, cortante, venenosa. Se fosse líquido, e jogassem um pouco dela no passeio da Quinta, ou da Madison, ou da Lexington, faria um furo fenomenal no cimento. Não é fácil gostar de um filme que mostra seus personagens como imbecis, babacas, emproados, cegados pela sua riqueza, pela empáfia de saber que são os happy few, os muito muito bem de vida no umbigo do mundo, do capitalismo. Lembro de ter lido uma vez uma crítica de alguém – se não me engano um americano – a um dos filmes em que Woody Allen batia feio na classe média alta de Manhattan, acho que na sua fase especialmente amarga de final dos 80, início dos 90, antes que ele conseguisse ficar livre de Mia Farrow e voltasse a fazer comédias escrachadas, alegres. A crítica dizia uma coisa do tipo: mas se ele odeia tanto aquelas pessoas, aquele meio, se sente tanto desprezo por aquela gente, por que insiste em fazer filmes sobre ela? Acho que Woody Allen pode fazer o que ele bem entender. Mas o fato é que, alguns anos após ter voltado a fazer filmes de fato engraçados, ele deixou de lado a classe média alta de Manhattan, e foi falar de outras pessoas e outros lugares. Se não estou completamente enganado, John Guare, o autor da peça teatral Seis Degraus de Separação e também do roteiro do filme dirigido por Fred Schepisi tinha tanto desprezo por seus personagens quanto Woody Allen naquela sua fase especialmente amarga. A esta altura, é bom ir aos alfarrábios para ver se não estou falando asneira. “Elegante, alargada adaptação do sucesso dos palcos de John Guare sobre um bem apessoado vigarista (interpretado por um Will Smith jovenzinho demais) que convence ricos e crédulos nova-iorquinos de que é filho de Sidney Poitier. Com ótimas atuações, o filme flui bem nos primeiros dois atos, antes que a sátira dê lugar a tragédia de apertar o peito. A principal virtude são as tomadas em widescreen com que Schepisi filma Nova York, tanto em ambientes fechados quando ao ar livre. (…) Baseado em um incidente real. Muitas figuras da sociedade de Nova York aparecem em participações especiais.” Meus comentários sobre o comentário de Maltin: bem, não há propriamente tragédia de apertar o peito. As tomadas em tela larga são de fato maravilhosas – e é bom lembrar que a direção de arte é da maga Patrizia von Brandenstein, aquela senhora que, como o Rei Midas, transforma tudo o que toca em ouro. E aí tem o detalhe de que quase todas as paredes do apartamento milionário do casal de protogonistas, Flan e Ouise Kittredge (interpretados por Donald Sutherland e a sempre maravilhosa Stockard Channing), negociantes de obras de arte… estão cobertas por veludo vermelho! As paredes do apartamento milionário debruçado sobre o Central Park, um dos endereços mais caros do mundo, ocupado por um casal que se tem em conta como rico, fino e chique, são vermelhas! Patrizia von Brandenstein não faria isso à toa: as paredes vermelhas mostram que os Kittredge têm a mesma fineza elegante da Graceland, a mansão de Elvis Presley, uma das coisas mais kitsch, cafona, boko-moko, mais ridiculamente novo-riquismo que há no planeta. Agora, a informação de que a história se baseia em um incidente real – ainda que o incidente real tenha sido bastante retocado, floreado – é sensacional. E que muitas figuras da sociedade de Nova York aparecem em partipações especiais, então, é fantástico, é fabuloso. Pois se o filme goza aquele povo até mesmo por sua tonta, ridícula vontade de participar como figurantes de uma improvável versão cinematográfica do musical Cats! Isso é que é vestir a carapuça sem compreender coisa alguma sobre a carapuça que se está vestindo. “Six Degrees of Separation, adaptado por John Guare de sua própria peça de sucesso, é um estudo fascinante da culpa entre os ricos ociosos e a forma com que um vigarista talentoso consegue manipular a vulnerabilidade liberal deles para seus próprios fins. É uma história com ritmo inteligente, estruturada de maneira única, contada a maior parte como aperitivos em festas. (…) Will Smith, na época mais conhecido por suas aventuras em The Fresh Prince of Bel-Air (no Brasil Um Maluco no Pedaço) é uma revelação no papel difícil de que a maioria das pessoas não o acharia capaz.” Mais adiante, ele diz que Stockard Channing – indicada para o Oscar de melhor atriz por sua atuação – “também está brilhante como a socialite que foi rejeitada pelos próprios filhos, e então procura um filho adotivo no personagem Paul, interpretado por Smith”. O retrato que o filme faz dos jovens, dos filhos do casal central e de seus amigos, é extremamente carregado nas tintas. Estudam todos em Harvard – mas são tão idiotas, tão imbecis, tão tronchos, que não passariam no vestibular sequer da Universidade Municipal de São José do Pito Acesso, se houvesse essa cidade cujo nome foi inventado pelo meu irmão Arnaldo. Se os ricos pais já são uns pamonhas, os ricos filhos, então, são perfeitos débeis mentais. Tanto, mas tanto, mas tanto, que, nesse detalhe, o filme deixou Mary enfurecida – coisa rara. “Se eu fosse de Harvard, processava os autores”, disse ela, furiosa. “O tom cômico leve de Fred Schepisi às vezes passeia perto de extremos, particularmente na rebelião dos jovens, histérica e injustificada, contra seus pais”. Acho necessário registrar que seis graus de separação é aquela teoria que, como diz a Wikipédia, originou-se a partir de um estudo científico segundo o qual, no mundo inteiro, são necessários no máximo seis laços de amizade e/ou outro qualquer para que duas pessoas estejam ligadas. Fernanda Montenegro tem dois graus de separação de Kevin Bacon: ela atuou em O Amor nos Tempos do Cólera com Benjamin Bratt, que atuou com Kevin Bacon em O Lenhador. Entre Fernanda Montenegro e Carmem Miranda, a distância é de 2 porque a grande dama brasileira atuou em Mãos Sangrentas com Heloisa Helena, que por sua vez atuou em Alô, Alô, Carnaval com a cantora e atriz. Euzinho, para dizer bem a verdade, jamais consegui entender direito essa teoria. Talvez porque eu seja tão burro quanto os filhos dos ricos mostrados em Seis Graus de Separação. Talvez eu tenha exagerado na coisa de dizer que é um filme que fala muito especificamente de uma situação local, muito inside joke. Mas não creio ter exagerado na coisa de que é uma sátira violenta demais contra aquela upper crust nova-iorquina. Os fundamentalistas do politicamente correto certamente não terão aprovado o filme. Retratar o vigarista como sendo negro… Ó audácia, ó brancos racistas filhos da mãe! Como assim, num filme que só tem brancos, botar o único negro como vigarista? O personagem interpretado por Will Smith (com brilhantismo, aliás) é vigarista, de fato. Mas é também o personagem mais inteligente de toda a história. Ao contrário da cara-metade, achei este Seis Graus de Separação – do qual jamais tinha ouvido falar antes – inteligente, engraçado. Ele pisa fundo na ironia, faz um retrato pavoroso dos ricos nova-iorquinos. Por falar de um tipo específico de sociedade, por exagerar na ironia, por ser virulento demais contra as pessoas apegadas à exibição de riqueza, pode espantar muita gente. Mas, na minha opinião, até mesmo exatamente por isso, é um bom filme. Vi esse filme na TV paga há cerca de 18 anos. Gostei de Donald Sutherland.O episódio retratado foi real, com um rapaz que se apresentou como filho de Sidney Poitier e deu golpes em vários ricaços(as) que se pretendiam liberais. Questionado sobre a descoberta das pílulas perto do corpo, o porta-voz policial limitou-se a dizer que “a investigação segue em andamento”. O ator, que ficou famoso em 2000 com o filme “O Patriota”, dirigido e protagonizado por Mel Gibson, tinha contratado uma massagista esta tarde. Quando ela chegou à sua casa, a empregada encontrou o ator inconsciente em seu quarto, indicaram os veículos de comunicação. Sim… o filme é baseado em uma história real, e o nome do personagem de Will Smith é David Hampton, e a história se passa nos anos 80. Realmente é difícil de gostar deste filme, mas de fato ele tem seu valor. […] e para isso conta com a ajuda de um amigo de longa data, Billy Whistler (o papel de um Donald Sutherland de cabelos compridíssimos). Billy comparece sempre aos leilões realizados por Oldman, e, conforme […] |
Este filme do prolífico Henry Hathaway tem muito daquela coisa esquemática, lugar comum, de mais velhos versus mais novos, sabedoria popular adquirida da experiência versus sabedoria de quem aprendeu na faculdade – dos conflitos resultando que todos os dois lados podem aprender com o outro. Conta a história de três gerações de marinheiros da pesca à baleia na Nova Inglaterra do começo do século XIX – o velho capitão do navio (Lionel Barrymore), o jovem capitão formado em escola (Richard Widmark) e o netinho do velho (Dean Stockwell). Pauline Kael diz que o diretor Hathaway consegue um belo visual nas tomadas do navio no mar, mas deixou passar uns diálogos bobocas.E informa que é uma refilmagem de uma obra de 1922 que tinha feito grande sucesso. Tudo bem, é meio boboca essa história toda que você falou, do choque de gerações, etc. e tal. Além disso, tem o Lionel Barrymore que é um dos meus atores preferidos e o Richard Widmark, mostrando que pode ser muita coisa além de psicopata… Mas o filme remete a algumas questões sempre atuais sobre o choque das verdades: o popular (a empiria) x científico (a verdade sistematizada, comprovável, refutável). E essa é a sutileza do filme, que de uma maneira muito simples e romântica até, discute o absolutismo das verdades. |
São Paulo – Durante muitos anos, a taxa de sobrevivência das pequenas empresas brasileiras era assustadora. Segundo o estudo do Sebrae sobre o tema, a média nacional de sobrevivência chegou a 75,6%. O relatório de sobrevivência mediu empresas criadas em 2007 e que tinham informações atualizadas em 2010 na Receita Federal. A taxa foi melhor do que as de 2005 e 2006. Assim, só duas em cada dez empresas criadas em 2007 não completaram dois anos. Para Luiz Barretto, presidente do Sebrae, três fatores foram indispensáveis para isso. “O aumento do mercado interno, a melhora nos níveis de escolaridade dos empreendedores e a reforma tributária que criou o Supersimples foram os principais responsáveis”, diz. Apesar de a sobrevivência ser apenas um dos indicadores de sucesso para pequenas empresas, esta taxa indica que os empresários brasileiros têm superado o período mais crítico dos primeiros dois anos. “São decisivos para a sobrevivência porque ele está começando, não tem expertise, está formando clientela, tem que passar por fases boas e não tão boas”, afirma. “É preciso ter bom planejamento, não errar na capacidade financeira, ter controle de caixa, não misturar as finanças e ser atento aos que os concorrentes estão fazendo”, ensina Barretto. Confira a seguir os 60 negócios que apresentaram taxas de sobrevivência acima da média no relatório. Pessoa tocando violão: a música constitui um poderoso fator identitário, que ajuda a resgatar identidades perdidas ou a construir novas identidades Com a valorização do dólar, o mercado de instrumentos musicais cresceu 12% no ano passado, chegando a faturar mais de 600 milhões de reais. Este tipo de negócio foi o que apresentou a melhor taxa de sobrevivência, com 89%. No total, 314 deste tipo foram criadas em 2007. Fabricação de chips: espera-se que a aquisição reforce posição da empresa em setor em maturação no qual as oportunidades de crescimento se tornaram mais difíceis de encontrar O uso de computadores no Brasil cresceu consideravelmente nos últimos anos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2012), 46% das casas brasileiras já têm um computador. Empresas de fabricação de circuitos integrados e aplicação de tecnologias altamente especializadas tiveram sobrevivência de 86%, e pouco mais de 200 negócios abertos. A atividade de comércio atacadista de máquinas e equipamentos para uso industrial teve taxa de sobrevivência de 86%, segundo o relatório. Contam também as vendas de partes e peças e não apenas máquinas inteiras. Só o mercado de importação desses itens movimentou 2,4 bilhões de dólares em 2011. Lâmpadas: o peso da tarifa de energia elétrica para a formação do IPCA é de 3,33% O comércio de material elétrico teve taxa de sobrevivência de 86%, com 1892 empresas abertas. Esta atividade cresce principalmente com o aumento de obras e reformas no país. Na comparação entre as atividades comerciais, este foi o terceiro melhor negócio. Puxado pelo aumento nas vendas de produtos de cosméticos e também na evolução do mercado de animais de estimação, este negócio apresentou taxa de sobrevivência de 86%. Segundo a Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias, essas empresas têm faturamento médio de 95 mil reais, quando são de pequeno porte. Tubos de alumínio na linha de produção de uma fábrica da Alcoa em Goose Creek, Carolina do Sul Este é um setor de mais de 70 bilhões de dólares, ainda controlado fortemente por empresas nacionais. No relatório, a indústria de máquinas tem taxa de sobrevivência de 85%. As barreiras de entrada costumam ser altas e pouco mais de 800 empresas do tipo surgem ao ano. Assim como o comércio de materiais elétricos, as vendas de tintas e materiais para pinturas foram alavancadas pelo aumento de obras e reformas no país nos últimos anos. A taxa de sobrevivência calculada foi de 85%. A indústria de tintas do Brasil produz 1,4 bilhão de litros de tintas ao ano. Ao todo, 1345 empresas desta área foram abertas no país em 2007. O mercado de vidros no Brasil fatura mais de 1 bilhão de reais ao ano. Móveis, colchões e iluminação entram nessa categoria, com taxa de sobrevivência de 85%. O mercado de decoração de interiores movimenta 5 bilhões de reais ao ano e também se beneficia do aumento de renda da população. Hoje, mais de 21 milhões de motocicletas circulam pelas ruas do país, criando um mercado enorme para empresas de manutenção e reparos. A taxa de sobrevivência desta atividade foi de 85%, bem acima da média nacional. Essas duas indústrias, de produtos de metal e minerais não-metálicos, tiveram desempenho bastante parecido, com taxa de sobrevivência de 84%. A primeira inclui estruturas metálicas e obras de caldeiraria pesada para diversas aplicações e a segunda, a fabricação de vidro, cerâmicas e gesso, por exemplo. A indústria têxtil ficou entre as mais bem colocadas no estudo, com 84% de taxa de sobrevivência e 1330 empresas abertas. Estão nesta categoria fabricantes que preparam as fibras têxteis, a fiação e a tecelagem. No Brasil, a receita total da indústria ultrapassa os 67 bilhões de dólares. O varejo de óculos fatura tanto com lentes de grau quanto de sol. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Óptica (Abióptica), o setor fatura mais de 24 bilhões ao ano e deve manter o crescimento. Essa categoria inclui empresas de sapatos, de qualquer material, inclusive os esportivos, e de artigos de viagens, como malas e outros materiais, além de alguns artigos de couro. Em Pequim, cidade com mais de 19 milhões de habitantes, dezenas de novos prédios são construídos rapidamente para atender uma demanda em potencial e manter o mercado da construção civil - e tantos outros - aquecido. Empresas de construção de edifícios, de compra e venda de imóveis e de serviços de arquitetura estão inclusas nesta categoria que apresentou taxa de 84%. O mercado imobiliário no Brasil tem crescido com a demanda cada vez maior por imóveis próprios. Sala do Clarpoint Tower, o prédio residencial com maior jardim vertical do Sul da Ásia A fabricação de móveis, assim como outros negócios ligados a decoração, tem boas perspectivas de crescimento. Operário trabalha em autopeça em uma fábrica da SKF na Suécia A taxa de sobrevivência desta indústria é de 83%. Estão incluídos nesta categoria todos os negócios de fabricação de veículos, carrocerias, reboques e semi-reboques para veículos automotores além da produção de peças e acessórios, como estofados. Apesar do crescimento do mercado digital, a área de impressão de materiais como livros e revistas apresentou taxa de sobrevivência de 83%. O negócio de venda de ferragens para construção e ferramentas, como martelos e chaves de fenda, por atacadistas apresentou taxa de sobrevivência de 83%. Segundo o relatório, foram constituídas 267 empresas no tipo. O comércio atacadista de instrumentos médicos, cirúrgicos, ortopédicos e odontológicos inclui estetoscópios, medidores de pressão, bisturis e próteses. Segundo o relatório, foram criadas 507 empresas neste perfil e a taxa de sobrevivência foi de 83%. No caso do varejo, o percentual foi de 82%. Caterpillar é a maior fabricante mundial de equipamentos para movimentação de solo Arados, tratores, cortadores de grama e maquinário para avicultura e apicultura estão entre os principais itens vendidos pelo atacado nesta modalidade. Uma das opções de negócio é o aluguel destes equipamentos em áreas rurais. Enquanto os presentes das esposas devem custar de 250 a 500 reais, os das amantes valerão, em média, de 500 a 1.000 reais Um setor de mais de 4 bilhões de dólares e com cerca de 14 mil empresas estabelecidas. O mercado brasileiro de joias e relógios inclui peças em ouro e metais preciosos e apresentou 83% de taxa de sobrevivência. A maior parte dos produtos feitos com esses materiais, com exceção de roupas e sapatos, entra nesta categoria. Só a indústria de embalagens plásticas, por exemplo, apresenta receita líquida de 50 bilhões de reais, segundo dados da Associação Brasileira de Embalagem. Os negócios de fabricação de madeira serrada, laminada, compensada, prensada e aglomerada e de produtos de madeira para construção, para embalagem, para uso industrial, comercial e doméstico tiveram taxa de sobrevivência de 82%. Empresas de vendas no atacado e no varejo de itens como pneus e baterias tiveram taxa de sobrevivência de 82%, segundo o relatório. Brinquedos, bicicletas e aparelhos de ginástica estão nesta categoria, que apresentou taxa de sobrevivência de 82%. O mercado de brinquedos, por exemplo, fatura sozinho 4 bilhões de reais ao ano no Brasil. Antena parabólica da Dish Network próximo de uma da DirecTV no telhado de um prédio em San Rafael, Califórnia O comércio varejista especializado em peças e acessórios para aparelhos de uso doméstico teve taxa de sobrevivência de 82%. Nesta atividade, não contam acessórios para informática e comunicação. Dentro do ramo de construção, essa foi a segunda melhor atividade em taxa de sobrevivência, com 82%. São classificados nesta categoria sistemas de aquecimento, ligação de gás e tubulações de vapor, por exemplo. Funcionários na fábrica da Dudalina, em Blumenau, Santa Catarina: em 2012, a fabricante de camisas pagou aos 2 489 trabalhadores seis salários No Brasil, são produzidas mais de 6 bilhões de peças de vestuário todos os anos, chegando a 47 bilhões de dólares de faturamento anual. Negócios de confecção de roupas para crianças ou adultos apresentaram taxa de sobrevivência de 81%. Nesse segmento entram as indústrias especializadas na produção de metais em formas primárias, como laminados, canos e tubos. De acordo com o levantamento, para as 284 empresas constituídas em 2007, a taxa de sobrevivência foi de 81%. Indústrias que fabricam artefatos de couro e bolsas e de artigos para viagem de qualquer material entram nesta divisão. Em 2007, foram abertas 1885 empresas e, destas, a taxa de sobrevivência foi de 81%. