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— Com uma lira que você, sem qualquer favor, deveria ter. Nenhum homem em
toda a Babilônia poderia fazê-la vibrar mais docemente; a tal ponto que não
apenas o rei, mas os próprios deuses ficariam deliciados. Como, porém,
conseguir tal coisa, se nós dois somos tão pobres quanto os escravos do rei?
Ouça o sino! Aí vêm eles.
Ele apontou na direção da longa coluna de semidespidos e suarentos
carregadores de água que subiam penosamente a rua, vindo do rio. Arrastavam-
se em alas de cinco, cada qual vergado sob um pesado odre de pele de cabra.
— Um belo tipo de homem, aquele que os está conduzindo. — Kobbi indicou o
tocador do sino, que ia na frente, sem carregar nada. — Um homem importante
em seu próprio país, como se pode ver.
— Há muitos bons tipos ali—acrescentou Bansir, concordando com o amigo —,
homens tão bons quanto nós. Homens altos e louros do norte, os risonhos negros
do sul, os morenos dos países mais próximos. Todos marchando juntos do rio até
os jardins, um após outro, dia após dia, ano após ano. Nenhuma expectativa
quanto a um futuro diferente ou melhor. Camas de palha para dormir e papas
terríveis de cereais para comer. Coitados desses pobres brutos, Kobbi!
— Coitados, realmente. Mas você me faz ver que não somos muito melhores do
que isso, embora nos consideremos homens livres.
— É verdade, Kobbi, por mais desagradável que seja a idéia. Não queremos
continuar levando ano após ano uma vida de escravos. Trabalho, trabalho,
trabalho! Sem ir a lugar algum.
— Não podemos descobrir como outros conseguem ouro e fazermos como eles?
— perguntou Kobbi.
— Talvez haja algum segredo que devamos buscar junto âqueles que o
conhecem — replicou Bansir, pensativo.
— Ainda hoje — lembrou Kobbi — passei por nosso velho amigo, Arkad,
refestelado em sua carruagem dourada. Devo dizer que ele não me olhou com o
desprezo que muitos de sua posição teriam achado perfeitamente cabível. Ao
contrário, acenando com a mão na frente de todos os circunstantes, saudou e
concedeu seu sorriso de amizade a este Kobbi, o músico.
— Ele é considerado o homem mais rico de toda a Babilônia — refletiu Bansir.
— Tão rico que o próprio rei, segundo se diz, busca sua valiosa ajuda para os
negócios do tesouro — replicou Kobbi.
— Tão rico — acrescentou Bansir — que, se o encontrasse casualmente numa
noite escura, seria capaz de enfiar minha mão em sua gorda algibeira.
—Tolice — reprovou Kobbi —, a riqueza de um homem não se acha na bolsa
que ele carrega. Uma bolsa gorda fica logo vazia se não houver um constante
fluxo de ouro. Arkad tem rendimentos que conservam suas reservas sempre
altas, por maior que seja a liberalidade com que gasta dinheiro.
— Rendimentos, essa é a questão — exclamou Bansir. — Quero ter uma renda
fluindo continuamente para minha bolsa, esteja eu sentado sobre o muro ou
viajando em terras distantes. Arkad deve saber como um homem pode criar uma
renda para si mesmo. Supõe que se trate de alguma coisa que ele poderia deixar
claro para uma mente tão lenta como a minha?
— Parece-me que ele transmitiu seus conhecimentos ao filho, Nomasir —
respondeu Kobbi. — Este não foi para Nínive e, como se comenta na estalagem,
não se tornou, sem a ajuda do pai, um dos homens mais ricos dessa cidade?
— Kobbi, você acaba de me propiciar um raro pensamento.
— Um brilho novo surgiu nos olhos de Bansir. —Não custa nada buscar conselho
junto a um bom amigo, e Arkad sempre se mostrou como tal para nós dois.
Pouco importa que nossa bolsa esteja tão vazia como o ninho de um falcão
abandonado há um ano. Não deixemos que isso nos detenha. Estamos fartos de
não ter ouro no meio de tanta opulência. Queremos tornar-nos homens de
posses. Vamos, vamos procurar Arkad e perguntar-l h e tomo também nós
podemos adquirir uma renda para nós mesmos.
— Você parece verdadeiramente inspirado, Bansir. Está me trazendo uma nova
compreensão. E me faz perceber por que nunca encontramos nenhuma
quantidade de ouro. Nós nunca o procuramos. Você trabalhou pacientemente
para construir as mais sólidas carruagens da Babilônia. Para tal propósito