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), a produção de motocicletas cresceu 14,2% em janeiro se comparado com o mesmo mês do ano passado. Das 4021 empresas abertas em 2007, a taxa de sobrevivência foi de 81%. Mesmo com a facilidade da compra de livros por meio do comércio eletrônico e do acesso a jornais e revistas por meio de tablets e outros dipositivos, os negócios especializados em livros, revistas e papelaria têm o seu espaço. Neste segmento entram tanto os grandes supermercados quanto os pequenos comércios de bairro. Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), as vendas do setor supermercadista cresceram 5,36% em 2013, de acordo com o Índice Nacional de Vendas. Foram abertas 24140 empresas em 2007 e a taxa de sobrevivência foi de 81% após dois anos. Homem fala no telefone enquanto navega na internet em seu notebook em um bar no centro de Xangai, na China Os consertos de desktops, monitores, laptops, terminais de computação, impressoras, entre outros produtos são especialidades de alguns negócios. Existem várias franquias no mercado que oferecem esse tipo de serviço a domicílio, por exemplo. De acordo com a Associação Brasileira de Celulose e Papel, o Brasil é o quarto maior produtor de celulose do mundo. Foram produzidas 13.977 mil toneladas de celulose em 2012 e 10,260 mil de papel. Comida em prato vermelho: "apesar de ainda não estar claro o motivo do efeito vermelho os nossos resultados poderiam ser úteis", escreveram os pesquisadores São as empresas que produzem alimentos para uso humano e animal. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação, o faturamento consolidado em 2012 do setor foi de 431,9 bilhões de reais, um crescimento da produção física de 3,59%. Em 2007, foram criadas 3969 empresas e a taxa de sobrevivência foi de 80%. Telefone: ideia é que, com melhor aproveitamento da conversão ótico-elétrica das frequências, seja possível equipamentos mais rápidos e com menor consumo de energia São negócios que comercializam telefones, intercomunicadores, fax, secretária eletrônica e similares, além de partes e peças para equipamentos de telefonia. O mercado de vestuário no país ainda tem espaço para crescer. De acordo com um estudo realizado pela consultoria norte-americana AT Kearney, no ano passado, o Brasil ficou em quinto lugar no ranking dos maiores consumidores de roupas, com 42 bilhões de dólares em vendas. Das 34.757 empresas, a porcentagem de sobrevivência foi de 79% durante o período avaliado. Segundo a Associação Brasileira de Indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), o Brasil é o terceiro maior mercado global de produtos do gênero, tendo gasto 42 bilhões de dólares no ano passado. Dos 5.906 comércios abertos em 2007, a taxa de sobrevivência foi de 79%. Boca de fogão: o valor da multa é de US$ 15,8 milhões Neste segmento entram empresas especializadas no comércio de botijões de gás para domicílios. O sucesso dos bolos caseiros, das brigaderias, dos iogurtes naturais e das padarias artesanais são apenas alguns exemplos que mostram que o mercado ainda tem espaço para diversos tipos de negócio. Das 9.585 empresas abertas, ao longo de dois anos 79% permaneceram no mercado. De acordo com a Pesquisa Mensal de Comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor de eletrodomésticos foi um dos responsáveis pela alta do varejo em novembro do ano passado. Empresas especializadas na venda de produtos de cama, mesa e banho estão conquistando cada vez mais espaço no mercado. Segundo dados do IEMI (Instituto de Estudos e Marketing Industrial), em 2011, o varejo de cama, mesa e banho movimentou 12,7 bilhões de reais. Das 6.320 empresas abertas em 2007, a taxa de sobrevivência foi de 79%. Neste segmento, estão as empresas que oferecem atividades de manutenção e reparação de veículos automotores e motocicletas. Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) revelam que 3,74 milhões de unidades foram produzidas em 2013, superando em 9,9% as 3,40 milhões de 2012. Negócios que oferecem hospedagem de curta duração para turistas têm crescido muito. Além de albergues, aplicativos como o Airbnb ajudam pessoas que desejam alugar a casa ou um quarto por um breve período. Vídeo em alta definição: na avaliação da empresa, a capacidade ideal para HD é de 2,5 Mbps ou acima, e para SD é de 700 kbps a 2,5 Mbps Hoje, não é preciso muito capital para produzir vídeos sobre diversos assuntos e muitas empresas se especializaram nesse nicho. Alguns empreendedores estão faturando com vídeos de desenhos animados e comédia, por exemplo. Em 2007, 1.666 empresas foram abertas e a taxa de sobrevivência foi de 79%. Com o aumento de empresas de comércio eletrônico, as entregas dos produtos comprados online também cresceram. De acordo com os números dos Correios de dezembro de 2012, são distribuídos 36,5 milhões de objetos por dia. Hoje, existem empresas especializadas em entregas rápidas por meio de motoboys e até bicicletas. Em 2007, 2.181 empresas foram constituídas e a taxa de sobrevivência foi de 79%. Segundo a Associação Nacional Para Difusão de Adubos, a produção nacional de fertilizantes intermediários foi de 9.304.713 toneladas no ano passado. Dos 269 comércios abertos nas áreas de defensivos agrícolas, adubos, fertilizantes e corretivos do solo, a taxa de sobrevivência foi de 78%. Tecidos, linhas, botões, zíperes e outros aviamentos para costura são alguns produtos comercializados por essas empresas. Em 2007, foram criados 488 negócios no setor e 78% sobreviveram depois de dois anos. Postos de combustíveis e empresas que vendem gás natural para carros fazem parte deste segmento. Das 2.037 empresas que foram constituídas em 2007, a taxa de sobrevivência foi de 78%. Negócios: medida, que segue agora para o plenário da Câmara, deverá ser votada no primeiro semestre do próximo ano De micro a grandes empresas, a maioria demanda o uso de computadores para auxiliar na gestão do negócio. Em 2007, foram criados 10.832 negócios neste segmento e 78% sobreviveram após dois anos. Verão: entre os sintomas mais relatados pelos pacientes nesta época estão diarreia, dor de cabeça, dor no corpo, vômito e mal-estar em geral De acordo com dados da Sondagem do Consumidor – Intenção de Viagem, do Ministério do Turismo, divulgados no começo do ano passado, mais de 68% dos entrevistados pretendiam viajar para cidades brasileiras e 23% para o exterior. O mercado aquecido favorece as agências e serviços de reservas de hotéis e passagens. Dos 2.299 empreendimentos abertos, a taxa de sobrevivência foi de 78% após dois anos. Empresas que prestam serviços jurídicos, contábeis ou de auditoria estão neste grupo. Dos 5.073 negócios que oferecem esses serviços, a taxa de sobrevivência foi de 77% após dois anos. A reciclagem de latas no país movimentou R$ 1,8 bilhão em 2010 no Brasil Existem empresas especializadas que lidam com resíduos, seja papel ou metal, e lucram com isso. Em 2007, foram constituídas 1.233 empresas e a taxa de sobrevivência foi de 76% de acordo com o estudo. Além dos açougues e peixarias tradicionais, há também as butiques de carnes que acharam um nicho no mercado com a venda de cortes diferenciados a preços mais altos. Em 2007, das 4058 varejistas de carnes e pescados, a porcentagem de sobrevivência foi de 76%. Preocupação com alimentação saudável contribuiu para a expansão dos pontos de venda especializados em produtos hortifrutigranjeiros Mapa de oportunidade para as Micro e Pequenas Empresas nas Cidades-Sede realizado pelo Sebrae e pela Fundação Getúlio Vargas, foram identificadas 132 oportunidades na agricultura e pecuária. Das 843 empresas de atacado abertas no começo da pesquisa, 77% continuaram no mercado. No caso das varejistas, 1.857 empresas foram abertas e 76% sobreviveram. A demanda por instalações elétricas na área de construção deve continuar a crescer porque ainda há muitas obras imobiliárias e de infraestrutura em vigor. De acordo com Abramat, associação que representa esta indústria, as vendas de materiais de construção devem crescer 4,5% neste ano. Em 2007, foram criados 1.506 negócios de instalações elétricas e 76% sobreviveram. |
Às margens do Rio São Francisco, a bordo do lendário Vapor Benjamim Guimarães e sob a regência do maestro Alex Domingues, a orquestra sinfônica Jovem de Pirapora apresenta um show com a participação de setenta jovens. Em frente, instalado no Cais, área de infraestrutura completa e organizada para atender turista e público com reservas de mesas, bebidas e comidas típicas.Maiores informações: |
O francês Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet (1744-1829), também conhecido como Chevalier de Lamarck, foi o primeiro cientista a desenvolver uma teoria da evolução considerada completa. O naturalista, que ainda estudou medicina, física e meteorologia, publicou a teoria a que denominamos hoje de “lamarckismo” em seu livro “Philosophie Zoologigue” (1809). Assim como os seus contemporâneos, Lamarck acreditava na lei da geração espontânea. Para ele, os primeiros seres que habitaram o planeta eram micro-organismos originados a partir de algo “não-vivo”. Seres tão simples chegariam a organismos multicelulares e complexos através da tendência intrínseca dos organismos de se desenvolverem em níveis organizacionais mais complexos com o decorrer do tempo. Isso ocorreria através da lei do uso e desuso, que resumidamente postula que “o que não se usa atrofia, o que se usa fortalece”, sendo assim, estruturas e órgãos que são utilizados mais frequentemente tornam-se mais desenvolvidos e adaptados às necessidades que o meio impõe; e aquilo que não é usado se atrofia e reduz. Lamarck afirma que as características desenvolvidas pela necessidade de adaptação ao meio ambiente são transmitidas aos seus descendentes, empregando, assim, o conceito da herança dos caracteres adquiridos. O exemplo clássico do conceito da herança dos caracteres adquiridos é o do pescoço das girafas. Imagine que, antigamente, as girafas tinham o pescoço bem menor do que o que vemos nas girafas atuais, e por isso, elas tinham que esticar seus pescoços repetidamente para alcançar as folhas das copas das árvores e se alimentarem. Esse movimento repetido, o esforço direcionado de estiramento do pescoço (uso) levaria ao alongamento gradativo no pescoço das girafas e, dessa maneira, seus descendentes nasceriam com os pescoços mais longos e assim sucessivamente, até originar as girafas de pescoço longo que vemos atualmente. Dessa maneira, através da adaptação ao meio, a herança dos caracteres adquiridos, tendo o uso e o desuso como mecanismo e a tendência natural de aperfeiçoar-se, acarretaria na evolução das espécies. A publicação de “A origem das espécies” (1859), de Charles Darwin, abalou o fundamento principal da teoria de Lamarck, afirmando que a evolução das espécies se daria pelo processo de seleção natural. Na teoria de Lamarck, o uso acarretaria a evolução, enquanto que na teoria de Darwin, a evolução se daria pelo acaso aliado a seleção natural. Segundo a teoria de Darwin, pequenas variações nos organismos surgiriam ao acaso e, caso essas variações os tornassem mais aptos que os outros a sobreviverem no meio, estes sobreviveriam transmitindo suas características aos seus descendentes. Lamarck tem o merecido crédito pela sua obra e teoria, porém, a teoria da evolução de Darwin, denominada hoje de “Teoria da Evolução Sintética” é a que revolucionou o pensamento ocidental, sendo a aceita como verdadeira pelos cientistas. |
David Armano, especialista em estratégia digital, diz que o fenômeno das mídias sociais tem origem em três revoluções: da difusão da informação, da banda larga e da social. Nesta apresentação, saiba o que ele diz a respeito e como aplicar estratégias digitais nos negócios. |
De uma maneira geral, geralmente os concretos produzidos com agregados reciclados ainda apresentam uma certa resistência que os tornam aptos a serem utilizados em aplicações menos nobres. Entretanto, dependendo da metodologia de substituição dos agregados naturais pelos reciclados, da composição dos agregados reciclados, dentre outros fatores, é possível produzir concretos com altas resistências e pleitear o uso dos mesmos em aplicações mais nobres. O conhecimento do módulo de deformação do concreto é extremamente importante, uma vez que o mesmo é utilizado no cálculo estrutural para prever as flechas máximas admissíveis e assim, consequentemente, o grau de fissuração das peças de concreto. Segundo UJIKE (2000), essa redução no módulo de deformação é mais sentida quando se produz concretos com agregados reciclados de baixa relação água/cimento. Essas reduções são particularmente importantes uma vez que se os limites máximos das fissuras forem superados, a armadura ficará susceptível à ação dos agentes agressivos encontrados no meio ambiente (Cl-, SO4-, CO2), reduzindo assim a vida útil do concreto. Todavia, a forma da curva tensão-deformação para os concretos com agregados reciclados é bastante similar a dos concretos convencionais, independentemente da porcentagem de substituição do agregado natural pelo reciclado, o que leva a crer que as estruturas feitas com esses agregados reciclados podem ser projetadas de acordo com a teoria da plasticidade, da mesma maneira que as estruturas feitas com concretos convencionais (XIAO et al., 2005). Para os concretos com agregados reciclados de concreto, a redução do módulo de deformação geralmente é atribuída à matriz de cimento que permanece aderida às partículas do agregado natural dos agregados reciclados após a britagem (HANSEN e Segundo HANSEN e NARUD (1983), esta matriz de cimento corresponde a algo em torno de 40% do volume do concreto, sendo portanto bastante considerável. (2000) vão mais adiante e dizem que o módulo de deformação desses concretos decresce com o aumento deste teor de argamassa aderida nos agregados reciclados. Alguns trabalhos como os de FRONDISTOU-YANNAS (1977), citado por KHALAF e DeVEENY (2004a), RAVINDRARAJAH e TAM (1985), HANSEN e (2005; 2006) apresentam módulos de deformação de concretos feitos com agregados reciclados de concreto de 15 a 45% menores que os módulos dos concretos convencionais. Mas parece que não apenas o agregado reciclado de concreto modifica o módulo de deformação, uma vez que AKHTARUZZAMAN e HASNAT (1983) encontraram um módulo de deformação em concretos com agregados graúdos reciclados de cerâmica vermelha em torno de 30% inferiores que os módulos dos concretos de referência. Para KHATIB (2005), substituindo somente os agregados miúdos naturais pelos reciclados miúdos de cerâmica vermelha, a redução média foi de 20%. Segundo SHULZ e HENDRICKS (1992) e RILEM (1994), os concretos com agregados reciclados de cerâmica vermelha apresentam módulos de deformação entre a metade e 2/3 do módulo de concretos convencionais de mesma resistência. Entretanto, SENTHAMARAI e MANOHARAN (2005) encontraram uma redução média de somente 9,3% no módulo de deformação desse tipo de concreto. Resultados similares foram encontrados para o concreto com o agregado reciclado de argamassa, uma vez que HANSEN e B∅EGH (1985), ao substituírem o agregado graúdo natural pelo agregado graúdo reciclado de argamassa, produziram um concreto com um módulo de deformação 45% menor que o do concreto com agregados naturais. Para HANSEN (1986; 1992), a substituição conjunta dos agregados graúdo e miúdo natural pelos reciclados de concreto diminuem ainda mais o módulo do concreto, do que somente a substituição do agregado graúdo ou do miúdo. Segundo UJIKE (2000), essa redução ocorre basicamente porque ao se substituir os agregados naturais pelos reciclados de concreto, está se inserindo mais argamassa na massa de concreto, sendo que esta propicia maiores deformações, consequentemente, menores módulos. Coerente com isso, dados do Building Contractor Society of Japan (1978), citados por LAMOND et al. (2002), apontam que a substituição conjunta dos agregados graúdo e miúdo natural por reciclados de concreto reduzem o módulo de deformação de 25 a 40%, enquanto que somente a substituição do agregado graúdo proporciona uma diminuição de 10 a 3%, quando comparados com o módulo dos concretos com agregados convencionais. Em concordância com os demais autores, GERARDU e HENDRIKS (1985), citados por HANSEN (1992), e RAVINDRARAJAH e TAM (1987a) obtiveram reduções de 15% quando substituíram os agregados graúdos naturais por reciclados de Parece então que quem rege o comportamento do módulo de deformação dos concretos é o agregado. Assim, como o agregado reciclado é mais deformável que o agregado natural, o concreto produzido com este é mais deformável que o concreto produzido com agregados naturais. Para a resistência à tração, parece que a substituição dos agregados naturais pelos reciclados também provoca uma redução na mesma, embora esta pareça ser menos intensa que as reduções provocadas na resistência à compressão. Entretanto, há trabalhos em que se apresentam valores de perdas na resistência à tração da mesma ordem dos observados para a resistência à compressão, como alguns relatados por HANSEN (1992) e os encontrados por KATZ (2003) e BAIRAGI et al. (1993), que obtiveram perdas médias da ordem de 23% e 41%, respectivamente. Contudo, ainda há trabalhos que apontam não somente reduções mas também pequenos acréscimos, como o de RAVINDRARAJAH e TAM (1985), para concretos com agregados reciclados de concreto, e os citados por SHULZ e HENDRICKS (1992), para concretos com agregados reciclados de cerâmica vermelha. Para o concreto com agregado reciclado de concreto, esses pequenos acréscimos são explicados pelos autores como um efeito do aumento do teor de pasta de cimento a uma constante relação água/cimento, uma vez que a resistência da ligação pasta/agregado exerce maior influência na resistência à tração que na resistência à compressão. Portanto, concretos confeccionados com agregados reciclados com elevado teor de pasta terão grandes chances de apresentar uma elevada resistência à tração (RAVINDRARAJAH e TAM, 1985). Já os acréscimos para os concretos com agregados reciclados de cerâmica vermelha podem ser explicados pela efeito pozolânico propiciada pela cerâmica vermelha. Segundo dados de pesquisas coletadas por HANSEN (1986), a perda da resistência à tração dos concretos com agregados reciclados de concreto é menos sentida quando somente os agregados graúdos são substituídos, sendo mais visível quando se substitui ambos agregados (graúdo e miúdo), geralmente atingindo reduções de até 20%. Coerente com isso, RAVINDRARAJAH e TAM (1987a) observaram perda de 10% somente com a substituição dos agregados graúdos, sendo que essa elevou-se para 15% quando ambos agregados foram substituídos. Parece que a substituição dos agregados naturais pelos reciclados de cerâmica vermelha também provoca alterações na resistência à tração dos concretos com estes confeccionados, pois BRITO et al. (2005), substituindo o agregado graúdo natural pelo agregado graúdo reciclado de cerâmica vermelha, nos teores de 3%, 6% e 100%, obtiveram uma redução na resistência à flexão da ordem de 8,6%, 15,7% e 25,7%, respectivamente. Então, diante do exposto, parece que a redução provocada pelos agregados reciclados na resistência à tração não é tão forte quanto a redução na resistência à compressão. Isso pode ser explicado porque a resistência à tração leva em consideração mecanismos de aderência física entre as partículas, e como o uso dos agregados reciclados parece promover uma boa aderência entre a pasta e o agregado, em função da sua forma mais irregular e rugosa, a zona de transição do concreto com agregados reciclados é muito boa (LEITE, 2001). Assim, devido a esse bom desempenho da zona de transição dos concretos com agregados reciclados, a resistência à tração desses concretos não é tão afetada quanto a resistência à compressão. Parece que a resistência à abrasão dos concretos confeccionados com agregados reciclados também é menor que a dos concretos confeccionados com agregados naturais. Essa redução é atribuída às reduções nas propriedades físicas e mecânicas do próprio agregado reciclado, uma vez que o mesmo geralmente apresenta valores de resistência à abrasão inferiores aos dos agregados convencionais. Essa diminuição na resistência à abrasão parece que não se restringe somente aos concretos com agregado reciclados de cerâmica vermelha, uma vez que DHIR et al. (2004a) encontraram profundidades de abrasão maiores para concretos com agregados graúdos reciclados de concreto do que para os concretos naturais, sendo que esta profundidade aumentava à medida que se aumentava o percentual substituído, chegando a um aumento de 67% para 100% de substituição. SOROUSHIAN (1996a), essa elevada abrasão parcialmente reflete a grande quantidade de argamassa aderida ao agregado natural. Coerente com isso, TOPÇU (1997) encontrou uma redução de 45,5% na dureza superficial dos concretos confeccionados com 100% de agregados graúdos reciclados de concreto quando comparados com às dos concretos de referência. Quando se substitui a parcela miúda dos agregados naturais do concreto parece que a resistência à abrasão é ainda mais prejudicada, uma vez que HANSEN e NARUD (1983) apresentaram um aumento na abrasão da ordem 2,4%, quando a fração substituída do agregado graúdo natural pelo reciclado de concreto foi de 16 a 32 m, e de 41,4%, quando a fração substituída foi de 4 a 8 m. Entretanto, parece que o baixo desempenho por parte desses concretos pode ser contornado, quando se prepara concretos de altas resistências com os agregados reciclados, visto que LIMBACHIYA et al. (2000) encontraram resistências à abrasão similares para concretos de 50, 60 e 70 MPa, produzidos com 100% de agregados reciclados de concreto. (2002) foram além e encontraram uma resistência à abrasão por volta de 12% superiores aos de referência, embora trabalhando com blocos de concretos de 60 MPa de resistência à compressão. Pode-se concluir que mesmo com esse decréscimo na resistência à abrasão dos concretos com agregados reciclados que em geral é apresentado, estes ainda apresentam satisfatórias resistências para serem usados como concretos convencionais (HANSEN, 1986). A retração por secagem do concreto é um fenômeno inevitável, desde que o concreto esteja exposto a um ambiente de umidade abaixo da condição de saturação. Como este é o tipo de ambiente onde a grande maioria das estruturas de concreto está Antonio Eduardo B. Cabral 21 inserida, a retração por secagem é uma das principais causas da fissuração, assumindo assim fundamental importância, pois compromete a durabilidade do concreto, principalmente quando este for armado. Como a retração por secagem é um fenômeno que está intimamente ligado à perda de água da massa de concreto, é notório que quanto mais água essa massa tiver, maior será a possibilidade de se ter grandes retrações. Segundo MEHTA e MONTEIRO (1994), a granulometria, a dimensão máxima, a forma e a textura do agregado são fatores que influenciam na retração por secagem do concreto, entretanto o módulo de deformação do agregado é considerado o fator mais importante. Assim, quando se usa um alto teor de substituição dos agregados naturais pelos agregados reciclados, é coerente que o concreto produzido com estes últimos possua uma maior retração, uma vez que os agregados reciclados possuem um menor módulo de deformação que os naturais, sendo portanto mais deformáveis, além de, em função da alta absorção de água por parte destes, exigirem um elevado teor de água (POON et al., 2002). No caso dos agregados reciclados de concreto, em geral estes consistem de 60 a 70% do seu volume em agregados naturais e os 30 a 40% restantes de argamassa, sendo esta última parte bem mais porosa que a primeira (HANSEN e NARUD, 1983; POON et al., 2004). Este elevado teor de argamassa presente no mesmo provoca o surgimento de alguns efeitos indesejáveis nos concretos feitos com os mesmos, tais como uma maior retração por secagem, potencializando assim o aparecimento de fissuras. Segundo TAVAKOLI e SOROUSHIAN (1996b), quanto maior a quantidade de argamassa aderida no agregado reciclado de concreto, maior será a possibilidade de se ter grandes retrações nos concretos com esses produzidos. |
Dois dias depois de jogar em Genebra, na Suíça, Wawrinka entrou em quadra no saibro de Paris para estrear no Roland Garros 2015 e venceu. Nono no ranking mundial, o suíço não correu grandes riscos e derrotou o turco Marsel Ilhan (82º) por 3 sets a 0, com parciais de 6/3, 6/2 e 6/3, em 1h36min, avançando à segunda rodada. Wawrinka quebrou o adversário cinco vezes e salvou todos os seis break-points contra, além de ter aplicado 10 aces, contra seis do turco. Antes do início do torneio, Wawrinka reclamou da programação por ter acabado de jogar outro torneio. A melhor campanha do suíço no Roland Garros até hoje foram as quartas de final de 2013, quando caiu diante de Rafael Nadal. No ano passado, parou logo na estreia, eliminado pelo espanhol Guillermo Garcia-Lopez. Na segunda rodada, Wawrinka ainda não asbe quem será seu rival. Ele aguarda o vencedor da partida entre o sérvio Dusan Lajovic, 75º e o argentino Máximo Gonzalez, 115º. |
O tubo em “U”éum dos medidores de pressão mais simples entre os medidores para baixa pressão. É constituído por um tubo de material transparente (geralmente vidro) recurvado em forma de U e fixado sobre uma escala graduada O emprego deste manômetro é idêntico ao do tubo em “U”. Nesse manômetro as áreas dos ramos da coluna são diferentes, sendo a pressão maior aplicada normalmente no lado da maior área. Este Manômetro éutilizado para medir baixas pressões na ordem de 50 mmH2O. Sua construção é feita inclinando um tubo reto de pequeno diâmetro, de modo a medir com boa precisão pressões em função do deslocamento do líquido dentro do tubo. A vantagem adicional éa de expandir a escala de leitura o que émuitas vezes conveniente para medições de pequenas pressões com boa precisão (± 0,02 mmH2O). O Tubo de Bourdonconsiste em um tubo com seção oval, que poderá estar disposto em forma de “C”, espiral ou helicoidal, tem uma de sua extremidade fechada, estando a outra aberta àpressão a ser me dida. Com a pressão agindo em seu interior, o tubo tende a tomar uma seção circular resultando um movimento em sua extremidade fechada. Esse movimento através de engrenagens étransmitido a um ponteiro que iráindicar uma medida de pressão em uma escala graduada. As variações de temperatura ambiente são responsáveis pela variação na deflexão do tubo de bourdon. A maioria dos materiais tem seu módulo de elasticidade diminuído com a temperatura. O NI-SPAN é uma exceção pois possui módulo de elasticidade constante. Existe, portanto há possibilidade de, para uma mesma pressão, o bourdon apresentar diferentes deflexões pela simples variação da temperatura ambiente. A correção deste erro é feita através de um bimetálico acoplado ao me ca nismo. O bourdon pode apresentar erro com a mudança da pressão atmosférica, principalmente quando ocorre a variação da temperatura ambiente. Aplicação, tomada de pressão e ou vácuo em linhas de ar, água, gases com necessidade de intretavamentoselétricos de bombas ou pontos de alarmes, etc., em locais com boa necessidade de precisão. • O instrumento deve ser equipado com válvula de bloqueio de 3 (três) vias; • Quando o elemento for submetido a pressões pulsantes, o mesmo deve ser protegido por um amortecedor de pulsação. Esse amortecedor pode ser uma válvula agulha, servindo também como bloqueio (possibilitando a retirada do instrumento sem parar o processo); • O elemento não deve ser submetido a uma temperatura que não permita o toque da mão sobre a caixa do medidor, evitando desgaste prematuro do elemento e demais componentes do medidor, além de garantir a confiabilidade da calibração feita à temperatura ambiente. Para resolver este problema é utilizado um tubo sifão entre o medidor e o processo; • O elemento deve ser isolado de fluidos corrosivos, com sólidos em suspensão, ou com possibilidade de cristalização e solidificação. Para isolar o elemento destes tipos de processos é utilizado um selo; • Quando o processo estiver sujeito a sobrecarga, deve-se proteger o elemento com um limitador de sobrecarga; • Devem ser tomadas precauções especiais quando se trata de medição de petróleo e oxigênio. Para a indústria de petróleo, o tubo de bourdon não deverá ser soldado com estanho. Para medidas com oxigênio, o elemento deve estar livre de óleo, graxas e outras gorduras, pois existe o risco de explosão. A calibração do instrumento pode ser feita com álcool, água ou óleo de silicone. Em processos industriais que manipulam fluidos corrosivos, viscosos, tóxicos, sujeitos àalta temperatura e/ou radioativos, a medição de pressão com manômetro tipo elástico se torna impraticável pois o Bourdon não éadequado para essa aplicação, seja em função dos efeitos da deformação proveniente da temperatura, seja pela dificuldade de escoamento de fluidos viscosos ou seja pelo ataque químico de fluidos corrosivos. Nesse caso, a solução érecorrer a utilização de algum tipo de isolação para impedir o contato direto do fluido do processo com o Bourdon. Existem basicamente dois tipos de isolação, (que tecnicamente échamado de selagem), utilizada. Um com selagem líquida, utilizando um fluido líquido inerte em contato com o Bourdone que não se mistura com o fluido do processo. Os amortecedores de pulsação tem por finalidade restringir a passagem do fluido do processo atéum ponto ideal em que a freqüência de pulsação se torne nula ou quase nula. Esse acessório éinstalado em conjunto com o manômetro com objetivo de estabilizar ou diminuir as oscilações do ponteiro em função do sinal pulsante. Esta estabilização do ponteiro possibilita a leitura da pressão e também aumenta a vida útil do instrumento . Os sifões são utilizados, além de selo, para “isolar”o calor das linhas de vapor d’água ou líquidos muito quentes, cuja temperatura supera o limite previsto para o instrumento de pressão. O líquido que fica retido na curva do tubo-sifão esfria e éessa porção de líquido que iráter contato com o sensor elástico do instrumento, não permitindo que a alta temperatura do processo atinja diretamente o mesmo. Esse acessório tem por finalidade proteger os manômetros de pressões que ultrapassem ocasionalmente, as condições normais de operação. Ele érecomendável nesses casos para evitar ruptura do elemento de pressão. Seu ponto de ajuste deve ser atingido de modo que com incremento lento de pressão seu bloqueio se dê entre 80 a 120% do valor da escala. Nesta condição, o bloqueio se daráem qualquer valor inferior a 80% no caso de incrementos rápidos de pressão. Para manômetros com escala inferior a 3 kgf/cm2 seu bloqueio poderásituar-se em até130% do valor da escala Fole éum dispositivo que possui ruga no círculo exterior e que tem a possibilidade de expandir-se e contrair-se em função de pressões aplicadas no sentido do eixo. Diafragma éum disco circular utilizado para medir pressões, geralmente de pequena amplitude , bem como, para separar o fluido medido do mecanismo interno. No manômetro tipo diafragma esta membrana fica sempre oposta a uma mola. Ao aplicar-se uma pressão no diafragma haveráum deslocamento do mesmo atéum ponto onde a força da mola se equilibrarácom a força elástica do diafragma. Este deslocamento resultante étransmitido a um sistema com indicação (ponteiro) que mostra a medição efetuada Esses transmissores, pioneiros na instrumentação, possui um elemento de transferenciaque converte o sinal detectado pelo elemento receptor de pressão em um sinal de transmissão pneumático. A faixa padrão de transmissão (pelo sistema internacional)éde 20 a 100 kPa, porém na prática são usados outros padrões equivalentes de transmissão tais como 3 ~ 15 psi, 0,2 a 1,0 kgf/cm 2 e 0,2 a1,0 bar. Os instrumentos de transmissão de sinal de pressão tem a função de enviar informações àdistância das condições atuais de processo dessa variável. Essas informações são enviadas , de forma padronizada, através de diversos tipos de sinais e utilizando sempre um dos elementos sensores jáestudado anteriormente (fole, diafragma, capsula, etc...) associados a conversores cuja finalidade principal étransformar as variações de pressão detectadas pelos elementos sensores em sinais padrões de transmissão. Esses transmissores convertem o sinal de pressão detectado em sinal elétrico padronizado de 4 a 20 mA dc. Existem vários princípios físicos relacionados com a variações de pressão que podem ser utilizados como elemento de transferência. A pressão do processo, aplicada no elemento metálico elástico (fole), movimenta/deformao; este movimento étransmitido àbarra de força ou alavanca transmissora por intermédio da lâmina de articulação. A barra de força ou alavanca transmissora éaclopada ao diafragma de selagem que também funciona como seu ponto de apoio (pivô). Esta força étransmitida ao disco de rearme, através da alavanca de deflexão, aproximando o disco de rearme do detector. Esta aproximação gera um aumento da indutância, com um conseqüente aumento no consumo de corrente e um aumento no sinal de saída do detector. Paralelamente à aproximação do disco de rearme, acontece o afastamento da bobina de realimentação do imã permanente; ao mesmo tempo, o sinal se saída do detector éamplificado e retificado na unidade amplificadora, resultando no sinal de saída do transmissor (4 a 20 mAcc). Este sinal também éaplicado na bobina de realimentação, aumentando a força para equilíbrio do sistema. Esta força age sobre o braço de rearme, em sentido contrário àvariação do sinal anterior, afastando o disco de rearme do detector; deste modo, o sistema atinge um novo equilíbrio, com o sinal de saída do transmissor ficando proporcional ao valor da pressão medida naquele momento. O sinal de saída do instrumento étransmitido para um receptor eletrônico de faixa compatível, seja para fins de indicação, registro ou co ntrole. A medição de pressão utilizando este tipo de sensor se baseia no fato dos cristais assimétricos ao sofrerem uma deformação elástica ao longo do seu eixo axial, produzirem internamente um potencial elétrico causando um fluxo de carga elétrica em um circuito externo. A quantidade elétrica produzida éproporcional a pressão aplicada, sendo então essa relação linear o que facilita sua utilização. Outro fator importante para sua utilização estáno fato de se utilizar o efeito piezoelétricode semi-condutores, reduzindo assim o tamanho e peso do transmissor, sem perda de precisão. |
O sonho de muitos jogadores de videogame das antigas foi realizado. Allejo, o eterno mito de International Superstar Soccer, está de volta aos consoles da nova geração. O camisa 7 da seleção brasileira é uma das principais atrações de Pro Evolution Soccer 2014, repetindo o tributo feito pela Konami na edição passada do jogo. Allejo aparece naquele time básico que pode ser escolhido para o começo da Master League. E, embora os atletas inventados da equipe não costumem ser muito bons, a lenda vem em nível de craque: sua qualidade geral é de 88 pontos, equivalente a Mario Balotelli, Arturo Vidal e Ryan Giggs. Para os verdadeiros fãs, poderia ser acima de 99, como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, mas só a lembrança já está valendo. É preciso escolher uma equipe do Brasileirão e também a nacionalidade brasileira. Aos 35 anos, é óbvio que o craque desfruta de uma aposentadoria confortável por aqui. Para ficar melhorar, só faltou um detalhe: a Konami poderia manter os nomes do time básico do Winning Eleven. |
O prazer de estar ao ar livre, apreciando o que dá vida à natureza - animais, plantas e o que o homem tem feito de sustentável para acertar o passo com o planeta. Nem sempre o cotidiano permite fazer a visita que se deve ao parque que é cartão postal da sua cidade. Mas agora, época de férias, você pode programar esse lazer prá lá de saudável na companhia do seu filho. Porque a interação entre tudo o que é vivo se mostra de modo grandioso em um parque - prova de que não há como viver sozinho em nosso planeta. A seguir, uma seleção de parques de Norte a Sul do Brasil para você desvendar com seu filho. Por que vale a visita: um dos espaços verdes mais famosos do País, o Ibirapuera foi inaugurado em 1954, resultado de um trabalho em conjunto do arquiteto Oscar Niemeyer e do paisagista Roberto Burle Marx - duas das assinaturas mais vistosas da inteligência nacional. No centro da Pauliceia, possui cerca de 1,5 milhão de m2 embelezados por jardins, rica coleção de figueiras e ipês, lago (com 673 chafarizes) e inúmeras atrações culturais, caso do Planetário Professor Aristóteles Orsini, da Escola Municipal de Astrofísica, da Universidade Aberta de Meio Ambiente e da Cultura de Paz (UMAPAZ), do Viveiro Manequinho Lopes e do Herbário Municipal, entre outras. O que ver de Ciências: pense seriamente em agendar várias idas ao Ibirapuera para fazer seu filho aproveitar ao máximo a oferta de atrações. Da observação com telescópio do universo (Planetário e Escola de Astrofísica) aos segredos de cultivo de plantas (Viveiro) e o respeito à flora paulistana (Herbário). Na UMAPAZ, são programados roteiros que exploram o Ibirapuera do ponto de vista ambiental, além de exposições interativas sobre sustentabilidade, entre outros temas, para crianças. De história recente (foi criado nos anos 2000), na zona Oeste da capital paulista, o parque tem enorme procura, em especial, no fim de semana. Administrado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente desde 2004, vem conquistando ano a ano melhorias, caso da plantação de milhares de mudas de ipês, a árvore-símbolo de São Paulo. Hoje, na área de 732 mil m2, já é possível admirar um bosque de espécies nativas da Mata Atlântica, entre outros destaques. E desde 2009 está em atividade a Villa Ambiental, espaço dedicado à difusão da ecologia junto ao púbico infantil. O que ver de Ciências: em andamento no espaço Villa Ambiental, atividades de conscientização ambiental ocupam crianças de 8 a 10 anos aos fins de semana, abordando de modo lúdico temas como lixo, poluição das águas e da atmosfera, o respeito aos animais, às plantas e às florestas, além de enfatizar os hábitos necessários para proteger o planeta. A trilha "Vai pela Sombra" facilita o passeio a pé por entre as áreas verdes mais interessantes do extenso parque. Por que vale a visita: criado em 1896, na zona Norte paulistana, teve como primeiro diretor Albert Löefgren - naturalista e botânico sueco responsável por inúmeros melhoramentos, caso da plantação dos pinheiros-do-brejo, árvores altas e de folhas escuras, cujas raízes esculturais se desenvolvem acima da terra e ainda hoje são admiradas nas áreas de charco. Com 187 alqueires, dos quais 35 abertos ao público, o Horto é habitat de árvores nativas (pau-brasil, pau-ferro e jatobá, por exemplo), onde há bicas de água potável, lagos e o Museu Octávio Vecchi, de acervo de madeiras significativo na América Latina. O que ver de Ciências: destaque do museu, as mostras de madeira possuem entalhes que reproduzem as folhas e os frutos das espécies de origem. A visita ao Horto Florestal estimula o contato com as plantas, as árvores e os animais que ali vivem à solta natural (macaco-prego, tucanos e garças, entre outros). Espécie de laboratório da biodiversidade, há sempre atividades para crianças programadas pelo Núcleo de Educação Ambiental - aos pais a tarefa de checar dia e horário, antes da visita. Por que vale a visita: tem mais de 200 anos, criado que foi por D. João VI. A passagem do tempo em nada perturba a qualidade de suas instalações, a beleza e a riqueza do seu acervo natural (cerca de nove mil espécies) espalhado em área de 141 hectares. O que ver de Ciências: com orgulho, é chamado pelos cariocas de santuário ecológico. Só no orquidário contam-se três mil exemplares de 600 espécies. Outras coleções notáveis são as bromélias (1700, de diversas formações), as violetas, as plantas medicinais e as insetíforas (em estufa à parte, elas se alimentam de insetos). Atrações à parte são a alameda das palmeiras-imperiais e o lago com vitórias-régias, que despertam respeito imediato em visitantes de todas as idades pela monumentalidade. Atenção: neste segundo semestre, está previsto o reinício de atividades do Museu do Meio Ambiente, com a programação direcionada para o convívio sustentável entre homens e meio ambiente. Por que vale a visita: ele nasceu em 1861 com o nome de Floresta de Tijuca e Paineiras, projeto de reflorestamento colocado em prática por ordem do imperador D. Pedro II que recuperava nascentes de água e replantava espécies da Mata Atlântica danificadas com o cultivo do café. Em 1961, foi classificado como parque e dividido em várias áreas (a superfície total é de 39 km2) - a mais freqüentada é a Floresta da Tijuca. Formada de rochas de milhares de anos, as montanhas do parque permitem passeios a pé seguindo mais de 100 trilhas que atravessam córregos e onde há grutas e cavernas, abrigos de morcegos e aranhas caranguejeiras, entre outros. Como se não bastasse o esplendor da natureza, o parque tem fama por abrigar o Corcovado e o Cristo Redentor. O que ver de Ciências: é um dos templos naturais mais bem preservados em território brasileiro, de uma riqueza em plantas, árvores e animais, rios, lagos e cachoeiras, que merece ser razão de inúmeros passeios. Vale a pena apreciar a exposição permanente no Centro de Visitantes, com painéis interativos e vídeos sobre a história do parque, suas características geológicas, flora e fauna. Recomendação: faça sempre uso do bom senso, percorrendo apenas as trilhas ricas de sinalização durante o passeio a pé. Acesso pela Estrada das Furnas, na Barra da Tijuca, ou pela Estrada Edson Passos (direção Alto da Boa Vista), tel.: 21 2492 2252, Rio de Janeiro (RJ) Por que vale a visita: na Ilha da Ressaca, em meio ao lago que embeleza a capital mineira, o parque tem extensa área verde (cerca de 300 mil m2) e vegetações típicas de algumas regiões brasileiras (cerrado, Mata Atlântica e Floresta Amazônica). Está em funcionamento desde 2004 e suas atividades têm por foco a educação ambiental. Abriga o Memorial Minas Japão que detalha usos e costumes da cultura japonesa. O que ver de Ciências: vale a pena agendar a visita sob a companhia de monitores, a maneira mais adequada de reparar no que há de notável na natureza ali preservada. Curiosidade: tire proveito do projeto "Bicicletas para Todos" - maiores de 18 anos podem se servir desse meio de transporte em visita a determinadas áreas do parque, um estímulo à prática de atividade física como forma de garantir o próprio bem estar. Por que vale a visita: trata-se do centro de pesquisa e parque zoobotânico por excelência da flora e fauna amazônicas. Em atividade desde o final do século 19, ganhou notoriedade quando o zoólogo suíço Émil August Goeldi assumiu a direção. Hoje conta com aproximadamente 600 animais e 2 mil espécies de plantas tropicais em uma área de 5,2 hectares no centro de Belém. O que ver de Ciências: miniatura da Floresta Amazônica, com animais vivendo em liberdade em meio à vegetação que cresce sob a copa de árvores, a maioria delas de 30 m de altura. Trilhas aproximam quem visita do habitat de preguiças, pássaros, répteis, anfíbios e peixes de água doce - o passeio a pé exige se concentrar para ser capaz de observar a riqueza desse universo. Por que vale a visita: à beira do rio Guamá, no espaço antes ocupado por um estaleiro, foi criado essa espécie de museu consagrado ao meio ambiente desse pedaço de Amazônia. Aberto em 2005, tem 40 mil m2 e boa oferta de lazer que é fonte de informação, caso do viveiro de aves, do borboletário e do Museu Amazônico da Navegação. O seu objetivo é recriar a flora típica de determinadas regiões paraenses, caso das matas das várzeas, das matas de terra firme e dos campos - projeto que ainda está em andamento. No viveiro de pássaros, contam-se cerca de 300 aves, de sabiás, curiós a guarás, essa última ave de mangue, de plumagem vermelha e bico recurvado; no borboletário, são mais de 800 espécies de cores instigantes. Mas é no Museu Amazônico da Navegação, recheado de embarcações de outras épocas, que você poderá transmitir a seu filho um pouco sobre a história da navegação brasileira. Por que vale a visita: é uma das áreas verdes mais bonitas da metrópole paranaense. Existe desde 1991 e desde então chama a atenção pela área de 245 mil m2 muito bem explorada em jardins geométricos, onde há espaço para abrigar a estufa transparente, de estrutura metálica e estilo art-nouveau, cópia de um palácio de cristal inglês; o Jardim das Sensações; e o Museu Botânico Municipal. O que ver de Ciências: na estufa, há boa variedade de espécies típicas da nossa Mata Atlântica, um tipo de informação que merece ser aprofundado na visita ao Museu Botânico local. Quanto ao Jardim das Sensações, em atividade desde o final de 2008, ele estimula o visitante a percorrer, de olhos vendados, a trilha por entre 50 plantas e assim conhecer o universo vegetal por meio do toque e do aroma. Por que vale a visita: é a maior e mais popular área verde da capital paranaense. Criado no início dos anos 70, o parque tem área de 1,4 milhão de m2 em boa parte ocupada por mata nativa, onde vive rica fauna. O que ver de Ciências: atenção aos pássaros ameaçados de extinção, caso do papagaio-do-peito-roxo, entre as cerca de 200 espécies que vivem no parque. E aproveite a visita ao Museu do Automóvel para mostrar a seu filho não apenas carros antigos como também antiguidades mecânicas que retratam a evolução do motor. |
Um dia, a televisão anunciou que ia passar o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Perto dos onze anos, Alexandre ficou feliz de saber que o programa tinha dois horários e que, depois da escola, ia poder ver aquela história de que sempre ouvira falar, mas nunca tivera coragem de ler. Eram doze livros comprados pelo pai, com letras grandes e cheios de gravuras, mas que pareciam muita coisa para quem ainda tinha os deveres de casa e os livros da escola. As aventuras em ilhas desertas, o escoteiro Bila e as traquinagens de Tom Sawyer eram histórias que faziam Alexandre gostar de ler e até tentar aprender a datilografar na máquina Olivetti Lettera 32 de sua mãe para poder escrever suas próprias histórias de detetives e mistérios. Mas no dia em que a música de Gilberto Gil começou a tocar na televisão, anunciando a transposição da imaginação de Monteiro Lobato de livro para o audiovisual, ele assistiu ao programa inteiro maravilhado. Ficou impressionado com as imagens daquela menina que dormia na beira de um rio e acabava por mergulhar no reino das Águas Claras, onde sua boneca ganharia vida e voz. Porque ele já gostava de ler, pensou que devia ser bom procurar aquela história no original, e foi assim que, durante meses, o menino lia e via o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Meio envergonhado, se achando um pouco velho para aquela literatura infantil, mas devorando cada página e se emocionando a cada sermão de Dona Benta, estranhando poder haver uma boneca tão malcriada que fosse ao mesmo tempo tão querida, desejando ser aquele menino de bodoque que passava as férias inteiras no paraíso. Desejando, não: todo ano ele ia para o interior de Minas, e se imaginava sendo Pedrinho. Alexandre cresceu e aprendeu a gostar de tantos livros que não havia mais espaço em sua casa para tantas estantes. Quando sua filha nasceu, ele lia Monteiro Lobato e contava histórias inventadas, de piratas que viajavam à noite para a lua e de peixes que falavam e podiam cruzar mares e rios e muitas vezes apareciam nos chafarizes, para encontrar seus amigos humanos. A filha ouvia as histórias, pedia para ouvir as preferidas de novo, pedia para mudar o final de outras e, mesmo depois de aprender a ler, ainda dormia com as narrativas do pai. O tempo passou e a menina já escolhia os livros que queria comprar sozinha. Ela não entende aquelas histórias sem pé nem cabeça, ele não consegue gostar de historinhas que sempre têm o mesmo final. Mas sempre que almoçam juntos discutem a mesma coisa: as histórias que estão lendo. O engraçado é que pai e filha tiveram influências da televisão, e não sabem por que tanta gente reclama dela como culpada da falta de leitura das pessoas. Eles veem séries de TV juntos, vão ao cinema, conversam, e mesmo assim resta muito tempo para ler seus livros preferidos. E, hoje em dia, a menina tem um irmãozinho de três anos. Alexandre também conta histórias para o pequeno, mas ele insiste em saber tudo sobre o lobo mau e o lobisomem, e não resta muito espaço para outras ficções. Às vezes, o pai conta histórias em que os canídeos são bonzinhos, mas incompreendidos. Mas muitas vezes o menino pede a história para valer, com toda a maldade que existe no coração desses monstros. A irmã mais velha gosta de ouvir as histórias, ri das invencionices do pai e de vez em quando ela mesma conta para o irmãozinho uma trama que ela inventa ou se lembra da infância. E assim o pai se sente orgulhoso de ver que os filhos vão, aos poucos, aprendendo a gostar de ler. Porque gostam de narrativas, de enredos, de histórias que os façam imaginar novas histórias, que os façam ver como o mundo pode se transformar. E porque, aos poucos, eles vão entender que para aprender a gostar de ler não basta abrir um livro, mas saber que aquele livro é mais um caminho que o mundo oferece. |
Centro de Estudos e Psicobiologia e Exercício (CEPE) Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) O envelhecimento pode ser considerado de diferentes prismas, por exemplo, em um contexto mais filosófico, pode ser o continuar sendo, o continuar existindo, o continuar criando vida e ultrapassando os limites dos seus antecessores. E esse processo é reflexo de inúmeros acontecimentos ao longo da história da humanidade. No passado, o envelhecer era raro e para muitos era comum a morte ainda na fase adulta. Se bem que na maior parte do tempo da humanidade na Terra, a morte era prematura e não se conhecia o envelhecimento. Mas, com a evolução da sociedade moderna, desenvolveu-se uma explosão de medidas protetoras que tinham como principal intuito postergar a morte e, em conseqüência disso, deparou-se com um outro fenômeno, o envelhecimento. Mas o envelhecimento não deve ser tratado como um problema e sim, deve ser entendido. E quando se fala de compreensão, deve-se ter uma visão global do envelhecimento, não somente biofisiológica, mas conhecer as particularidades ambientais, sociais, culturais e econômicas que, seguramente em maior ou menor extensão participam desse processo. Portanto, é indispensável que se considere o envelhecimento como um processo e os idosos como indivíduos. O crescente aumento da população idosa em todo o mundo, comprovada por diversos estudos demográficos, tem colocado para os órgãos governamentais e para a sociedade o desafio de problemas médico-sociais inerentes do envelhecimento populacional. No início do século X, o envelhecimento populacional era apenas relatado nos países desenvolvidos, mas, a partir da década de 1950, passou a ser um fenômeno mundial. Inúmeros fatores contribuíram para essa modificação no perfil do envelhecimento populacional: o avanço das técnicas em saúde, proporcionando melhoria da qualidade de vida e em conseqüência, a um aumento na expectativa de vida. Em paralelo, vem se observando uma redução na taxa de natalidade tanto nos países desenvolvidos quanto os países em desenvolvimento, por exemplo, o Brasil [1,2]. No Brasil, a população idosa vem mantendo uma tendência de crescimento. Aliás, em 1996, a proporção de idosos na população brasileira era de 7,9%, e, em 2006 aumentou para 9,2%, existindo uma estimativa que, no ano de 2050, a proporção será de 18% em relação ao total da população [10]. Paralelamente às modificações demográficas, que estão acontecendo nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, há necessidade também de profundas modificações socioeconômicas, particularmente nos países em desenvolvimento, visando melhor qualidade de vida aos idosos e aqueles que se encontram em processo de envelhecimento [96]. O crescimento da população idosa nestes países, acompanhado de falta de disponibilidade à riqueza ou, o que é mais comum, de sua perversa distribuição, contrasta com o existente no passado com a Europa, quando uma população começou a envelhecer. Talvez a Inglaterra seja o exemplo mais típico: o envelhecimento da sua população teve inicio após a revolução industrial, no período áureo do império britânico, quando estado e sociedade puderam dispor de recursos para atender a demanda que o crescente numero de idosos exigia [96]. O complexo problema, que associa a precária condição socioeconômica, problemas advindos da existência de múltiplas afecções concomitantes e dificuldade de adaptação o idoso às exigências do mundo moderno, tem como conseqüência natural o isolamento do velho e um impacto sobre a sociedade de que terá que enfrentar este desafio com absoluta presteza [96]. Por se tratar de um processo comum a praticamente todos os seres vivos, o envelhecimento deveria ter suas bases fisiológicas melhor conhecidas, à semelhança dos outros fenômenos orgânicos que caracterizam a concepção, o desenvolvimento e a evolução dos habitantes deste planeta, em especial o ser humano. Muitos foram os fatores que impediram o progresso deste conhecimento, mas, o mais importante, foi a constância com que o envelhecimento natural foi erroneamente caracterizado como um estado patológico, o que estimulou muito mais a tentativa de combatê-lo do que entendê-lo [96]. A maior parte do que se conhece do assunto hoje, é fruto de pesquisas realizadas nestas últimas décadas. Toda esta evolução do conhecimento modifica conceitualmente o envelhecimento, respondendo não somente a uma nova gama de interesses profissionais, mas também às necessidades originadas por uma verdadeira explosão demográfica da população de gerontes [96]. Atualmente, é fundamental que o profissional interessado nesta área esteja atualizado nas peculiaridades anatômicas e funcionais do envelhecimento, sabendo discernir com máxima precisão os efeitos naturais deste processo (senescência) das alterações produzidas pelas inúmeras afecções que podem acometer o idoso (senilidade). Existem outros termos para se referir as mesmas condições, como eugeria às alterações puramente fisiológicas e patogeria às provocadas pelas doenças. Outros autores utilizam para esses conjuntos de fenômenos a denominação envelhecimento primário e envelhecimento secundário [96]. De forma geral, a quantidade de água corpórea declina (entre 15 e 20%) com o envelhecimento, com a redução dos componentes intra e extra celulares, provocando maior suscetibilidade a graves complicações conseqüentes a perdas líquidas e maior dificuldade a rápida reposição do volume perdido Esta retração do compartimento hídrico associado ao componente lipídico (20 a 40%), com uma diminuição do nível de albumina altera o transporte de diversas drogas do sangue [84]. O metabolismo basal diminui cerca de 10% a 20% com o progredir da idade, o que deve ser levado em conta quando se calcula as necessidades calóricas diárias do idoso. A tolerância à glicose se altera, criando alguma dificuldade no diagnóstico do diabete [84]. Há progressiva redução da síntese de aldosterona, concomitante a um aumento da síntese de hormônio antidiurético. Estas alterações, associadas às limitações da função renal (ver a seguir), são responsáveis por freqüentes hiponatremias, geralmente agravadas pela adoção de dietas hipossódicas e/ ou de diuréticos [84]. A partir dos 40 anos a estatura do individuo começa a declinar cerca de 1cm por década [21]. Esta perda se deve à diminuição dos arcos pé, aumento das curvaturas da coluna, além de um encurtamento da coluna vertebral em razão de alterações nos discos intervertebrais. Os diâmetros da caixa torácica e do crânio tendem a aumentar. O nariz e os pavilhões auditivos continuam a crescer, dando a conformação facial típica do idoso [113]. Há alterações evidentes na composição corporal, com aumento do tecido adiposo que tende a se depositar na região abdominal e entre os órgãos, ocorrendo sem geral após os 35 anos. O teor total de água do corpo diminui por perda de água intracelular, levando à diminuição da relação fluido intracelular para o extracelular. A concentração de potássio total, que na maior parte é intracelular, também diminui. A perda de água e potássio deve-se preferencialmente à diminuição geral do número de células nos órgãos [113]. Essas mudanças na composição do corpo levam a uma diminuição da massa consumidora de oxigênio, quando expressa por unidade de peso ou por unidade de superfície. Os órgãos internos também são afetados com o envelhecimento, entre os quais os rins e o fígado são os que mais sofrem prejuízos [35]. As fibras elásticas da derme formam feixes dispostos segundo direções preferenciais, conforme as linhas de tensão. É por esse motivo que, quando se perfura a pele com um cilindro, obtém-se uma fenda e não um orifício circular. Com o envelhecimento, estas fibras se alteram, a elastina se torna porosa e menos elástica. Somadas a diminuição da espessura da pele e do subcutâneo, estas alterações dão origem às rugas [47]. As glândulas sudoríparas e sebáceas diminuem a sua atividade, resultando em uma pele seca e áspera, mais vulnerável a infecções e alteração de temperatura [47,96]. A cor da pele é determinada e parte pelo pigmento contido nos melanócitos que o transferem para as células da epiderme e, em parte pelo sangue das alças capilares. Com isso, a pele fica pálida, aparentando o estado de anemia. Entre os 40 e 50 anos, a pálpebra inferior pode apresentar edema por herniação de gordura associada a uma pequena retenção de líquido, pode haver também hiperpigmentação deste local [47,96]. Os melanócitos podem sofrer alterações no seu funcionamento em certas regiões como a face e dorso da mão, levando à formação de manchas hiperpigmentadas, marrons, lisas e achatadas. Como a epiderme fica mais fina, os menores traumas podem provocar equimoses com manchas vermelhas ou púrpuras salientes. São comuns também manchas escuras ou marrons, salientes, conhecidas em conjunto como queratose seborréica [47]. Na mulher, crescem no lábio superior em razão do aumento de hormônios andrógenos e diminuição dos estrógenos [96]. O cabelo pode ser dividido em haste e raiz que fica encravada na hipoderme, onde o bulbo possui a matriz que produz o seu crescimento. Cada cabelo é constituído de células modificadas da epiderme que forma a medula e o córtex. As células da medula são separadas por espaços contendo ar ou líquido. As células do córtex têm pigmento, sendo elas as responsáveis pela a cor do cabelo. Com o envelhecimento, a medula se enche de ar e as células do córtex perdem pigmento, tornando o cabelo branco. É normal que após o crescimento do cabelo, as células do bulbo fiquem inativas ou morram, o que ocasiona a queda do cabelo. Após um período, novas células começam a funcionar e o cabelo cresce novamente. Com o envelhecimento e, dependendo de vários fatores, ocorre diminuição do número de bulbos ativos e surge a calvície [96]. Devem-se considerar dois aspectos no osso: o compacto e o esponjoso. No idoso, a espessura do componente compacto diminui pela reabsorção interna óssea. Na esponjosa, há perda de lâminas ósseas em relação ao jovem, formando-se cavidades maiores entre as trabéculas ósseas [113]. Histologicamente observa-se que a parte cortical, que no jovem é formada por osteomas regulares com canais de tamanhos normais, no idoso apresenta canais mais amplos, com zonas de reabsorção interna transformando-se a compacta em esponjosa, Os osteócitos, que controlam todo o metabolismo da matriz extracelular, diminuem em número e atividade com o envelhecimento. Com isso, o metabolismo do cálcio se desequilibra e há perda de cálcio na matriz. A perda de tecido ósseo ocorre de maneira diferente no home e na mulher. Na mulher não há perda óssea significante antes da menopausa, porém após este fenômeno, o processo é mais intenso do que nos homens. Isto se observa ao se analisar a densidade óssea, tanto no tecido compacto como no esponjoso [96,113]. Se esse processo de perda de massa óssea for excessivo, pode ser patológico e se constituir um dos principais problemas do envelhecimento, a osteopenia e a osteoporose. Para as pessoas com mais de 60 anos a alterações podem chegar ente 30 e 50% [81]. A osteopenia é definida por uma densidade mineral óssea entre desvios padrão (DP) entre -1 e -2,5 da média dos adultos jovens; a osteoporose constitui-se quando a perda de massa mineral óssea ultrapassa -2,5 DP da média dos adultos jovens [114]. Nas suturas do crânio, os ossos são unidos por tecido fibroso. Com o envelhecimento esse tecido sofre substituição por osso, processo este que se inicia por volta dos 30 anos. O crânio, portanto, tende a apresentar um menor número de ossos o que diminui a sua resistência a fraturas [78]. Os discos intervertebrais são constituídos por um núcleo pulposo e um anel fibroso. O núcleo pulposo, no jovem, é constituído de uma grande quantidade de água, fibras colágenas finas e proteoglicanas; o anel fibroso é uma fibrocartilagem constituída por condrócitos e uma matriz, onde se encontram fibras colágenas espessas e proteoglicanas. No idoso, o núcleo pulposo perde água e proteglicanas e as fibras colágenas aumentam em número e espessura [78]. No anel fibroso, ao contrário, as fibras colágenas ficam mais delgadas. Com tudo isso a espessura do disco diminui, acentuando-se as curvaturas da coluna vertebral, especialmente a torácica, contribuindo para o aumento da cifose torácica, comumente observada nos idosos [28,79]. No jovem, ela é constituída por uma camada de células, os condrócitos e uma matriz onde se encontram água, fibras colágenas e proteoglicanas. Com o envelhecimento ocorrem alterações, especialmente nas camadas superficiais: o número de células, a água e as proteoglicanas diminuem, enquanto as fibras colágenas aumentam em número e espessura. Como conseqüência, a cartilagem fica mais delgada e surgem rachaduras e fendas na superfície e é cada vez mais acentuada com o passar dos anos [28,78,79]. No sistema muscular ocorre uma diminuição do peso do músculo, o que também ocorre na sua área de secção, o que demonstra existir uma perda de massa magra. [103] notaram que, por volta dos 70 anos, a secção transversal do músculo diminui de 25% a 30% e a força muscular decresce de 30% a 40%. Já Skelton e col. [115] mostraram que, após os 70 anos, a perda de força se altera negativamente de 1% a 2% ao ano. No entanto, no nível celular, os sistemas de túbulos T e o retículo sarcoplasmático proliferam, talvez como um mecanismo de compensação para assegurar a transmissão do impulso nervoso da célula. As placas motoras, que no jovem mostram uma série de pregas regulares e uma fenda estreita, no idoso apresenta um aumento do número de pregas e a fenda sináptica se torna mais ampla, diminuindo a área de contato entre o axônio e a membrana da célula [61]. No jovem, a maior parte dos músculos apresenta fibras de contração rápida ou branca e fibras vermelhas ou oxidativas em proporções variadas. No entanto, no músculo do idoso, vemos fibras em degeneração, de ambos os tipos, e também fibras hipertrofiadas, talvez como um mecanismo de compensação. Em animais foi mostrado que a diminuição do número de fibras musculares se deve às fibras vermelhas e que as fibras brancas são as que mais diminuem de volume. No homem, também as fibras que diminuem de volume são especificamente as brancas [96]. As fibras musculares que desaparecem são substituídas por tecido conjuntivo, ocorrendo então o aumento do colágeno intersticial no músculo do idoso [61]. Muito importante para a mecânica respiratória são os elementos da caixa torácica. Com o envelhecimento elas desaparecem e os elementos ósseos e cartilaginosos se fundem. Com a idade a fibrocartilagem entre o manúbrio e o corpo do esterno desaparecem, unindo as duas partes ósseas. Como a mobilidade da caixa torácica depende destas articulações, as alterações citadas provocam importante diminuição na sua complacência [96]. No pulmão, a superfície total dos alvéolos mostra discreta diminuição com a idade. Estudos com moldes de corrosão mostram freqüente presença de alvéolos dilatados em meio a outros normais, bem como fusão de alvéolos formando cistos, devido a ruptura dos septos interalveolares [96]. |
Confecção de peças, utensílios e decorações para ambientes comerciais ou residenciais em mosaico, com pastilhas de vidro, marmorizadas, porcelana ou cristal. Restauração, transformação e personalização de móveis antigos com aplicação de pátina, satinê, relevo e outras técnicas. |
No próximo sábado, dia 9 de dezembro, o G.R.E.S. União de Jacarepaguá apresenta seu novo reforço para o seu time de 2013, o carnavalesco Ney Junior. Que assinará o desenvolvimento do enredo com o carnavalesco Jorge Caribé. A União de Jacarepaguá será a 1ª escola a se apresentar no sábado de carnaval na Marques de Sapucaí, com o enredo “Dos Barões do café à Cidade Universitária. Vassouras, ouro verde do Brasil!”, do carnavalesco Jorge Caribe e desenvolvido com a parceria de Ney Junior.A quadra da escola fica na Estrada Intendente Magalhães, 445, em Campinho. E a apresentação acontecerá na quadra, a partir das 21 horas. |
Pode-se associar o ato de delinqüir ao prazer psicológico de seu exercício? Não se vê “neutralização de comportamentos” que diminuam a dor do outro? Vários são os fenômenos que contribuem para que a dor do outro seja percebida inconscientemente, como irrelevante e prazerosa ( notícias do cotidiano). Desde crimes administrativos escondidos no anonimato (fora do alcance da grande massa:desvio de verbas sociais e públicas,etc) ou até naqueles mais horrendos,são vários os fenômenos “desapercebidos” que chega a habitualidade (banalização costumeira). Muitos situações relacionam-se com fenômenos emocionais complexos, como aquele que o indivíduo agride pra fazer o outro sofrer; o sofrimento do outro constitui a expiação de uma culpa. Assegura-se de que a falha cometida na educação foi resolvida pela dor da criança. Um deslocamento (a dor da criança representa a transferência para um objeto externo – a criança:sofrimento psíquico – Consciência da incompetência no exercício do papel (pai e mãe) Consiste na reorientação de uma pulsão que se encontra bloqueada para uma outra que se encontra disponível. Assim o afeto de uma idéia ou objeto é transposto ou deslocado para outro. Na Delinqüência e prazer existem mecanismos como a sublimação e o deslocamento ao se tentar da recuperação do delinqüente. Mecanismo de defesa pelo qual a energia psíquica retida no material reprimido é canalizada a objetivos, socialmente úteis e aceitáveis. Reorganização da agressividade,Atividades físicas, artísticas que se possa deslocar conteúdos reprimidos, ludicidade,orientação às atividades laborais. De acordo com a teoria psicanalítica,são modos inconscientes utilizados frente às diversas reações que se destinam a repelir ou a reduzir a ansiedade,com vistas a manter o equilíbrio da personalidade. O prazer na dor do outro pode, também, refletir uma característica de personalidade anti-social,em que o indivíduo agride a sociedade, representada pelo objeto da raiva;o agredido não passa de coisa;o prazer de agredir contrabalança à frustração de não poder destruir;eventualmente,chega à fatalidade. Condicionamento: deriva da exposição a situações similares desde a infância ,que ensinaram o indivíduo a obter vantagens (reforço positivo) a partir de comportamentos de agressão. (comportamentos de agressão à família,no sentido de conquistar seus objetos de desejos). Com a repetição das experiências, condiciona-se a provocar a dor, antes mesmo de aventar outros tipos de estratégias;também ocorre quando o sistema familiar se relaciona de modo a privilegiar a dinâmica da repressão. Na imitação de modelos: situações em que pai,mãe ou alguma pessoa significativa causava dor em outras pessoas, e conseguia benefícios com essa estratégia perversa. |
Brasília é a capital do Brasil e está localizada no Distrito Federal. Inaugurada em 21 de abril de 1960, às margens do lago Paranoá, na região Centro-Oeste, é conhecida em todo o mundo por sua arquitetura moderna. Brasília é a capital do Brasil e está localizada no Distrito Federal. Inaugurada em 21 de abril de 1960, às margens do lago Paranoá, na região Centro-Oeste, é conhecida em todo o mundo por sua arquitetura moderna. Terceira capital do país — a primeira foi Salvador e a segunda, Rio de Janeiro —, Brasília foi construída para ser a sede do governo do Brasil. O plano piloto da cidade foi elaborado pelo arquiteto Lucio Costa; é constituído por dois eixos que se cruzam e que, vistos do ar, lembram um pássaro ou um avião. No eixo sul–norte ficam as zonas residenciais; no leste–oeste, os setores político-administrativo, cultural, econômico e esportivo. Na Praça dos Três Poderes estão o Congresso Nacional, o Palácio da Justiça e o Palácio do Planalto, onde o presidente da República trabalha. Próximo dali, à beira do lago Paranoá, fica a residência presidencial, o Palácio da Alvorada, cujas colunas se tornaram um símbolo da cidade. Vista panorâmica de Brasília, localizada no planalto Central do Brasil.Jeremy Woodhouse—Digital Vision/Getty Images Brasília se localiza no planalto Central (que faz parte do planalto Brasileiro) e tem um relevo plano, com altura de 1.000 a 1.200 metros acima do nível do mar. O clima é tropical de altitude, com verão chuvoso e inverno muito seco e fresco. Para amenizar a baixa umidade da região, o projeto da cidade incluiu a construção de um imenso lago artificial, pelo represamento do rio Paranoá. O lago Paranoá tem 40 quilômetros de extensão, 80 quilômetros de perímetro e profundidade máxima de 48 metros. Entre as principais espécies vegetais estão o ipê-roxo, o ipê-amarelo, a paineira, o pau-brasil e o buriti. Como Brasília é a sede do governo do Brasil, funcionam na cidade praticamente todos os órgãos da administração federal, o que faz que sua economia esteja baseada, sobretudo, nos setores de comércio e de serviços. A agricultura e a avicultura também ocupam lugar de destaque, ao lado da chamada indústria limpa — software, cinema e gemologia (de gemas ou pedras preciosas). Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil que fez construir Brasília, diante de um …AP A ideia de construir a capital brasileira no sertão, por questões de segurança, vem desde a época do Brasil colônia. Considera-se que o primeiro a sugerir isso foi o marquês de Pombal, governante português, no século XVIII. No começo do século XIX, Hipólito José da Costa e José Bonifácio de Andrada e Silva retomaram a ideia, mas foi Paulo Ferreira de Meneses que sugeriu diretamente a demarcação, no planalto Central, de um quadrilátero de 160 léguas de lado, no qual se levantaria a capital definitiva do Império. O nome Brasília já circulava, mas o primeiro a registrá-lo no papel, em carta enviada a José Bonifácio, parece ter sido Ritter Von Schaeffer, alemão residente no Brasil que agenciava a vinda de militares alemães para o exército brasileiro. Dizia que Brasília poderia ser erguida na área localizada na latitude de 15° e na longitude de 48°. Hoje, a cidade está justamente na latitude de 15° e na longitude de 47°. Durante o Império e a República, foram feitas várias ações e até projetos de lei para mudar a capital do Rio de Janeiro. O ato mais concreto foi a inclusão, na Constituição de 1891, de um artigo que dispunha sobre a demarcação de uma área de 14.000 quilômetros quadrados no planalto Central para a construção da futura capital federal. A ideia acabou saindo do papel somente na década de 1950. Eleito presidente da República, Juscelino Kubitschek constituiu a Companhia Urbanizadora da Nova Capital, Novacap, dando início aos trabalhos de terraplenagem. A cidade foi construída em tempo recorde, três anos e dez meses, a partir do projeto de Lucio Costa, que venceu outros 26 concorrentes em um concurso nacional. Apesar de ter sido inaugurada em 1960, a administração federal só seria definitiva e completamente transferida do Rio de Janeiro para lá na década de 1970, durante os governos militares. É a quarta cidade brasileira em população, com 2.562.963 habitantes (censo de 2010). |
Se prepara para as universidades no Canadá melhorando o seu inglês acadêmico com os nossos cursos personalizados. Nossos programas universitários no Canadá variam em duração, de cursos curtos e intensivos para afinar a sua fluência a cursos de duração de um semestre a um ano que visam o seu ingresso em uma das universidades no Canadá. Imagine-se estudando em meio à vigorosa, de tirar o fôlego, beleza natural do Canadá. Ir a uma Universidade no Canada é um grande passo, mas você pode aumentar suas chances de sucesso certificando-se de que você está completamente preparado para o desafio. Faça um curso preparatório para Universidades no Canada para ter certeza de que suas habilidades com o inglês estão à altura e tenha o gostinho da vida de estudante. Você praticará novo vocabulário, se preparará para fazer exames e aprenderá quais são os requisitos para admissão nas universidades. Dependendo do programa que você escolher, você pode até receber admissão garantida em uma das nossas Universidades no Canada parceiras quando você se formar. Se você vier estudar no Canadá por um período estendido, seja como estudante de intercâmbio ou em um curso preparatório para uma Universidade no Canada, você terá tempo livre de sobra para aproveitar o máximo da paisagem fantástica e cenário deste belo país. Você pode escolher entre estudar em um curso universitário em Toronto ou Vancouver. Satisfaça seu amor por esquiar ou praticar snowboard e desça as encostas da Montanha Whistler. Realize o sonho de uma vida de visitar as Cataratas do Niágara ou apenas curta a bela paisagem, e também viva e estude em uma cidade cosmopolita. Estudar em uma Universidade no Canada é mais que apenas educação, é uma experiência de vida incrível! |
Com 13 anos de história no mundo do MMA, o amazonense Marcos ‘Loro’ Galvão luta pela permanência do cinturão dos galos em mais uma edição do Bellator. A disputa pelo card principal, será realizada no próximo dia (17), na cidade de Fresno, na Califórnia (EUA). O adversário do amazonense será o também brasileiro Eduardo ‘Dudu’ Dandas (Nova União/RJ). Apesar de ter perdido uma vez para o lutador em 2013, Marcos ‘Loro’ segue confiante para mais uma disputa, e garante que o cinturão vai continuar de posse do Amazonas. “Deus sabe o que estou passando e sei que esta luta já foi escrita por ele. Tenho confiança e sei que no final do round o árbitro irá levantar meu braço me dando a vitória”, disse o lutador após comentar as dificuldades vividas no MMA. A vida de um campeão de MMA nem sempre é fácil como se imagina. Sem patrocínio e apoio do poder público, os dias do manauense são marcados por uma grande rotina de treinos e a ministração de aulas de jiu-jitsu na academia do ex-lutador Vitor Shaolin, nos Estados Unidos, local onde mora a cerca de 6 anos. “Minha rotina é dar aulas duas vezes de manhã e três a noite durante todas as semanas. Não é fácil viver do esporte, ainda mais eu que nunca recebi sequer ajuda do poder público da minha cidade”, destacou Loro ao se referir sobre a dificuldade vivida em solos americanos. A distância entre os locais de treinos e ministração de aulas também é um grande custo para o lutador. “Para me aperfeiçoar nos treinos, luto numa academia que fica cerca de 2h de distância do local onde moro (Nova York), e depois ainda tenho que pegar outro trem para dar minhas aulas, demorando cerca de 45 minutos para chegar lá. Não é fácil, tudo o que fazemos aqui tem um gasto muito alto, pois vivemos numa das maiores metrópoles do mundo”, declarou o lutador amazonense. Ao comentar sobre a recente morte do lutador Kimbo Slice, que faleceu na noite da última segunda-feira (6), aos 42 anos de idade, Loro revela que era fã dos vídeos de lutas de rua postados pelo veterano na internet, se inspirando bastante no jeito rápido de lutar do americano. “Me espelhei muito nele porque com ele não tinham meias palavras, ele ia para cima do adversário e mostrava quem comandava”, disse Marcos Loro, ao lembrar dos vídeos caseiros de Kimbo Slice. |
Mesmo para quem já tem experiência em tocar um negócio bem-sucedido, o ingresso num novo setor costuma requerer um período de aprendizado. Foi o que descobriu o empresário Nelson Kaufman, dono da Vivara, a segunda maior rede de joalherias do país. Dois anos atrás, depois de estender pelo país a marca Vivara numa rede de 58 lojas, Kaufman -- um apreciador de móveis e objetos de decoração -- investiu 30 milhões de reais para erguer a Etna, uma sofisticada loja de artigos para casa, com 20 000 metros quadrados, na nobre região paulistana do Brooklin. A inauguração, em agosto do ano passado, foi precedida de uma campanha de marketing trombeteando uma agressiva política de preços. Num único fim de semana, apareceram 12 000 pessoas na loja. "Achávamos que iríamos agradar, mas não que o sucesso seria tão grande", diz o diretor Mauro Chenker. Sucederam-se contratempos que mais pareciam, aos olhos de quem não foi bem atendido, erros primários. Houve casos em que o produto comprado jamais foi recebido porque o estoque havia acabado. Móveis entregues sem embalagem foram danificados ou, por falta de peças, não puderam ser montados ao chegar à casa do cliente. "Não conseguimos, de início, atender às expectativas de todo mundo", afirma Chenker. Após algum tempo, foi constatado que os principais contratempos ocorriam depois da venda. Diferentemente do negócio de jóias, a compra de um móvel não acaba na loja -- apenas começa. "Os grandes problemas acontecem na entrega e na montagem", diz o consultor de varejo Eugênio Foganholo. A primeira providência da Etna foi enviar um pedido de desculpas com uma caixa de bombons a 300 clientes que tiveram complicações. Em novembro, o depósito que ficava atrás da loja foi transferido para um armazém de 11 000 metros quadrados, quase quatro vezes maior. Conceitos básicos de logística foram introduzidos para organizar 24 000 itens fornecidos por 500 empresas. Equipamentos e treinamento de mão-de-obra consumiram 800 000 reais em investimentos. "Agora que sabemos como o negócio se comporta, fica mais fácil promover melhorias", diz Chenker. Os novos processos permitiram baixar o tempo de entrega de dez para quatro dias úteis. Os prazos, antes cumpridos em 85% dos pedidos, passaram a ser respeitados em 99% deles. Uma segunda loja deve ser inaugurada em Campinas, no interior de São Paulo, neste ano e, para 2006, a promessa é abrir outra em São Paulo. No ano passado a Etna entregava 85% dos pedidos de móveis em 10 dias uteis. |
Bacharel em Violão (1993), Mestre em Educação Musical (1998), Doutora em Etnomusicologia (2009) e, desde 2007, professora do Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra o Grupo de Estudos Musicais (GEM/PPGMUS/UFRGS) coordenado pela professora Maria Elizabeth Lucas, desde 1993, pesquisando práticas musicais de afro-descendentes no RS. A partir de 2002 passou a colaborar com o Programa de Educação Antirracista no Cotidiano Escolar e Acadêmico do Departamento de Desenvolvimento Social DEDS/PROREXT/UFRGS. |
Decida entregar-se ao Senhor, se submeter a Ele e ser santo como Ele é. Eu decido me entregar ao Senhor, me submeter a Ele e ser santo como Ele. Aplicar o que aprendeu e ser cada vez mais um praticante, não somente leitor ou ouvinte. Oração é essencial para nos aproximarmos de Deus e sermos cada vez mais amigos intimos dEle. Adorar a Deus, ir aos cultos na igreja, é indispensável na santificação. Tire uma brasa da fogueira e ela se apagará, virará um carvão. Um dos primeiros sintomas de frieza espiritual e de queda no relacionamento com Deus é a fuga dos cultos. Poucas desculpas são mais descoradas do que aquela de “estou sem ir à Igreja, mas mantenho minha relação com Deus no mesmo nível”. Se a Palavra, a oração e o culto nos alimentam, o testemunho nos faz exercitar-nos. Quem só come e não se exercita pode ter problemas de saúde. Que as pessoas a sua volta vejam Jesus e sua santidade nas suas atitudes e no seu falar. Alguém disse que “a Igreja é o único exército que atira em seus próprios soldados”. Entender que todos nós temos falhas, que enfrentamos as mesmas lutas, tudo isso é um elemento muito forte no processo de santificação. A confissão de fraquezas e pecados uns aos outros nos liberta, nos cura. A disciplina ou o domínio de si mesmo é algo indispensável na busca da santidade. É dizer não para os desejos pecaminosos da carne e procurar ser como Cristo. Não adianta, você precisa ter estratégias para se controlar, para fugir do pecado. Claro que é algo difícil, mas de alguma forma você tem que tentar substituir esse prazer nesse pecado por um prazer maior. Certos momentos difíceis, ler a bíblia, ou orar não adianta, estamos tão focados com vontade de pecar, que o jeito é sair correndo, como fez José com a mulher de Potifar. Faça algo que vai te satisfazer e fazer você esquecer do pecado. |
Com mais de 600 mil presos, o país fica atrás apenas de Rússia, China e EUA Sabemos que o sistema carcerário brasileiro está falido, com superlotação e sem ressocialização. No entanto, chamamos a atenção para uma das maiores contradições desse país, cuja imagem é de uma Justiça lenta e ineficaz. Até 2014, o Brasil ocupava a quarta maior população carcerária do mundo, segundo dados do Ministério da Justiça, o que significa que a Justiça está trabalhando; a questão é de que forma. Com mais de 600 mil presos, o país fica atrás apenas de Rússia, China e EUA. Em 10 anos, o aumento foi de 80%, e se considerarmos as décadas entre 1990 e 2010, o Brasil teve o maior crescimento da população carcerária do mundo, com alarmantes 450%. Quando o número de presos é dividido pela população, a chamada taxa de encarceramento, o crescimento do número de presos por grupo de 100 mil habitantes nesses 20 anos aumentou 61,8%. Para se ter ideia, se continuarmos no mesmo ritmo, um em cada 10 brasileiros estará atrás das grades em 2075. Isso comprova que a Justiça manda prender muito, e o que se questiona é essa posição arbitrária, tendo em vista o risco de ferir a presunção da inocência. Nosso Judiciário está sofrendo da síndrome da violência presumida, o que leva ao excesso de prisões provisórias, além da extensão errada desses encarceramentos, caracterizando constrangimento legal. Afinal, muitos indivíduos são mantidos nas prisões sem que estejam condenados pelo trânsito em julgado. O que vem prevalecendo é a lógica do encarceramento, o que, talvez, explique essa superlotação, o excesso de prazos e a oneração dos cofres públicos para a manutenção do sistema prisional. Um alto custo para o que se tornou um “depósito de seres humanos”, aglomerados e sem qualquer direcionamento para uma recuperação que os permita a reinserção à sociedade. Enfim, as projeções não só assustam pela quantidade, mas também pela qualidade, pois há uma desigualdade escancarada entre os que estão presos e os que delinquem. Dentre os encarcerados a esmagadora maioria é das camadas discriminadas, como negros, pobres e com baixo nível de escolaridade. Variáveis que sinalizam quão arbitrária tem sido a Justiça, o quanto o Brasil ainda é desigual e o caos que é o sistema penitenciário brasileiro. |
No último domingo (26), completou-se mais um ano da trágica morte de Marc-Vivien Foé. Já se vão 13 anos desde que o meia camaronês desabou em campo na semifinal da Copa das Confederações de 2003, disputada na França. A autópsia apontou uma cardiomiopatia hipertrófica, um ataque cardíaco, em português claro. Aos 27 minutos do segundo tempo de Camarões e Colômbia, Foé sentiu-se mal e foi ao chão. Ainda dentro de campo, recebeu todo o atendimento que era possível no local e foi levado a um hospital de Lyon ainda com vida, mas não resistiu. Dono de muita força física, Foé era um meio-campista daqueles que todo treinador gostava de ter: forte e disposto a todo tipo de esforço a favor do time. Havia chegado ao clube um ano antes, por empréstimo junto ao Lyon, e foi parte fundamental do time que havia acabado de subir da segunda divisão e terminou o ano com uma sólida nona colocação na tabela. Em toda a temporada, o camaronês entrou em campo 41 vezes pelo City e foi o vice-artilheiro do time na temporada, tendo ido às redes em nove oportunidades. Primeiro, no 3-0 sobre o Sunderland em pleno Stadium of Light; Foé ainda deixou dois que garantiram o empate em 2-2 contra o Charlton Athletic também fora de casa e, mais adiante, outros dois na vitória sobre por 3-1 sobre o Aston Villa no velho Maine Road. Foé comemorando um dos dois gols que marcou na vitória sobre o Aston Villa Naquela temporada ele ainda havia marcado contra o Fulham em um sonoro 4-1 em Maine Road e também deixou um dos tentos que garantiram um empate em 2-2 contra o Everton, em Goodison Park. Seus dois últimos gols pelo City foram justamente contra o adversário dos dois primeiros. Na visita do Sunderland ao Maine Road, já em abril de 2003, o City aplicou outro 3-0, com Foé fazendo o primeiro e o terceiro e Fowler ajudando a fechar a conta. Aliás, o último gol desta partida foi também o último da história do Maine Road. Mas apesar de todos estes gols (e deste último, em especial), talvez o momento que mais tenha ficado na memória da torcida do City foi no último Manchester Derby disputado em Maine Road. Foi de Foé o passe para que Goater marcasse aquele gol, seu centésimo pelo clube. Foi dele o passe para o gol que garantiu aquela vitória por 3-1. O passe que fez com que Gary Neville perdesse aquela bola na linha de fundo e que fez com que o Maine Road inteiro viesse abaixo com a torcida gritando "Gary Neville is a blue!". Apesar dos gols terem sido de Anelka e Goater, Foé foi parte fundamental naquele clássico que acabou com uma invencibilidade de 13 anos do United sobre o City – e isso é algo que jamais será esquecido. Tanto o City sabe como homenagear aqueles que, de alguma forma, ficaram marcados no clube, que a camisa 23, utilizada por Foé naquela temporada, foi definitivamente aposentada. Pai e filho prestam homenagem a Foé em frente ao Maine Road A torcida também deu seu jeito de eternizar o jogador ao fazer uma espécie de memorial com camisas, cachecóis, bandeiras e flores na frente do Maine Road. A temporada 2002-03 havia sido a primeira de Foé pelo clube, mas certamente não teria sido a última. Apesar dele estar no clube por empréstimo, é difícil imaginar – pelo ano que ele havia tido – que o time não exercesse a opção de compra para mantê-lo em definitivo. Afinal de contas, Foé havia cumprido com louvor todas as tarefas que lhe eram requeridas para que ele se tornasse um ídolo no clube. |
Antalya - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta segunda-feira que há vários membros do G20 entre os 40 países que financiam o grupo Estado Islâmico (EI). "O financiamento, como sabemos, provém de 40 países, entre eles vários países do G20", disse em entrevista coletiva após a cúpula do grupo dos 20 países mais ricos e em desenvolvimento, realizada na cidade de Antalya, na Turquia. Putin, no plenário da cúpula, exemplificou "sobre o financiamento de diversas unidades do EI por pessoas físicas". Ele ressaltou que abordaram a necessidade de cumprir a resolução adotada pelo Conselho de Segurança da ONU para prevenir o financiamento do terrorismo. O presidente russo também revelou que a parte russa apresentou em Antalya imagens captadas por satélites e por aviões que "mostram claramente a magnitude que o tráfico ilegal de petróleo pelo EI alcança". "As colunas com os caminhões-pipa se estendiam por dezenas de quilômetros", destacou. Putin ressaltou que, após se recusarem a cooperar com a Rússia na luta contra o jihadismo na Síria, todos os países, incluído os Estados Unidos, estão se conscientizando que o terrorismo só será combatido por todos. "Os trágicos eventos ocorridos em Paris somente confirmaram que temos razão" ao propor uma coalizão antiterrorista internacional, afirmou o presidente russo. Por isso, ele pediu que a legitimidade da operação aérea russa contra as posições do EI na Síria deixem de ser alvo de discussão e que os países reúnam esforços contra o terrorismo, concretamente para prevenir atentados no mundo todo. Por exemplo, a França estava entre os países que mantinham uma postura muito firme contra o presidente sírio, Bashar al Assad", disse. E destacou, "parte da oposição armada síria considera possível iniciar ações armadas contra o EI caso sejam apoiados pelo ar, e nós estamos dispostos a prestar esse apoio". O chefe do Kremlin ressaltou que continuam a ser analisadas todas as versões sobre a causa da catástrofe do Airbus russo que caiu com 224 passageiros a bordo em 30 de outubro na península egípcia do Sinai. "Se houve uma explosão, entre os destroços da aeronave, entre os pertences dos passageiros, devem ter ficado rastros de substâncias explosivas. Certamente as conclusões definitivas só poderão ser tomadas após a conclusão das investigações", disse. |
Curitiba - A Operação Lava Jato identificou pelo menos cinco outras empresas investigadas por corrupção na Petrobras - além do estaleiro Keppel Fels - pagaram o operador de propinas Zwi Skornicki, que repassou US$ 4,5 milhões para a conta secreta da Suíça do marqueteiro do PT João Santana - preso com a mulher, Mônica Moura, desde 23 de fevereiro, em Curitiba alvos da 23ª fase batizada de Operação Acarajé. Entre 2013 e 2014, Zwi recebeu comissões milionárias pelo seu trabalho de intermediador de contratos das empresas Queiroz Galvão, Iesa, Saipem, Ensco e UTC - as quatro primeiras negam irregularidades. Há ainda pagamentos regulares por outras que não são alvo da Lava Jato, como a Siemens, Doris, Megatranz, Frasopi e Sotreq. As investigações da Lava Jato nesse frente buscam identificar se o dinheiro que transitou das contas de Zwi para a conta secreta de João Santana teve como origem os desvios na Petrobras. A força-tarefa chegou aos US$ 4,5 milhões transferidos pelo lobista para o marqueteiro do PT analisando os recebimentos da conta mantida por ele no Banke Heritage, na Suíça, em nome da offshore Shellbill Finance SA. Ao todo, foram identificados 9 depósitos na Shellbill - de João Santana -, que passaram pela agência do Citibank em Nova Iorque, tendo como pagador contas de outra offshore, a Depp Sea Oil, que pertence a Zwi Skornicki. A Deep Sea Oil é uma das empresas que existiam apenas no papel abertas pelo lobista no exterior e supostamente usadas para movimentar propina. No Rio, Zwi recebia por seus serviços via Eagle do Brasil, informa a Lava Jato. Investigadores da Lava Jato haviam apreendido em 2015 na casa do lobista, no Rio, documentos da contabilidade da empresa de consultoria de Zwi, a Eagle do Brasil. Essa empresa, para os investigadores, era a principal recebedora dos serviços de intermediação de contratos na Petrobras. Foi por meio de contas legais e secretas que a Lava Jato investiga a prática de corrupção e lavagem de dinheiro. Além do marqueteiro, há a identificação de pagamentos de propina ocultou a outros investigados. A PF anexou aos autos o registro de venda, em 2012, de uma BMW 550i no valor de R$ 380 mil para o ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco, delator do processo. Há ainda o registro de pagamento de aparelhagem de ginástica paga para o ex-diretor de Serviços Renato Duque no valor de R$ 25 mil, no mesmo ano. A chave para detalhas as propinas intermediadas por ZWi Skornicki está no Delta Bank. O operador tem contas em seu nome e em nome da offshore Deep Sea Oil nessa instituição financeira. Nos documentos analisados nas buscas de Zwi, a PF identificou uma lista de convidados para festa do filho e sócio Bruno Skornicki em que além de investigados da Lava Jato, como João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, ex-funcionários da Petrobras, está registrada a presença de Paulo Alexandre Lerner, gerente do Delta Bank em Nova York. No Relatório de Análise de Mídia nº 449/2015 da PF há uma troca de e-mail entre Zwi e Lerner, em que o lobista pede ao executivo do banco "que confirme valores" que recebeu do Keppel Shipyard". "A conclusão lógica é que Zwi recebia valores de comissão do Estaleiro Keppel Fels em contas no Delta Bank, possivelmente em nome da offshore Deep Sea Oil Corp", afirma o delegado Filipe Hille Pace. Barusco, delator da Lava Jato, afirmou que houve acerto de 1% de propina em contratos bilionários de navios-sonda pelo estaleiro. Em outra troca de mensagem Zwi trata com Angela Boni, identificada pela PF como representante do banco. Na mensagem, Zwi Skornicki dá ordens e faz indagações a funcionária do Delta Bank de nome Angela Boni. Só do estaleiro Keppel Fels, uma das principais fontes pagadores das consultorias de Zwi, o lobista recebeu R$ 32 milhões no período investigado. Dos US$ 4,5 milhões que a conta da Deep Sea Oil passou para conta secreta de João Santana, três pagamentos foram feitos entre julho e novembro de 2014 - todos no valor de US$ 500 mil -, período da campanha eleitoral em que a presidente Dilma Rousseff foi eleita. A Polis Propaganda e Marketing, do marqueteiro petista, foi a responsável pela campanha, ao custo de R$ 70 milhões. Mônica Moura, presa junto com Santana, em Curitiba, afirmou em depoimento à Polícia Federal na quarta-feira, 24, que os valores repassados por Zwi foram caixa-2 da campanha presidencial de Angola. O nome do operador, segundo ela, foi indicado pela campanha angolana. A defesa de Zwi Skornicki informou que só vai se pronunciar nos autos. O presidente da UTC, Ricardo Pessoa, fechou acordo de delação premiada e confessou ter pago propina em contratos da Petrobras para executivos da estatal, partidos e políticos. Não foram encontrados representantes da Keppel Fels, IESA, Saipem e Ensco para comentar o caso. |
São Paulo – Você faz dieta, sua a camisa na academia, mas ela continua no mesmo lugar. Até mesmo para quem não é obeso, a barriga saliente pode ser um incômodo e tanto. De acordo com a nutricionista Sonja Salles, da Greenday, para se livrar de vez da gordura abdominal, em geral, é preciso perder peso, já que o emagrecimento é global, com perda mais acentuada onde há acúmulo de banha. Apesar disso, existem hábitos (alimentares ou não) que ajudam a reduzir esse volume desnecessário. Além de Sonja, EXAME.com consultou a também nutricionista Cintia Azeredo, do Vita Check-Up Center. As duas indicaram atitudes aliadas dessa batalha, que precisa ser levada ainda mais a sério pelas pessoas que têm tendência ao problema. Para queimar gordura (do abdômen ou outra parte do corpo), é preciso ter um gasto energético maior do que o consumo. De acordo com Sonja Salles, “para perder peso é necessário uma diminuição do valor calórico ingerido diariamente”. A fórmula não é apenas ingerir poucas calorias, mas também seguir um programa alimentar rico em nutrientes, fibras e antioxidantes. O ideal é comer cinco porções diárias de frutas e vegetais, mas também é possível substitui-las por sucos funcionais, caso a pessoa não tenha esse hábito. “A postura errada faz com que a barriga pareça maior”, afirma Cintia Azeredo. Segundo, atividades e exercícios, como pilates e ioga, são boas opções para melhorar a postura e manter a saúde. “O aumento do consumo de fibras na dieta contribui para redução da barriguinha, já que as pessoas tendem a ingerir menos gorduras e calorias”, afirma Cintia Azeredo. Ela e Sonja concordam que ingerir frutas, vegetais, aveia e alimentos integrais, por exemplo, ajuda a jogar fora o excesso de gordura e a melhorar o funcionamento do intestino. Associados às fibras, vale a pena comer fontes de ômega-3, como sardinha, salmão, chia e linhaça, que também atuam no emagrecimento (e, consequentemente, na perda da barriga). Para perder peso e barriga, não basta ter uma dieta balanceada. O trabalho deve ser feito em conjunto com exercícios físicos aeróbicos e localizados, que queimam calorias e fortalecem a musculatura do abdômen. “É importante o acompanhamento de um educador físico para melhores resultados”, afirma Cintia. O pãozinho francês ou o pão de forma do misto quente estão entre os alimentos que ajudam a aumentar a barriga. Apesar de parecerem inocentes, seu principal ingrediente, a farinha refinada (branca) é a responsável, segundo Cintia Azeredo. “Ela, leva à fermentação e produção de gases, por meio de seu carboidrato, provocando aumento abdominal. A nutricionista Cintia Azeredo afirma que o açúcar também é um ingrediente que causa aumento do abdômen, já que provoca desequilíbrio da flora intestinal. Esse efeito reduz a presença de bactérias benéficas e aumenta a quantidade de micro-organismos maléficos, levando à distensão do abdômen, além, claro, de engordar. Fazer aquilo que gosta e evitar situações e uma rotina estressante está entre os hábitos sugeridos pela nutricionista Cintia para reduzir a barriga. Isso porque o estresse ajuda a aumentar o peso, devido a reações hormonais prejudiciais. Atividades prazerosas, de lazer e bem-estar são a chave para compensar o cotidiano pesado, que nem sempre pode ser contornado. Assim como o açúcar, as bebidas alcoólicas levam à distensão abdominal pelos mesmos motivos. Além disso, os drinks ainda podem engordar, devido ao alto grau de calorias. Para quem deseja reduzir o volume da barriga, comer embutidos e congelados, por exemplo, é um retrocesso. De acordo com Cíntia, esses e outros alimentos industrializados costumam ter grande quantidade de sódio, além da gordura. “Isso faz com que ocorra a retenção de líquidos, levando a sensação de inchaço na barriga”, afirma. Aliados no combate ao barrigão e ao excesso de peso são os chamados alimentos termogênicos. Essas comidas e bebidas costumam acelerar o metabolismo e, com isso, impulsionam o gasto de calorias. Alguns exemplos são a pimenta vermelha, canela, gengibre, chá verde e água gelada. Batata frita: a fábrica da McCain na Argentina fornece batatas congeladas às cadeias McDonald's, Burger King e à brasileira Bob's Se o intuito é perder a barriga ou afastar as chances de ela aumentar, as comidas gordurosas, como salgadinhos, empadões, queijos gordurosos, sanduíches, frituras e manteiga, devem ser evitados, de acordo com as nutricionistas. Além de dificultar o acúmulo de gordura no abdômen, esse hábito previne problemas como o colesterol alto e doenças cardiovasculares. Cintia ainda afirma valer a pena cortar os refrigerantes do cardápio, por duas razões. A primeira diz respeito à grande quantidade de açúcar das fórmulas. A segunda está ligada ao gás, que também ajuda a inflar a barriga, dando a impressão de estar maior. Apesar de nutritivos, há alimentos que podem causar desconforto abdominal, segundo Cintia Azeredo. Repolho, brócolis, couve-flor, couve e feijões são alguns exemplos de comidas que provocam o aumento de gases em algumas pessoas e, assim, aumentam a barriga. |
Essas são as inquietações que perpassam toda a pesquisa desenvolvida em O princípio da simetria constitucional e a autonomia dos Estados Membros: uma análise a partir da Constituição do Estado do Maranhão, e que nos convidam a embarcar num projeto construtivo do “princípio da simetria” no Brasil. A partir de estudo empírico rigoroso, José Guimarães Neto revisita em todo o livro o “princípio da simetria” na literatura jurídica e no Supremo Tribunal Federal e a repercussão prática da aplicação dessa norma nas competências dos entes políticos que compõem o pacto federativo brasileiro, a fim de compreender e demonstrar as possíveis incoerências decisórias e/ou efeitos sistêmicos das decisões. Esta obra, portanto, apresenta questões que são deixadas em segundo plano dentro das abordagens teóricas e práticas da literatura sobre Direito Constitucional no Brasil, preenchendo um importante “espaço de silêncio” sobre a autonomia dos entes políticos. Além disso, fomenta a reflexão sobre estudos e decisões que reproduzem o “princípio da simetria” como se fosse algo dado e irrefutável, ou como forma de não aprofundar em questões práticas e cujas consequências podem violar o pacto federativo. O Princípio da Simetria Constitucional e a Autonomia dos Estados Membros: uma análise a partir da Constituição do Estado do Maranhão |
Professor de sociologia do ensino médio do Centro Educacional Leonardo Da Vinci, Vitória/ES Fantasias de todo tipo religiosas ou políticas e até científicas. Para a direita ou para a esquerda, sempre podemos encontrar estão lá fabulações sobre o mundo que encontram respostas em muitos espíritos. Nada contra ao que parece ser a marca de nossa existência no planeta, nossa capacidade quase ilimitada de produzirmos imaginariamente a vida. O problema começa quando essas mesmas fantasias produzem barbárie, fundamentalismos de toda espécie, disseminam a intolerância ou, o que nos interessa aqui, precipitam atitudes que tentam desqualificar um projeto de caráter humanista por meio de acusações de cunho ideológico. Em artigo recente [i] tivemos a oportunidade de observar a força dessas fantasias, alimentada pelo medo, pelo ódio ou, quem sabe, por interesses inconfessáveis. Trata-se da crença segundo a qual a campanha pela aprovação da emenda que visa a implantação da sociologia e da filosofia nos currículos de ensino médio, nada mais é que uma tentativa de se criar um programa de divulgação da ideologia comunista. Na verdade, se assim fosse, a aprovação do referido projeto pelo Senado Federal e sua sanção pelo Presidente da República seria uma jogada de mestre, pois de hora em diante estaria aberto um canal para transformar cada aluno deste país num ouvinte passivo do discurso enrugado dos velhos comedores de criancinhas. Claro, considerando que todas as vagas para professores fossem ocupadas pelos militantes/ simpatizantes da ideologia marxista. Considerando que todos os professores de filosofia ou sociologia e também os alunos em formação tivessem afinidade com tal perspectiva. Considerando ainda que os programas das graduações em ciências sociais ou filosofia tivessem como único objetivo ensinar o pensamento do filósofo alemão ou uma de suas possíveis leituras. Para aceitarmos essa tese precisaríamos também descartar o fato de as ciências sociais serem celeiro de uma infinidade de correntes teóricas e de autores de perspectivas diversas sobre o mundo social, tais como Weber, Simmel, Durkheim, Mauss, Foucault, Berger, Goffman, Fromm, Lévi-Strauss, Castoriadis ou Pareto - para citar alguns exemplos. E ainda não poderíamos lembrar que as escolas possuem autonomia para construir seus projetos pedagógicos ou que os manuais de sociologia disponíveis no mercado divergem em vários pontos quanto ao seu ensino. Não vem ao caso levantarmos tantos aspectos que tornam difícil crer numa manipulação da realidade em tão larga escala, digna de Deus. Nesse jogo de retórica, só falta mesmo alguém aventar a hipótese de que toda a movimentação em torno do projeto que já vem sendo feita há alguns anos estaria relacionada ao próximo pleito eleitoral e que o próprio Lula teria interesse direto na questão. Proponho uma alternativa: antes de tudo, é preciso que se esclareça que existem filósofos de todos os matizes teóricos (ou ideológicos, se preferirem). O mesmo se pode dizer sobre sociólogos, historiadores, matemáticos ou físicos alguém acredita que um professor de biologia não pode influenciar politicamente seus alunos? Isso nos remete à questão seguinte: a sala de aula não se resume a um professor discursando para alunos sequiosos em beber cada palavra como se fossem verdades inquestionáveis. Ao contrário, as práticas pedagógicas se orientam cada vez mais para a manipulação de conteúdos, a observação, a pesquisa, a contraposição de perspectivas diferentes, a análise de situações-problema, o papel ativo do aluno e o respeito à sua lógica, seus conhecimentos prévios e seu ritmo, como atesta o sociólogo Philippe Perremoud. Mas o caso é que a sociologia pode ser uma contribuição importante para a formação de nossos jovens educandos. Não porque tenha uma missão ou um projeto de emancipação política. Nada mais falso. Nem mesmo porque pode proporcionar o desenvolvimento do pensamento crítico. Afinal, o pensamento crítico não se desenvolve por meio da aprendizagem de algum conteúdo específico. Mais que discorrer sobre uma série de conceitos, a disciplina pode contribuir efetivamente para a formação humana na medida em que proporcione a compreensão de nossa inserção na trama social. E isso por meio da problematização da realidade próxima dos educandos, permitindo-lhes ver os mesmos panoramas por diferentes perspectivas segundo a cientista política Marta Zorzal e Silva [ii] , tanto quanto pelo confronto com realidades culturalmente distantes. O que proponho é que seja qual for o conteúdo, ele será sempre um meio para se atingir o fim: o desenvolvimento da perspectiva sociológica. Trata-se de uma apropriação, por parte dos educandos, de um modo de pensar distinto sobre a realidade humana; o que lhes permitirá ser mais críticos até mesmo em relação ao que alguns julgam ser o mal do qual se deve prevenir as futuras gerações. Ensinar sobre lutas de classes e modo de produção certamente não constitui o objetivo dessa disciplina; o que, aliás, já é feito nas aulas de história. O objetivo é muito mais proporcionar uma tomada de consciência sobre como a nossa personalidade está relacionada à linguagem, aos gestos, às atitudes, aos valores, à posição social e aos papéis sociais; enfim, desvelar e discutir narrativas sociais suas implicações, seus dilemas, o que falam da heterogeneidade cultural e da estrutura social. Numa frase, ensinar sociologia é, antes de tudo, desenvolver uma nova postura cognitiva no indivíduo. O que se conclui de todo esse debate é que convivemos com um futuro que se pretende (pós) moderno o que dizer de estudos sobre a implicação do pragmatismo de Richard Rorty na educação, realizados por professores e alunos de pós-graduação da Unesp/Marília, coordenados pelo Dr. Paulo Ghiraldelli Jr. [iii] , por exemplo? e com o ranço de um passado que insiste em se manter vivo. Um ranço alimentado por fantasias que não fazem mais que atualizar um debate que teria lugar tão somente nos livros de história, pois polarizam questões educacionais entre ideologias políticas, retomando um discurso anticomunista que sucumbiu com a queda do muro há mais de uma década. Certos discursos, que pretendem exorcizar fantasmas obscurecendo a mente ao invés de iluminá-la, servem somente ao autoritarismo congênito de nossa sociedade. Pior que isso: não contribuem para se pensar o que poderia ser, de fato, a sociologia e a filosofia no Ensino Médio, pois que não estão sustentados em reflexão competente, mas em delírios. |
A linguagem preferida dos belicosos parece ter seus dias contados, pelo menos esta é a esperança. No Brasil, o uso assumido da diferença de tratamento começou com a campanha para o governo Collor com sua “caçada aos marajás”. Extrapolou até as fronteiras quando disse que a crise de 2008 fora provocada por gente de olhos azuis. Na nossa querida pátria amada dizer que “é coisa de nego” vale processo por racismo, cadeia y otras cositas más. Porém, como disse uma ex-ministra, racismo é uma estrada de uma via só. Mas, tudo isso são bobagens e devemos parar de dividir o Brasil entre “nós e eles”. Ninguém sabia ao certo quem eram os “marajás” que Collor se propunha a caçar. Podiam ser políticos tidos como corruptos, empresários exploradores do suor e do sangue dos empregados, chefes com mordomias de escritórios e salários maiores que os trabalhadores de chão de fábrica ou qualquer um que trabalhasse na sombra enquanto os trabalhadores da lavoura sofriam ao sol. Assim também não se consegue definir quem somos nós e quem são eles, uma vez que dentro de uma mesma família esse discurso provoca cizânia. Toda luta por direitos iguais deve ser respeitada, mesmo porque a história não muito distante registrou apartheid, nazismo, fascismo e inúmeras guerras étnicas de brancos e negros entre si. Contudo, quando um governo eleito para todos estimula as diferenças que poderiam ser positivamente exploradas, está mostrando imaturidade. Se o governo negro da África do Sul tivesse partido para a vingança contra os brancos, nenhum jurista poderia dizer que não havia motivos históricos que a justificassem. Mas, num gesto de grandeza, que deveria servir de exemplo a todos, resolveu enterrar as diferenças e partir para o desenvolvimento do país sem ódios. Grandes estadistas como Nelson Mandela são de semeadura rara, mas existem e fazem a diferença no mundo. O negro Pelé, que sempre teve mais habilidade com os pés que com a língua, disse certa vez que o povo brasileiro não sabia votar. Em plena ditadura, um negro discriminado auxiliava a discriminar, mesmo que não intencionalmente. A rigor, nenhum povo aprenderá a votar se não aprender com os erros e frustrações. Infelizmente, nosso querido Brasil está às voltas com afirmações que não ajudam a unir o país. Não falemos apenas de ricos e pobres, letrados e analfabetos, negros e brancos, trabalhadores que empregam e trabalhadores empregados, mas também das intolerâncias religiosas. Se não houver respeito, sempre estaremos rotulando pessoas como sendo “eles”. Se não nos conscientizarmos que para sermos uma grande nação precisamos usar a abrangência do “nós”, ficaremos patinando na lama das diferenças e progrediremos muito lentamente. É muito bonito que cada um dos que compõe a nação brasileira tenha conhecimento de suas origens, as cultue em todos os sentidos, desde que esse culto não inclua a discriminação dos que não parte deste grupo. O bairrismo, o etnocentrismo descamba no racismo estúpido, inútil e pernicioso. As culturas são diferentes, as cores são diferentes, as posses são diferentes, os sons e os tons são diferentes. Se não houvesse diferenças não poderia haver pintura, nem música, nem beleza, nem harmonia. |
Modem e roteador são peças fundamentais para que a rede de casas e empresas funcione. Eles fazem a conexão entre os computadores, tanto de internet, quanto de sistema interno. Modems são utilizados para fazer a comunicação entre cabos, fibras óticas ou linha telefônica e receptores. Além de poderem ser usados para usar a internet, eles interligam computadores que trabalham em rede. Picos de luz e sobrecarga de energia são os principais problemas que travam o funcionamento do aparelho. Por isso, reiniciá-lo quando o sinal não está bom é um bom paliativo. Já os roteadores captam o sinal do modem e distribuem para as redes sem fio. Assim, vários computadores podem utilizar o mesmo sinal, sem a necessidade de cabos. Mantê-lo em locais secos e limpar periodicamente é fundamental para o funcionamento. |
O Trabalho Temporário é regulamentado pela lei nº 6.019 de 3-1-74 e seus decretos, é uma lei exclusiva para contratação de pessoal para todas as atividades que a Empresa necessite de mão-de-obra por tempo determinado de 1 a 6 meses, esta contratação é simples e bastar ter a elevação da atividade produtora ou tarefas excepcionais a serem realizadas, todas as funções são contempladas com a Lei de Temporários, das atividades fim da empresa como as áreas técnicas, de produção, administrativa e comercial ou atividades meio, manutenção, serviços extras, ou atividades de curto prazo. Também são utilizadas como substituição temporária de funcionários efetivos que estão em licença maternidade, afastamento doença, acidente de trabalho, licenças, treinamentos ou de férias nesta substituição o temporário poderá ficar na mesma função por até 9 meses. Serviço de administração de temporários por uma empresa idônea, legalmente autorizada pelo Ministério do Trabalho; Recrutamento eficaz, rápido e assertivo colocando o trabalhador imediatamente no processo produtivo ou na tarefa a ser executada, com isso o cliente terá maior produção e resultados; Reposição imediata do trabalhador temporário sem custo adicional ou prejuízo na produção; Redução de custos na área de pessoal (emissão de contrato de trabalho, preenchimento e assinatura de carteira de trabalho, inscrição no PIS, recolhimentos de INSS, FGTS, folha de pagamento, etc.), por um período de até 3 meses; Contrato flexível e sem burocracia, sendo fácil o termino do contrato com o temporário; O temporário no término do contrato poderá ser efetivado na Empresa sem qualquer custo adicionais ou taxa de Recrutamento e Seleção, sendo que o mesmo já terá conhecimento das rotinas e valores da função; Incentivos fiscais advindos do contrato se o contratante for optante do lucro real; |
A foto que ilustra esta página foi tirada no dia 28 de março de 1928 e registra um dos momentos mais significativos da história dos negócios no Brasil: a fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), o embrião do que seria, três anos depois, a Fiesp. Os nove personagens da foto integraram a primeira diretoria da entidade. Lá estava Roberto Simonsen, empresário da construção civil, imortal da Academia Brasileira de Letras, deputado federal e senador. E lá estava ele, o conde Francesco Matarazzo, cujo grupo empresarial só faturava menos que a União e o estado de São Paulo. Por suas ações, iniciativas e convicções, os nomes Street, Simonsen e Matarazzo entraram definitivamente para a literatura dos negócios, tornando-se tema recorrente de estudos acadêmicos. Mas, também por suas ações, iniciativas e convicções, a fortuna dessas famílias não se situa no mesmo patamar elevado em que se encontra sua biografia. O mesmo aconteceu com a riqueza de outros três empresários que posaram para a foto: Plácido Meirelles, que atuava no setor têxtil, Antonio Devisate, do ramo calçadista, e Carl von Bülow, da Antarctica. Os seis industriais quebraram ou tiveram de abrir mão de seus negócios. Escaparam da sina as famílias de outros três fundadores: a de José Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, a de Horácio Lafer, do grupo Klabin, e a de Alfried Weiszflog, da Melhoramentos. Nesta reportagem, EXAME explica como e por que a desventura consumiu dois terços da Fiesp original. Esta é a primeira diretoria da atual Fiesp, em foto tirada em 1928 Só o imóvel onde ficava a antiga fábrica rende dinheiro para a família Hoje o grupo tem uma centena de indústrias e atuação em oito países Apenas um ramo da família possui uma empresa de instrumentos de precisão A empresa se profissionalizou e o faturamento hoje é 437 milhões de reais O grupo se profissionalizou e a receita anual é superior a 2,7 bilhões de reais Por esforço próprio, um dos herdeiros tem uma empresa de tomates secos Durante três meses, a equipe da revista localizou e obteve informações sobre como estão vivendo os descendentes das nove famílias fundadoras da entidade. Os outros 85% ganham a vida como profissionais liberais e empregados de outras empresas. A constatação matemática é que, para cada grupo de sete herdeiros da primeira safra de empresários paulistas, apenas um permanece à frente de um negócio -- a maioria com desempenho econômico muito inferior ao de seus antepassados. Em alguns casos a riqueza ruiu ainda nas mãos do fundador. Jorge Street morreu pobre depois de perder as quatro empresas de seu grupo. Em outros, os herdeiros até receberam uma empresa sólida, mas não puderam manter o negócio em atividade. Aconteceu isso com os descendentes de Carl von Bülow, dono da Companhia Antarctica Paulista, atualmente uma das empresas do grupo Inbev. A participação da família na cervejaria foi vendida na década de 70. Entre os empreendedores -- um universo de 82 pessoas --, a maior parte (45) se concentra no clã Matarazzo. Uma das empresas mais promissoras desta nova fase, a Metalma, é presidida por Andrea Matarazzo, ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, integrante da quarta geração da família (leia abaixo artigo de sua autoria). Na família Simonsen, que não é a mesma do ex-ministro Mário Henrique, há também uma pequena empresa de tomates secos, a Débora, de Victor Fernando Simonsen. Mas a maioria esmagadora dos descendentes, os 85% restantes, abraçou outras carreiras e vive com um padrão de vida bastante digno, mas bem distante do dos patriarcas. Entre os herdeiros há médicos, advogados, engenheiros e também um padre. Mauricio Matarazzo, tataraneto do conde, estudou direito canônico e hoje é sacerdote da Opus Dei, uma vertente da Igreja Católica conhecida pelo rigor em relação aos dogmas da religião. Entre os Street, há quem se dedique à dança, como a bailarina Zélia Monteiro, e entre os Von Bülow há um professor de wakeboard, Wiliam von Bülow. A reportagem identificou certa concentração de herdeiros (no caso herdeiras) dos fundadores da Fiesp na loja Daslu, a famosa butique de luxo localizada em São Paulo. Do clã Simonsen, estão a gerente Fernanda e a vendedora Claudia. Dos Meirelles, de Plácido Meirelles, está a diretora Donata, mulher do publicitário Nizan Guanaes. Há problemas de conjuntura, má administração e uma série de fatores já identificados pelos especialistas. Mas conhecer a trajetória dos seis empresários fundadores da Fiesp cuja fortuna se dissipou é sempre uma boa oportunidade para extrair lições. Uma delas (bastante atual hoje em dia) é o difícil acompanhamento das inovações tecnológicas. É esse sentimento que faz com que a empresa cresça e ganhe mercado. Com o passar do tempo, o empresário vai ficando mais conservador, tem dificuldades em apostar nas novidades e muitas vezes acaba sendo ultrapassado por outros empresários mais jovens e com aquela velha agressividade. Antonio Devisate, o industrial da área de calçados, é um exemplo. Proprietário de uma fábrica em que cada sapato passava por 134 funcionários e com maquinário importado dos Estados Unidos, ele viu seu negócio ser liquidado com a chegada dos sapatos vulcanizados, bem mais baratos que o modelo fabricado por ele. Mas, além disso, não se preparava corretamente um herdeiro para assumir o comando da empresa. Sua fortuna era tão grande que um de seus três filhos chegou a construir uma propriedade no interior de São Paulo com torre medieval e uma espécie de praia (com areia que trazia da cidade de Santos). Mas a empresa, que era resultado direto das qualidades de Simonsen, esfacelou-se depois de sua morte. Aos 59 anos, de maneira repentina, ele foi vítima de um infarto. Surpresos, seus três herdeiros dividiram a responsabilidade de tocar a firma. Com o passar do tempo, foi ficando claro que nenhum deles tinha a vocação necessária e o negócio foi vendido. "Eles não queriam profissionalizar, discutiam sempre sobre quem assumiria a frente da companhia e preferiram ven der", conta o neto de Roberto, Victor Álvaro Simonsen. Um dado importante sobre as grandes fortunas é que elas precisam continuar se multiplicando para garantir sustento aos herdeiros. Se uma empresa permite determinada quantia de retiradas, na segunda geração esse mesmo valor pode cair pela metade (caso sejam dois filhos) ou para 25% (caso sejam quatro filhos). Se o ritmo das retiradas permanece o mesmo dos áureos tempos e os lucros da empresa ficam estacionados, está feita a equação da derrocada. O exemplo mais simbólico dessa cruel matemática é o patrimônio do conde Francesco Matarazzo. Calculada em 20 bilhões de dólares, essa soma lhe daria a sexta colocação no ranking dos maiores bilionários do planeta de 2004. Para efeito de comparação, os brasileiros mais bem posicionados nessa lista são os irmãos Moise e Joseph Safra. Juntos, estão na 91a colocação mundial, com 4,7 bilhões de dólares. Se o saldo inicial fosse mantido, cada um deles ficaria com 6,6 milhões de dólares de hoje. Bastante dinheiro, sem dúvida -- mas nada que chegue perto do que foi a opulência do ancestral milionário. Infelizmente, a companhia foi se endividando, perdendo dinheiro, até praticamente desaparecer. O Brasil (principalmente o dos últimos 30 anos) é um ambiente hostil para os que querem fazer negócios. Um recente estudo do Banco Mundial mostrou que apenas países como o inexpressivo Chade têm condições piores do que as brasileiras. Os empreendedores de hoje sofrem para abrir uma empresa, fechá-la, tomar empréstimo, pagar impostos, contratar funcionários e uma lista interminável de problemas. Quem gere uma empresa sabe o quanto a conjuntura econômica pode ser decisiva para o sucesso ou fracasso do empreendimento. O Brasil mudou muito desde os tempos dos magnatas da indústria paulista até hoje. Eles também foram atingidos por algumas intempéries (como dez padrões monetários, duas ditaduras, crises internacionais e até uma guerra mundial). Plácido Meirelles, por exemplo, viu sua próspera companhia de tecidos sofrer um baque terrível com a queda da Bolsa de Nova York apenas um ano depois da foto. Meirelles teve problemas com a Depressão americana e foi obrigado a fechar. Mas o que dizer dos milhares de empresas dos Estados Unidos que continuam firmes até hoje? A resposta para o sucesso delas passa pelas mesmas razões que fizeram o sucesso do um terço dos fundadores bem-sucedidos. Os descendentes do trio José Ermírio de Moraes, da Votorantim, Horácio Lafer, da Klabin, e Alfried Weiszflog, da Melhoramentos, têm negócios tão ou mais fortes hoje que no dia em que seus ancestrais posaram para a foto. Em comum, pode-se dizer que essas três firmas investiram fortemente na preparação dos membros da família e adotaram mais cedo a profissionalização da empresa. Só poderiam trabalhar na empresa os familiares que tivessem feito dois cursos de graduação e galgado uma posição de destaque em outro lugar. Os Ermírio de Moraes também investiram na formação do clã e expandiram os negócios, originalmente de indústrias têxteis, para áreas como cimento e alumínio. Os Lafer profissionalizaram a gestão da Klabin e também expandiram os negócios para outros ramos. "Foram grupos que estavam atentos a oportunidades de novos negócios e levaram a sério os processos de organização interna", diz Renato Bernhoeft, especialista em empresas familiares. O objetivo de toda empresa é sobreviver mesmo diante das maiores adversidades. Quando os fundadores da Fiesp se reuniram para tirar a foto, pareciam comandar grupos imortais. Hoje, claro, existe um número maior de ferramentas para que as empresas prosperem através das gerações (veja reportagem na pág. Mas o risco de uma empresa fechar as portas, apesar de todos os cuidados adicionais e aconselhamentos, é elevadíssimo. De acordo com um estudo realizado por John Ward, especialista americano em empresas familiares, apenas 34% das empresas familiares conseguem sobreviver quando o bastão passa da primeira para a segunda geração. Desse grupo, apenas a metade (portanto 17% do montante inicial) consegue passar o comando para a terceira geração. Outro estudo, também feito nos Estados Unidos, mostra que apenas 10% das empresas conseguem chegar aos 75 anos e que apenas 4% completam o primeiro centenário. EXAME fez um levantamento sobre o perfil empresarial dos 526 descendentes(1) dos nove patriarcas fundadores da Fiesp. (1)Para este cálculo só foram contabilizados os descendentes com idade acima de 24 anos |